

2025-10-13
Por Rainer Zitelmann
Hoje assinala-se o centerário do nascimento de Margaret Thatcher, a carismática primeira-ministra que governou o Reino Unido entre 1979 e 1990. Neste artigo, o historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann traça o contexto e as lições que podemos retirar do legado da Dama de Ferro.
Margaret Thatcher teria completado 100 anos de idade a 13 de outubro de 2025. A "Dama de Ferro", como ficou conhecida, foi primeira-ministra do Reino Unido durante quase doze anos, tornando-se a primeira-ministra com mais tempo de mandato no século XX. Nenhum outro líder político implementou cortes de impostos, desregulamentação e privatizações para reformar um estado-providência moderno de forma tão radical como ela. Hoje, com muitos países europeus a enfrentar desafios semelhantes, surge a pergunta: que condições permitiram que Thatcher implementasse reformas tão abrangentes?
Para lançar as bases para reformas de relevo favoráveis a uma economia de mercado, três condições essenciais deverão ser cumpridas: em primeiro lugar, a situação deve ter-se tornado crítica para vastos segmentos da população. Em segundo lugar, as sementes intelectuais já deverão ter sido lançadas – as ideias certas deverão ter sido disseminadas por "líderes de opinião" ao longo de vários anos. E só então – em terceiro lugar – é que um político carismático poderá ter uma oportunidade. Foi o que aconteceu na Argentina antes da eleição de Javier Milei, e o mesmo se passou no Reino Unido aquando da ascensão de Thatcher ao poder.
Antes de Thatcher assumir o cargo, uma experiência de «socialismo democrático» havia levado o País à beira do abismo. A inflação tinha disparado para 27%, a taxa de imposto sobre os rendimentos mais elevados atingira 83%, e os cidadãos com rendimentos de capitais significativos eram acossados com uma taxa de imposto máxima de 98%. Trinta por cento dos empregados trabalhavam em empresas públicas. Enquanto a produtividade estagnava, a dívida pública continuava a aumentar. Em 1979, os subsídios governamentais para indústrias na sua maioria não lucrativas, como a indústria mineira, totalizaram 4,6 mil milhões de libras (equivalentes a 29 mil milhões de libras hoje em dia). A certa altura, o governo do Reino Unido foi forçado a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), uma organização que normalmente presta assistência a países em desenvolvimento. Tal constituiu uma humilhação para os orgulhosos britânicos. Os sindicatos radicais, dominados por comunistas, mantinham o País firmemente sob controlo. Na década de 1970, ocorreram mais de 2000 greves por ano, custando em média quase 13 milhões de dias de trabalho e chegando a quase 30 milhões em 1979.
Thatcher compreendeu que a sua missão ia além de um punhado de reformas – estava envolvida numa luta de ideias. Como escreve o seu biógrafo Charles Moore: «Ela não tinha uma mente intelectualmente ordenada, nem original. Mais do que uma construtora das suas próprias ideias, era uma admiradora das ideias de outros». Em estudante, ficara impressionada com a análise do socialismo feita por Friedrich August von Hayek, em O Caminho para a Servidão. Institutos pró-capitalistas, como o Centre for Policy Studies, o Adam Smith Institute e o Institute of Economic Affairs (IEA), desempenharam um papel crucial na formação das suas ideias. Enquanto líder da oposição entre 1975 e 1979, Thatcher participava frequentemente em eventos do IEA e lia as publicações desse think tank. Foi também através do IEA que conheceu pessoalmente Hayek e Milton Friedman. Após a sua primeira vitória eleitoral em 1979, Thatcher atribuiu ao IEA a produção do «clima de opinião que tornou a nossa vitória possível». O Adam Smith Institute e o seu presidente, Madsen Pirie, forneceram o modelo para as suas reformas, incluindo o seu extenso programa de privatizações.
Foram essas duas condições prévias, o ambiente económico e a base intelectual estabelecida pelos think tanks, que abriram as portas para a ascensão de Thatcher ao poder. A sua principal contribuição foi a sua capacidade de absorver e comunicar eficazmente as ideias certas. Além disso, tal como Ronald Reagan e Javier Milei, a “Dama de Ferro” era exímia na comunicação e na gestão da sua imagem. A única outra figura pública no Reino Unido que lidava com fotógrafos e imprensa com a mesma habilidade de Margaret Thatcher era a princesa Diana.
As privatizações desempenharam um papel decisivo no seu segundo mandato. A British Telecom, uma empresa com 250 000 funcionários, foi cotada na bolsa de valores. Esta foi a maior oferta pública inicial do mundo naquela época, e dois milhões de britânicos, dos quais quase metade nunca tinha possuído ações, compraram ações da BT. Sob o governo de Thatcher, a percentagem de britânicos que possuíam ações aumentou de 7% para 25%. As habitações sociais arrendadas foram colocadas à venda pelos municípios aos inquilinos. Esta política transformou um milhão de inquilinos em proprietários. Neste caso, porém, talvez tivesse sido melhor vender essas habitações públicas a empresas privadas de gestão profissional ou colocá-las na bolsa de valores. Seja como for, o sucesso das privatizações no Reino Unido foi tão ressonante que se tornou um exemplo convincente para outros países e desencadeou uma onda de privatizações a nível global. Na sua autobiografia, Thatcher admitiu que gostaria de ter privatizado ainda mais empresas, mas acrescentou: «A Grã-Bretanha, sob a minha liderança, foi o primeiro país a reverter a marcha para o socialismo. Quando deixei o cargo, o setor industrial estatal tinha sido reduzido em cerca de 60%. Cerca de um em cada quatro habitantes possuía ações. Mais de 600 mil empregos passaram do setor público para o privado.»
Thatcher pode também receber grande parte do crédito pelos 3,32 milhões de novos empregos criados no Reino Unido entre março de 1983 e março de 1990. Em 1976, o Reino Unido estava à beira da bancarrota; em 1978, o défice orçamental do país foi de 4,4% do produto nacional bruto (em comparação com 2,4% na Alemanha). Dez anos depois, em 1989, o Reino Unido registou um excedente orçamental de 1,6%. A dívida pública, que era de 54,6% do PIB em 1980, caiu para 40,1% em 1989.
Rainer Zitelmann é doutorado em história e em sociologia e é autor de diversos livros, traduzidos em mais de 30 países, entre os quais O Capitalismo Não é o Problema, é a Solução, cujo capítulo 5 aborda em maior detalhe o legado de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Zitelmann é também autor do livro Em Defesa do Capitalismo: Um Antídoto para os Mitos Anticapitalistas, publicado pelo Instituto Mais Liberdade e disponível gratuitamente na nossa Biblioteca.
Tradução e adaptação: Pedro Almeida Jorge.
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