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Régie, Monopólio, Liberdade

Fernando Pessoa

Excertos e Ensaios, Economia, Intervencionismo e Protecionismo, Empreendedorismo, Concorrência e Regulação, Liberalismo e Capitalismo, Autores Portugueses

Português

A questão chamada dos tabacos veio trazer de novo à superfície o problema batido e debatido de se se deve preferir o sistema de administração de Estado (que no caso particular dos tabacos é uso denominar régie), o sistema de monopólio privado ou o sistema de concorrência livre.

Evidentemente, em qualquer problema desta ordem há três pontos a considerar, ou três interesses — os do Estado, os do comércio ou indústria e os do consumidor. E todos os problemas particulares deste género se apresentam de diverso modo no que respeita a cada um desses interesses. Não é, porém, nosso intuito — nem, dada a índole desta Revista, poderia ser — o tratar particularmente do problema do regime dos tabacos em Portugal. O que pretendemos é servir-nos da oportunidade oferecida por ele, ou, melhor, pelo estado agudo dele, para estudar a questão na sua absoluta generalidade.

Limitar-nos-emos pois a estudar imparcialmente — ou tão imparcialmente quanto humanamente seja possível — as vantagens e as desvantagens dos três sistemas de administração comercial e industrial. Nada mais.

 

Considerada em si mesma, a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis para qualquer das três entidades com que essa administração implica. De todas as coisas “organizadas", é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas. E a razão é evidente. A sociologia é uma pseudociência, ou, pelo menos, uma protociência. Não há ciência social, ou, pelo menos, não a há por enquanto. Em matéria social há só opiniões, tão pouco definitivas e científicas como as que há em matéria artística ou literária. Desconhecemos por completo que leis regem as sociedades, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e como nasce, segundo que leis se desenvolve, porquê e de que modo se definha e morre. Ninguém ainda sequer definiu satisfatoriamente “sociedade”, “progresso” ou “civilização”. A humanidade tem-se entretido — desde a formação, na Grécia antiga, do espírito critico — a idear sistemas políticos e sociais “definitivos” em matéria tão flutuante e incerta como a vida, em assunto ainda tão fora da ciência como a sociedade.

É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem; é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe. Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e dos governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e leis, que julga sãos, com que se propõe salvá-la ou conservá-la.

A lei aparentemente mais justa, a lei mais de acordo com os nossos sentimentos de equidade, pode ser contrária a qualquer lei natural, pois pode bem ser que as leis naturais nada tenham com a nossa “justiça” e em nada se ajustem às nossas ideias do que é bom e justo. Por o que conhecemos da operação de algumas dessas leis — por exemplo, a da hereditariedade —, a Natureza parece frequentemente timbrar em ser injusta e tirânica. Ora não há certeza que a Natureza seja mais terna para a vida social do que para a vida individual. Ninguém ainda provou, por exemplo, que a abolição da escravatura fosse um bem social. Ninguém o provou, porque ninguém o pode provar. Quem nos diz que a escravatura não seja uma lei natural da vida das sociedades sãs? Ninguém o pode dizer, porque ninguém sabe quais são as leis naturais da vida das sociedades e essa pode portanto ser uma delas. A velha afirmação de Aristóteles — aliás tão pouco propenso a soluções “tirânicas” — de que a escravatura é um dos fundamentos da vida social, pode dizer-se que ainda está de pé. E ainda está de pé porque não há com que deitá-la abaixo. A essência do que em política se chama “conservantismo” nasce directamente desta nossa ignorância, consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas.

É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação das leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e no do nosso esforço.

Os riscos, e pois os prejuízos, da administração de Estado estão evidentemente na razão directa da extensão com que essa administração intervém na vida social espontânea. Máximos nos regimes reformadores, que pretendem organizar de novo uma coisa chamada “sociedade”, que não sabem o que é nem a que leis obedece, esses riscos e essa extensão baixam à medida que a administração de Estado se aproxima da estrita actividade fiscal e tributária que só ao Estado compete, porque só ao Estado pode competir. Mas não é a esta actividade própria e restrita que nos referimos quando examinamos a questão de administração de Estado; referimo-nos a essa administração em geral e, particularmente, à administração pelo Estado de comércios ou indústrias que podem não ser administrados por ele. Pelas razões já vistas, é evidente que, na proporção em que esses comércios ou indústrias forem importantes, e implicarem com a vida da sociedade ou da nação nessa mesma proporção será prejudicial a administração deles pelo Estado. E se essas indústrias ou comércios não tiverem importância nacional ou social, não há razão para que o Estado queira ocupar-se deles. Em qualquer dos casos, pois, a administração do Estado é um erro: num caso é inevitavelmente nociva, no outro francamente desnecessária.

 

Viciosa, assim, em sua própria essência, a administração de Estado sofre ainda a viciação proveniente de ser exercida por e através do tipo de indivíduo que em geral forma o funcionário público. Salvo para as carreiras militares — em que há abertas especiais para a ambição e para a energia —, nenhum homem de verdadeira energia e ambição entra para o serviço fixo do Estado. Não entra porque não há ali caminho para a energia, e muito menos para a ambição. O novelista americano Nathaniel Hawthorne marca isto com extraordinário relevo no prefácio do seu romance A Letra Encarnada. Formado, pois, de um conjunto de homens necessariamente inferiores nas suas qualidades de acção, o serviço público civil resulta universalmente incompetente e desleixado e, derivadamente em sociedades eivadas de qualquer vírus corruptor, mais corrupto que qualquer outro conjunto.

Estes elementos fixos, assim tão pouco aptos para o desempenho competente de qualquer função administrativa, ainda que subordinada, são dirigidos, nos estados modernos, por políticos profissionais, isto é, por indivíduos que subiram ao poder por circunstâncias várias, em que a competência administrativa não entra, nem tem que entrar. Aliás, quem tem uma notável competência administrativa emprega hoje a sua actividade em campos mais apropriados que a governação dos países. E se em quase todas as nações assim acontece, assim sobretudo sucede naquelas onde a instabilidade governativa é acentuada; nenhum administrador verdadeiro se sujeita a administrar com risco de descontinuidade e interrupção.

 

A administração de Estado só é admissível quando é inevitável, e só é inevitável num caso anormal, a guerra, e, ainda assim, só para certas indústrias ou comércios. Como porém, nas sociedades chamadas civilizadas, as actividades normais são todas de ordem pacífica, e a guerra, motivando a suspensão de actividades pacificas, implica a suspensão da própria essência do que constituiu uma sociedade civilizada, o facto de que o Estado só pode utilmente administrar um comércio ou uma indústria em tempo de guerra é mais um argumento contra o exercício normal pelo Estado desse comércio ou dessa indústria.

A administração pelo Estado de uma indústria ou de um comércio é prejudicial ao Estado, porque todo o comércio ou indústria mal administrado é prejudicial a si mesmo; e é prejudicial à indústria ou ao comércio particular, que por ela fica proibido. Só pode, em certos casos, beneficiar o consumidor; porque pode bem ser que o produto vendido o seja em condições anormalmente favoráveis. Há serviços de Estado em muitos países, que trabalham com deficit previsto para beneficiar o consumidor. Como, porém, esse consumidor é ao mesmo tempo contribuinte, o que o Estado lhe dá com a mão direita, terá fatalmente que tirar-lho com a esquerda. O consumidor é, no fim, quem paga o que deixa de pagar.

 

Seria ridículo e indesculpável que, depois destas considerações essenciais, gastássemos a paciência do leitor com o exame da mitologia de argumentos que se têm apresentado em defesa da “nacionalização”, ou administração de Estado. Nenhum desses argumentos, próprios em geral só para contos humorísticos ou discursos políticos, pode prevalecer contra as considerações orgânicas que apresentámos.

Sabemos bem, é certo, que administração de Estado não causa hoje o horror que causava no século que passou. Sabemos bem que está hoje em curso o ataque ao individualismo económico do século dezanove. Mas também sabemos que, assim como há modas no vestuário, assim as há nas ideias. Onde não há ciência, nada leva de vantagem a ideia de hoje sobre a ideia de ontem, porque não representa um acréscimo de conhecimentos. E em matéria social ainda não há ciência.

Os monopólios São de duas ordens — os monopólios artificiais e legais, isto é, concedidos pelo Estado, por lei ou contrato; e os monopólios naturais e espontâneos, isto é, formados, em liberdade de comércio ou indústria, pela concentração de empresas, ou pela absorção de umas por outras, ou de várias por uma só. Os chamados trusts são um caso flagrante deste último tipo de monopólio.

Trataremos agora dos monopólios legais — dos que o Estado concede ou autoriza por contrato ou lei. Dos monopólios espontâneos, como são produtos especiais da liberdade de comércio e de indústria, trataremos quando tratarmos desta.

 

O monopólio legal é ao mesmo tempo análogo à administração de Estado e diferente dela. Há, evidentemente, várias espécies e graus de monopólios legais, como, aliás, dos outros; e consoante essas espécies e esses graus, se acentuam ou se esbatem as analogias e as diferenças entre eles e a administração de Estado. Trataremos, porém, do assunto com o máximo possível de generalização. A administração de Estado tem característicos próprios, por ser de Estado; são os que já delineámos. Mas, à parte esses característicos, apresenta ela os que são comuns a todas as empresas que não têm que recear concorrência: a artificialidade económica, porque vivem uma vida económica claustral, separada dos contactos e choques com os fenómenos económicos gerais; a incúria técnica, porque estão economicamente garantidas; a tendência para o abuso, porque para o abuso tende instintivamente todo o homem, ou toda a instituição humana, logo que não exista um travão fácil, rápido e natural para os seus actos. E evidentemente por estes característicos que os monopólios — e sobretudo os legais, em que a garantia é absoluta — têm analogia com a administração de Estado.

 

A par destas analogias com a administração de Estado, apresentam os monopólios certas diferenças dela.

A primeira diferença consiste na especialização. Um monopólio comercial ou industrial é exercido por uma empresa exclusivamente comercial ou industrial; e como, em geral, a matéria de um monopólio é especial e importante, a empresa, que o detém, não se dedica ordinariamente a qualquer outro comércio ou indústria. O Estado, ao contrário, nem exerce tipicamente as funções comerciais ou industriais, nem pode exercer exclusivamente essas funções. Ora a especialização tende a atenuar, nos monopólios, a incúria técnica que a segurança económica neles estimula.

A segunda diferença consiste na temporaridade. Salvo em casos especiais — e como tais, em geral, postos explicitamente —as funções e actividades do Estado, e sobretudo as administrativas, têm um carácter de permanência, de perpetuidade. Os monopólios, ao contrário, têm um prazo; são concedidos por um certo, e determinado, tempo. A sua segurança económica sofre assim, porque a sofre no tempo, uma certa limitação; de absoluta torna-se relativa, e assim o seu principal efeito — a artificialidade económica — perde também o seu carácter absoluto, e em certo modo, e até certo ponto, se diminui e limita. Por outro lado, porém, a temporalidade dos monopólios agrava aquela “tendência para o abuso" a que já nos referimos. Todos tendem para abusar; e quem está em condições de poder fazê-lo fá-lo-á com mais certeza e violência se tiver um prazo marcado para a possibilidade desse abuso. Quanto menor for o prazo, maior tenderá a ser o abuso. Acresce que as empresas comerciais e industriais existem especialmente para auferir lucros, por meio de um serviço qualquer prestado ao público; quanto menor for o prazo que lhes é dado para auferir esses lucros, maiores lucros farão eles por auferir em cada ano desse prazo. A tendência humana para abusar atinge economicamente o seu máximo no regime de monopólio.

A terceira diferença consiste na separação das funções administrativas e fiscais. Na administração de Estado é o Estado o fiscal da sua própria administração. Ora isto é duplamente mau. É mau, em primeiro lugar, porque a fiscalização do Estado participa da imperfeição orgânica, (já por nós claramente exposta) dessa instituição necessária. É mau, em segundo lugar, porque ninguém — e sobretudo o Estado, entidade anónima e dispersa — é bom fiscal de si mesmo. Nos monopólios legais, porém, separam-se a administração e a fiscalização: a primeira fica no monopólio, a segunda fica no Estado. Um dos males, portanto, desaparece imediatamente. E, se a fiscalização do Estado não for de urna incompetência extraordinária, ou de uma corrupção extrema, de algum modo se poderá atenuar a tendência para o abuso, que, como vimos, é absolutamente orgânica nos monopólios.

 

Tratado assim, em sua essência e generalidade, o regime do monopólio legal, passamos a ocupar-nos do da liberdade de comércio ou indústria.

O regime de liberdade apresenta, a nosso ver, cinco característicos: três que são vantagens, dois que são desvantagens. É natural, estimula a profidência técnica, e tende a manter os preços no mínimo possível: estas são as vantagens. É essencialmente incoordenado e instável e, quando degenera, torna-se uma tirania pior que a de qualquer outro sistema: estas são as desvantagens.

O regime de liberdade é natural porque deixa as forças económicas — cuja natureza e leis desconhecemos — entregues a si mesmas; não as complicamos pois com a nossa intervenção ignorante, dificilmente benéfica — a não ser por acaso —, como toda a intervenção ignorante. O regime de liberdade, determinando e estimulando a concorrência, força cada concorrente a aperfeiçoar os seus serviços comerciais ou industriais, para levar vantagem aos outros. Sob outro aspecto, essa mesma concorrência conduz naturalmente cada concorrente a não elevar os seus preços para além dos dos outros, pois que seria o primeiro a perder com isso. Este aspecto da questão é trivial e conhecido.

O regime de liberdade é incoordenado porque é individualizante, e é instável porque é incoordenado. O regime de concorrência põe cada concorrente em oposição, não só a cada um dos outros, mas ao conjunto de todos os outros. A congregação ou coordenação de esforços adentro de cada indústria ou de cada comércio torna-se difícil e, na proporção em que se torna difícil, se torna difícil aquele especial aperfeiçoamento dessa indústria ou desse comércio que nasce de ele, ou de ela, tomar consciência plena de si mesmo, o que só pode fazer se os seus elementos componentes e representativos não se repelirem uns aos outros. Além disto, os problemas comerciais e industriais não surgem em abstracto, mas em relação a entidades sociais chamadas nações; e onde uma concorrência nacional se sobreponha a uma concorrência individual, a pulverização oriunda do regime livre deixa desprevenida uma indústria ou um comércio, e uma nação. Acresce, como indicámos, que o que é incoordenado é instável. A certos incidentes ou contingências económicas, que particularmente ou especialmente afectem um certo comércio ou uma certa indústria, esse comércio, ou essa indústria, só pode fazer face se tiver um conjunto, se puder formar um conjunto, com que lhes possa fazer face. E, como os incidentes e contingências económicas são, como todos os fenómenos sociais, complexos e compostos de elementos vários, um conjunto inorgânico é instabilizado imediatamente pelo embate deles, e os elementos incoordenados, que compõem esse conjunto, agitados em sentidos diferentes pelas forças diferentes de que cada incidente ou contingência se compõe.

Mas, se a incoordenação social da liberdade económica é um defeito, maior, socialmente, é o defeito que nasce de essa liberdade se coordenar. Como o regime de liberdade económica é essencialmente incoordenado, a coordenação só se forma nele por uma degenerescência do seu princípio basilar. Essa coordenação, ou essa degenerescência, dá-se de uma de duas maneiras — a formação de monopólios espontâneos, ou a sindicação. Ambos estes sistemas nascem do regime da liberdade; ambos, uma vez nascidos, o passam a aluir nos seus fundamentos. Foi por isso que aludimos a estes sistemas como “a degenerescência” do regime de liberdade. Quem não sai aos seus, degenera...

O monopólio espontâneo, ou natural, de que os chamados trusts são o exemplo típico, forma-se por agrupamento de empresas, ou por absorção de umas por outras ou várias por uma só. O monopólio espontâneo apresenta os característicos que já indicámos como os do monopólio legal, porém com duas formidáveis excepções: como é natural, e nasce do próprio jogo das forças económicas, tem a força orgânica, a brutalidade íntima, de qualquer força da natureza; como não é legal, não está sujeito a fiscalização, boa ou má, de espécie alguma. Desaba sobre a sociedade como uma tempestade ou um cataclismo, e os governos, não hão-de deixá-lo esmagá-la ou, se o quiserem combater, hão-de colocar-se em situação falsa, pois, não havendo nele nada de ilegal, terão, para o combater, que sair, eles, da legalidade.

A sindicação, saída da liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo, com mais segurança. Um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória. Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam) mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e profissionalmente, um mito. Mais incisivamente ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de classe. No caso especial da sindicação na indústria e no comércio, o resultado é desaparecerem todas as vantagens da concorrência livre, sem se adquirir qualquer espécie de coordenação útil ou benéfica. O carácter natural do regime livre atenua-se, porque surge em meio dele este elemento estranho e essencialmente oposto à liberdade. A vantagem pública da não elevação desnecessária de preços desaparece por completo, pois, por haver sindicato, é fácil a combinação e a “frente-única" contra o público e, por esse sindicato ser tirânico, é fácil compelir à aceitação de novas tabelas os profissionais pouco dispostos a aceitá-las.

Quanto ao aperfeiçoamento dos serviços comerciais ou industriais, que a concorrência estimula o sindicato diminui-o na própria proporção em que diminui o espírito de concorrência e, como nunca é dirigido por grandes profissionais, mas por políticos de dentro da profissão, pouco pode animar directamente a técnica da indústria ou do comércio que representa. Nem resulta da acção do sindicato qualquer coordenação útil que compense estas desvantagens todas. Não tendo uma verdadeira base de liberdade, o sindicato não coordena a classe como indivíduos; não tendo nunca uma direcção profissionalmente superior, o sindicato não coordena a classe como profissionais; não tendo outro fim senão o profissional e o económico, o sindicato não coordena a classe como cidadãos.

 

Expusemos sucessivamente, analisando-os, o que são, em suas operações económicas e sociais, os regimes de administração de Estado, de monopólio e de liberdade de comércio e indústria. Fizemos o possível para expor imparcialmente as vantagens e desvantagens inerentes a cada um, ou às formas que cada um pode assumir. Repetimos, porém; que essas vantagens e desvantagens são as que pertencem à própria essência e generalidade de cada sistema. Quanto às vantagens e desvantagens da aplicação de cada um a este ou àquele caso particular, depende do caso particular. E nós não nos dispusemos a estudar caso particular nenhum.

Originalmente publicado in Revista de Comércio e Contabilidade, nº 2 e 3. Lisboa: 25-2-1926 e 25-3-1926.

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