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2024-04-18

Por Juliano Ventura

Catalunha: mais um exemplo do fracasso das medidas de controlo de rendas

Controlo de rendas provoca uma queda de 13% na oferta de habitação para arrendar na Catalunha e um aumento de quase 5% nos preços.

A experiência não é nova e os resultados também não. As experiências de controlo de rendas para tentar baixar os preços da habitação têm resultado, invariavelmente, no efeito contrário: menos habitação, mais mercado informal e preços a continuar a aumentar.

A escalada dos preços da habitação tem afetado vários países nos últimos anos. Essa evolução, que impacta dramaticamente a vida das pessoas, sobretudo das classes de rendimento médio-baixo nos grandes aglomerados urbanos, não é, por isso, exclusiva de Portugal. Os governos nacionais, regionais e locais têm envidado esforços para tentar esbater este problema. No entanto, em muitos casos, a intervenção governamental tem contribuído apenas para o agravamento da situação. Espanha, mais concretamente a região da Catalunha, é um bom exemplo disso mesmo.

A 16 de março deste ano, Espanha iniciou a implementação da Ley de Vivienda (Lei da Habitação) aprovada em 2023 para, entre outros aspetos, conter o aumento dos preços das rendas. Este sistema introduziu um índice de preços de referência, estabelecido pelo Governo Central, com o objetivo de regular ou limitar os valores das rendas em áreas consideradas "zonas de tensão".

Relativamente aos novos contratos de arrendamento, no caso dos pequenos proprietários, se houve um contrato de arrendamento nos últimos cinco anos, o valor da nova renda será semelhante ao valor atualizado da última renda do contrato anterior, enquanto que os grandes proprietários devem seguir o índice de preços de referência, a menos que a renda anterior, atualizada, seja menor que a renda resultante do índice de preços aplicado na zona. Caso não tenha havido contrato anterior nos últimos cinco anos, o índice de preços de referência será aplicado nessas “zonas de tensão”. O índice de preços é atualizado anualmente para refletir as mudanças nas condições do mercado e na inflação, sendo que em todos os contratos de arrendamento são impostos limites à atualização das rendas.

Por enquanto, esta nova legislação espanhola apenas entrou em vigor na Catalunha, a segunda maior região do país. A Generalitat da Catalunha identificou 140 municípios como "zonas de tensão", incluindo a capital Barcelona, mas também Tarragona, Lleida e Girona, bem como as principais cidades da Área Metropolitana de Barcelona. Passado um mês da implementação desta nova legislação, um estudo do portal Idealista, divulgado pelo diário espanhol El Economista, apresenta os dados sobre o primeiro impacto. E não são animadores, embora também não sejam surpreendentes.

O estudo demonstra que houve uma queda de 13% no stock de imóveis disponíveis para arrendamento na Catalunha. Essa redução verificou-se em todas as regiões, com Barcelona (-14%), Tarragona (-10%) e Girona (-7%) a serem as mais afetadas. Se a oferta de imóveis para arrendamento no mercado diminui, o impacto no valor das rendas é óbvio e foi imediato. Houve uma subida considerável do valor das rendas na Catalunha (+4,3%), com Girona (+6,4%) a liderar os aumentos, seguida de Barcelona (+5%) e Tarragona (+0,4%). Em Lleida, os preços caíram ligeiramente (-0,8%).

Os efeitos da fixação ou limitação do valor das rendas estão bem documentados e não deveriam surpreender ninguém. Quando os preços são artificialmente limitados, há um desincentivo para que os proprietários coloquem os seus imóveis para arrendar ou para que haja construção para arrendamento, conduzindo naturalmente à diminuição da oferta de habitações disponíveis no mercado. Por um lado, isto acontece porque a limitação artificial dos preços pode diminuir a rentabilidade do investimento do proprietário, fazendo com que este procure outras formas de investimento que ofereçam maior retorno financeiro. A fixação de preços dificulta também a atualização dos valores das rendas para acompanhar as tendências de mercado ou os custos de manutenção dos imóveis, diminuindo também por essa via o interesse dos proprietários em arrendar as suas habitações. Por outro lado, a implementação de medidas de fixação de preços gera incerteza e instabilidade no mercado imobiliário, diminuindo a confiança necessária ao investimento em novos imóveis para arrendar.

A fixação de preços interfere também no funcionamento natural do mercado imobiliário, onde a oferta e a procura determinam os preços. Isso pode levar a distorções, como a formação de mercados negros ou a proliferação de contratos informais. Existe também um potencial impacto negativo na qualidade dos imóveis. Os proprietários reduzem os seus investimentos na manutenção e na melhoria dos imóveis se os preços forem limitados, o que pode levar à deterioração da qualidade das habitações disponíveis. Por último, a efetiva implementação e fiscalização da limitação de rendas pode ser complexa e onerosa, exigindo recursos significativos do Estado. Além disso, há um enorme nível de subjetividade na definição de preços justos e adequados para diferentes tipos de imóveis e localizações. Qual é o preço justo para um T2 no centro de Barcelona? Se o funcionamento do mercado está limitado e não nos dá essa resposta através do confronto entre a oferta e a procura, como é que definimos esse preço justo? Será sempre a decisão de um burocrata.

Para Francisco Iñareta, porta-voz do Idealista, "a aplicação das políticas da Lei da Habitação, nomeadamente o controlo dos preços, só agrava a situação já desesperada de milhares de famílias catalãs, que verão aumentar a dificuldade e a concorrência no acesso à habitação nos próximos meses. É inegável que a origem do problema do arrendamento em Espanha reside na oferta muito limitada disponível, razão pela qual é essencial uma mudança de rumo para reequilibrar as relações entre inquilinos e proprietários, tomando como princípio que os proprietários não são o problema, mas sim a solução para o aumento da oferta e o ajustamento dos preços."

Noutra perspetiva, o que se está a passar na Catalunha apenas reforça a aprendizagem acumulada de muitos outros exemplos passados da aplicação deste tipo de medidas, com resultados recorrentemente decepcionantes e contrários às intenções. Este fenómeno já foi detalhadamente explicado há quase 80 anos pelos economistas americanos Milton Friedman e George Stigler, no seu didático ensaio Roofs or Ceilings? The Current Housing Problem, disponível em português na biblioteca do Instituto Mais Liberdade, com prefácio de Carlos Guimarães Pinto. Mas vejamos alguns outros exemplos.

A Finlândia implementou um sistema rígido de controlo do valor das rendas entre 1967 e o início dos anos 90, com o objetivo de garantir habitação digna e acessível à sua população. O sistema estabelecia limites máximos para os valores das rendas, que eram definidos pelo governo. Em resultado destas restrições, o número de habitações privadas para arrendar passou de 478 500 em 1970 para 271 465 em 1990. Em 1970, as casas no mercado de arrendamento privado correspondiam a 32,5% do stock total de habitação. Em 1990, eram apenas 12,3%. Claro que, depois de levantado o controlo de rendas, o valor real das rendas começou a aumentar, por forma a recuperar as perdas que tinha sofrido nos 20 anos anteriores. Mas, entre 1990 e 1995, o número de casas arrendadas subiu de 271 465 para 401 275. Oito anos depois, tinha novamente subido para 449 521, perto dos valores de 1970. Entre 1990 e 2003, as casas no mercado de arrendamento privado subiram de 12,3% do stock total de habitação para 17,3%.

Eis um exemplo ainda mais recente: em fevereiro de 2020, a cidade de Berlim, na Alemanha, implementou um modelo de controlo de rendas, estabelecendo limites máximos para os valores das rendas em zonas com muita procura. Esses limites foram fixados com base em valores de referência calculados a partir de contratos de arrendamento anteriores. Como se percebe, é um modelo bastante parecido ao que se implementou na Catalunha. O controlo de rendas na capital da Alemanha esteve em vigor até abril de 2021, quando o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha o declarou inconstitucional, e o impacto foi desastroso. De acordo com um estudo de Daniela Arlia, Mathias Dolls, Clemens Fuest, David Gstrein, Carla Krolage e Florian Neumeier para o IFO Institute, a oferta de imóveis para arrendamento em Berlim diminuiu até 60% devido ao controlo de rendas na cidade. "Logo que o controlo de rendas foi anunciado, a oferta de apartamentos para arrendamento em Berlim caiu a pique", afirma Mathias Dolls, um dos autores do estudo e diretor-adjunto do IFO Institute.

A procura por habitação tornou-se um inferno em Berlim. Quem conseguiu acesso à escassa habitação, durante esse período nas zonas protegidas, conseguiu preços mais acessíveis, mas quem não teve essa sorte teve de pagar mais do que seria expectável fora das zonas protegidas, arrendar no mercado negro ou até mesmo desistir da ideia de habitar em Berlim. O controlo de rendas dividiu o mercado de arrendamento. Os preços das rendas em Berlim aumentaram, em média, menos 11 pontos percentuais por trimestre do que noutras grandes cidades alemãs, mas as rendas dos apartamentos não regulados aumentaram, em média, mais 5 pontos percentuais do que noutras grandes cidades alemãs. Para além disso, a rigidez da lei fomentou o mercado negro de arrendamento, com preços mais altos e menos proteção para os inquilinos.

André Pinção Lucas, diretor executivo do Instituto Mais Liberdade e um dos autores do livro Trancas à Porta: Desfazendo mitos sobre a crise da habitação, publicado em 2023 em parceria com a editora Alêtheia, refere que, “mais uma vez, verifica-se que as políticas públicas tendem a menosprezar a racionalidade dos agentes de mercado. Na Finlândia, em Berlim, ou na Catalunha, o controlo de rendas gerou um incentivo perverso para se desinvestir no setor e, no final, os destinatários que a medida pretendia proteger foram precisamente aqueles que foram mais negativamente afetados pela suposta bondade da medida: os inquilinos.” Acrescenta ainda que “apesar de ser uma medida popularmente bem aceite – e talvez por isso é tantas vezes prometida – as evidências são claras, pelo que uma experiência similar em Portugal conduzirá inevitavelmente a consequências equivalentes”.

O que se está a assistir na Catalunha é apenas mais um exemplo do fracasso das medidas de controlo de rendas. Surpreendente é que esse tipo de soluções ainda seja ponderado. A solução para este grave problema, que afeta grande parte dos países europeus (Portugal incluído), passa obrigatoriamente pelo aumento da oferta, não pela limitação de preços. É a lei da procura e da oferta. Quando a procura de um bem aumenta e a sua oferta permanece constante ou aumenta a um ritmo inferior, o preço desse bem tende a aumentar. O limite de preços acaba por piorar a situação, porque contribui para a redução da oferta no mercado.

Para o caso português, o livro Trancas à Porta, que também tem como autores Carlos Guimarães Pinto, Filipa Osório e eu próprio, aponta alguns caminhos para melhorar a acessibilidade das rendas, mas alerta que não existe uma fórmula mágica e que “seriam necessários anos consecutivos de boas leis, justiça mais célere e ausência de intervenção no valor das rendas para que proprietários e investidores voltassem a ganhar confiança no mercado de arrendamento em Portugal, aumentando o número de casas disponíveis para arrendar.”

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