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2023-12-10

Por Rainer Zitelmann

A eleição de Javier Milei e a mudança de mentalidades na Argentina

No dia em que o economista libertário Javier Milei toma posse como Presidente da Argentina, o historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann, autor do livro Em Defesa do Capitalismo: um Antídoto para os Mitos Anticapitalistas, publicado pelo Instituto Mais Liberdade, traça um diagnóstico sociológico das opiniões dos argentinos a respeito da liberdade económica e explica as razões históricas para tamanha mudança de mentalidades, em especial junto da população mais jovem.

 

 

Javier Milei foi recentemente eleito presidente da Argentina com um resultado que muitas pessoas não esperavam, ao obter 55,95% dos votos, em comparação com os 44% do seu adversário de esquerda, o ministro da economia cessante Sérgio Massa.

Esta é a primeira vez que um autointitulado “anarcocapitalista” é eleito presidente de um país, embora as opiniões de Milei tenham muito em comum com as de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, que implementaram políticas baseadas em cortes fiscais, privatizações e desregulamentação nos EUA e no Reino Unido durante a década de 1980.

Para mim, a vitória eleitoral de Milei não foi uma surpresa. Nos últimos dois anos, pude estudar o movimento libertário em 30 países diferentes, mas jamais encontrei um movimento libertário tão forte como na Argentina. Ouvi falar de Milei pela primeira vez quando ele disse, numa entrevista, que estava a ler a edição espanhola do meu livro O Poder do Capitalismo. No ano passado, estive na Argentina e falei com representantes do seu movimento.

Normalmente, quando um país enfrenta uma crise severa, muitas pessoas tendem a inclinar-se para a extrema-esquerda ou para a extrema-direita do espectro político. No entanto, na Argentina, são os libertários o farol de esperança, especialmente para os mais jovens. Logo na primeira volta, a maioria dos eleitores com menos de 30 anos votou em Milei, contribuindo, então, para os seus 30% globais.

As eleições decorreram envoltas numa dramática crise económica, sendo a taxa de inflação da Argentina, superior a 100%, uma das mais altas do mundo. Não há, provavelmente, país no mundo que se tenha despenhado tão dramaticamente nos últimos 100 anos como a Argentina. No início do século XX, o rendimento per capita da sua população estava entre os mais altos do mundo. A expressão “riche comme un argentin” – rico como um argentino – era frequentemente utilizada nessa altura.

A nível económico, a história da Argentina é uma história de inflação, hiperinflação, bancarrotas estatais e empobrecimento. O país passou por nove bancarrotas na sua história, a mais recente das quais em 2020. A inflação tem, invariavelmente, sido de dois dígitos, desde 1945 (exceto nos anos 90).

Delapidada por políticas estatistas durante décadas, a Argentina é hoje um dos países do mundo com menos liberdade económica. No Índice de Liberdade Económica de 2023,da Heritage Foundation, a Argentina ocupa o 144.° lugar,  entre 176 países – e, mesmo na América Latina, somente alguns países (em especial, a Venezuela) são menos livres economicamente do que a Argentina. Em comparação, o Uruguai está em 27.º lugar, e o Chile, apesar de ter descido algumas posições desde que o socialista Gabriel Boric chegou ao poder, é ainda o 22.º país com mais liberdade económica do mundo (Portugal é o 30.º).

Porém, muitos argentinos têm vindo a desistir do peronismo de esquerda e do estatismo que domina o país há décadas. Num inquérito que levei a cabo no ano passado, a Argentina encontrava-se entre os países em que as pessoas eram mais favoráveis à economia de mercado. Entre 12 e 20 de Abril de 2022, o instituto de Estudos de Opinião Ipsos MORI, por mim contratado, entrevistou uma amostra representativa de 1000 argentinos a respeito das suas atitudes em relação à economia de mercado e ao capitalismo.

Em primeiro lugar, quisemos descobrir o que os argentinos pensavam acerca da economia de mercado. Apresentámos aos inquiridos seis afirmações a respeito da economia de mercado nas quais a palavra “capitalismo” não constava. O resultado foi que as afirmações a favor de uma influência mais forte do estado na economia tiveram a aprovação de apenas 19% dos inquiridos, em comparação com os 24% que favoreceram mais liberdade de mercado. Na Argentina, a afirmação de que “Num bom sistema económico, penso que o Estado só deve possuir propriedade em certas áreas; a maior parte da propriedade deve ser propriedade privada” obteve o nível mais elevado de aprovação. E a afirmação de que “A justiça social é mais importante num sistema económico do que a liberdade económica” foi a menos escolhida. O inquérito foi igualmente levado a cabo em mais 33 países da Europa (incluindo Portugal), Ásia, Estados Unidos, África e América Latina. O resultado foi que só em 5 dos 34 países (Polónia, Estados Unidos, República Checa, Coreia do Sul e Japão) a aprovação da economia de mercado se revelou mais elevada do que na Argentina (veja-se a figura 1 do meu recente artigo na revista Economic Affairs, ou a figura 13.1 do meu livro Em Defesa do Capitalismo).

Adicionalmente, foram apresentados a todos os inquiridos 10 termos ­– positivos e negativos – e foi-lhes pedido que escolhessem quais é que associavam à palavra “capitalismo”, para além de 18 outras afirmações a respeito do capitalismo. O nível de aprovação do capitalismo não foi tão elevado quanto o demonstrado no primeiro conjunto de questões a respeito da economia de mercado, nas quais a palavra “capitalismo” não aparecia. Mas mesmo quando a palavra “capitalismo” foi mencionada, o nosso inquérito revelou que em apenas 7 dos 34 países a imagem que as pessoas têm do capitalismo é mais favorável do que na Argentina.

Com efeito, a Argentina é também exemplo do importante papel desempenhado pela sociedade civil na mudança de mentalidades, a qual subsequentemente possibilita as mudanças políticas. Já tive contacto com organizações e think tanks libertários de 30 países diferentes, e raramente se revelaram tão ativos como os da Argentina, que incluem, por exemplo, a Fundación Libertad ou a Fundación Federalismo y Libertad.

Isto ajuda a explicar porque é que um assumido admirador do capitalismo como Javier Milei, professor da tradição austríaca da economia, conseguiu vencer as eleições argentinas. Milei entrou em campanha eleitoral exigindo a abolição do banco central da Argentina e a livre concorrência de moedas, o que provavelmente levaria o dólar americano a tornar-se o meio de pagamento mais popular no país. Milei defendeu também a privatização de empresas estatais, a eliminação de numerosos subsídios e a abolição de 90% dos impostos, além de reformas radicais nas leis laborais. No setor da educação, o libertário argentino defende que o financiamento deverá passar a basear-se num sistema de vouchers, como proposto há décadas atrás por Milton Friedman.

Será interessante perceber se os argentinos têm a paciência necessária para as reformas capitalistas urgentemente anunciadas por Milei. Isto porque, onde quer que as reformas capitalistas tenham sido implementadas, a situação começou por se deteriorar antes de melhorar a olhos vistos. Isso acontece porque alguns dos problemas que anteriormente se encontram em parte camuflados (como o desemprego oculto e a inflação reprimida) de repente tornam-se evidentes.

Foi isso que aconteceu no caso das reformas de Margaret Thatcher no Reino Unido, de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Leszek Balcerowicz na Polónia. Todos eles admiravam os mesmos economistas por quem Milei nutre grande estima, como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises. As reformas desses três políticos do Reino Unido, Estados Unidos e Polónia melhoraram drasticamente a vida das pessoas nos seus países, mas somente após as condições terem, inicialmente, ficado ainda piores. Só nos resta esperar que a Argentina, que tem sido tão mal governada nos últimos 100 anos, consiga agora o recomeço que tanto merece.

Nota: Artigo originalmente publicado nos websites Townhall e The Article. Adaptação, tradução e narração de Pedro Almeida Jorge.

Os resultados do inquérito de Zitelmann realizado em Portugal podem ser encontrados na sua obra Em Defesa do Capitalismo: um Antídoto para os Mitos Anticapitalistas, publicada pelo Instituto +Liberdade em parceria com a Alêtheia Editores.

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