Mais Liberdade
  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Instagram
  • Linkedin

Dos Primeiros Princípios do Governo

David Hume

Filosofia Política, Direito e Instituições, Autoritarismo e Totalitarismo, Governo, Finanças Públicas e Tributação, Sociologia, Excertos e Ensaios

Português

Aos olhos daqueles que estudam de maneira filosófica os problemas humanos, nada parece mais surpreendente do que a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos, assim como a implícita submissão com que os homens abdicam dos seus próprios sentimentos e paixões em favor dos seus governantes. Se investigarmos através de que meios se consegue este prodígio, verificaremos que, como a força está sempre do lado dos governados, os governantes apoiam-se unicamente na opinião. O governo assenta, portanto, apenas na opinião; e esta máxima aplica-se tanto aos governos mais despóticos e militares como aos mais livres e populares.

(...)

A opinião pode ser de duas espécies, a saber, a opinião de interesse e a opinião de direito. Por opinião de interesse entendo sobretudo o sentido dos benefícios gerais que derivam do governo, juntamente com a convicção de que aquele governo que está efectivamente estabelecido é tão vantajoso como qualquer outro que facilmente pudesse ser instituído. O governo adquire sempre grande segurança quando é esta a opinião dominante num Estado, ou entre aqueles que detêm a força nas mãos.

O direito pode ser de duas espécies, o direito ao poder e o direito à propriedade. Facilmente se pode constatar a preponderância, entre os homens, da opinião da primeira espécie, observando a dedicação de todos os povos aos seus antigos governos, e mesmo àqueles nomes que receberam a consagração da antiguidade. A antiguidade sempre dá origem à opinião de direito e, por mais desfavorável que seja o conceito em que temos os homens, a verdade é que eles sempre se mostram prontos a sacrificar vida e fortuna para a manutenção da justiça pública. Não há, sem dúvida, outro caso em que à primeira vista possamos encontrar, na conformação do espírito humano, maior contradição do que esta. Quando um homem pertence a um partido, é capaz, sem vergonha ou remorso, de desprezar todos os liames da honra e da moral para servir à sua facção; apesar disso, quando um partido se constitui com base num ponto de direito ou de princípio, nenhuma outra circunstância permite aos homens dar mostras de maior firmeza e mais sólido sentido da justiça e da equidade. É a mesma predisposição social dos homens que dá origem a estas manifestações contraditórias.

É evidente que a opinião de direito à propriedade é da maior importância em todas as questões relacionadas com o governo. Um autor famoso fez da propriedade o fundamento de todos os governos, e a maior parte dos nossos autores políticos parece tender para concordar com ele quanto a esse ponto. Isso é levar as coisas longe de mais; todavia, é forçoso reconhecer que a opinião de direito à propriedade exerce grande influência nesta questão.

É portanto nestas três opiniões, de interesse público, de direito ao poder e de direito à propriedade, que têm o seu fundamento todos os governos e toda a autoridade dos poucos sobre os muitos. É certo que há outros princípios, que conferem a estes uma maior força, e determinam, limitam ou alteram a sua influência, como, por exemplo, o interesse pessoal, o medo e a afeição; podemos contudo afirmar que estes outros princípios são incapazes de por si sós exercer qualquer influência, e pressupõem uma influência anterior das opiniões acima referidas. Devem, portanto, ser considerados princípios secundários do governo e não os seus princípios originais.

Porque, primeiro, quanto ao interesse pessoal, entendido aqui no sentido de uma expectativa de recompensas particulares, o que é diferente da protecção geral que recebemos do governo, é evidente que é necessário a autoridade do magistrado estar estabelecida, ou pelos menos ser esperada, antes de poder surgir essa expectativa. A perspectiva de recompensas pode aumentar a sua autoridade em relação a algumas pessoas em particular, mas em relação ao público nunca lhe pode dar origem. Os homens esperam naturalmente receber dos seus amigos e conhecidos os maiores favores; portanto, as esperanças de qualquer número importante de súbditos jamais se concentrariam em qualquer grupo em especial, se os membros deste não possuíssem qualquer outro título à magistratura e uma outra influência sobre as opiniões dos homens. Esta mesma observação pode também aplicar-se aos outros dois princípios, o medo e a afeição. Não haveria razão para alguém ter medo da fúria de um tirano, se a autoridade deste proviesse apenas do medo; porque, sendo ele um único homem, a sua força corpórea tem alcance muito restrito, e todo o restante poder que possui deve assentar na nossa opinião, ou na suposta opinião de outros. Por outro lado, embora a afeição pela sabedoria e virtude de um soberano tenha grande importância e exerça forte influência, mesmo assim é necessário que anteriormente se considere estar ele investido de uma dignidade pública, caso contrário a estima pública não lhe trará vantagem alguma, nem tampouco a sua virtude exercerá qualquer influência para além de um círculo restrito.

Excertos do Cap. IV da Parte I dos Ensaios Morais, Políticos e Literários (1758) do filósofo escocês David Hume (1711-1776), aqui em tradução de João Paulo Monteiro, publicada pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda em 2002.

Seleção de excertos: Pedro Almeida Jorge.

Colaboração na edição: Joana Carneiro.

Instituto +Liberdade

Em defesa da democracia-liberal.

  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Instagram
  • Linkedin

info@maisliberdade.pt
+351 936 626 166

© Copyright 2021-2024 Instituto Mais Liberdade - Todos os direitos reservados

Este website utiliza cookies no seu funcionamento

Estas incluem cookies essenciais ao funcionamento do site, bem como outras que são usadas para finalidades estatísticas anónimas.
Pode escolher que categorias pretende permitir.

Este website utiliza cookies no seu funcionamento

Estas incluem cookies essenciais ao funcionamento do site, bem como outras que são usadas para finalidades estatísticas anónimas.
Pode escolher que categorias pretende permitir.

Your cookie preferences have been saved.