2024-01-01
Por Juan Ramón Rallo
A economista americana Claudia Goldin recebeu o Prémio Nobel da Economia de 2023 "por ter melhorado a nossa compreensão sobre o desempenho das mulheres no mercado de trabalho". Neste artigo, o economista espanhol Juan Ramón Rallo descreve a evolução da participação laboral das mulheres com base nas contribuições científicas de Goldin.
Claudia Goldin recebeu o Prémio Nobel da Economia de 2023 por construir e verificar um enquadramento teórico (e uma narrativa económica) que permite interpretar e compreender uma das transformações sociais mais notáveis de todo o século XX: a participação da mulher no mercado de trabalho. Será possível explicar economicamente porque é que a participação laboral da mulher era deveras reduzida há um século atrás e porque é que nos últimos cem anos a quantidade e qualidade da força laboral feminina tem aumentado? Sim, é possível explicá-lo através da oferta e da procura, as quais também incluem (ao contrário do que muitas vezes – e erradamente – se pensa) os fatores sociais, institucionais e culturais. A este respeito, Goldin distingue quatro etapas ao longo do século XX.
Na primeira, até aproximadamente 1930, a taxa de participação da mulher era bastante baixa (cerca de 10% do total da população em idade ativa) e muito rígida perante aumentos salariais: a oferta laboral feminina era composta essencialmente por mulheres jovens e solteiras que abandonavam o mercado laboral quando contraíam matrimónio. As mulheres assalariadas eram socialmente malvistas, porque a maioria dos empregos eram perigosos, sujos, repetitivos e acarretavam longos dias de trabalho. De facto, nos países anglo-saxónicos, existiam inclusivamente as chamadas «barreiras matrimoniais», que levavam à rescisão automática do contrato de trabalho quando uma mulher se casava. Por essa razão, mesmo quando os salários cresciam, a taxa de atividade feminina não aumentava consideravelmente: os salários mais altos do marido desincentivavam um maior trabalho da esposa.
Numa segunda etapa, até ao final da Segunda Guerra Mundial, houve uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho: as proibições legais à contratação de mulheres casadas foram desaparecendo, a expansão do setor dos serviços levou ao aparecimento de novos postos de trabalho (a tempo parcial, menos perigosos e mais limpos, como o trabalho de escritório), o que dignificou socialmente o emprego feminino, e, por último, algumas tecnologias do lar (como a máquina de lavar roupa ou o frigorífico) reduziram a carga de trabalho doméstico da mulher e, portanto, facilitaram a sua inserção (a tempo parcial) no mercado de trabalho. Ou seja, a elasticidade de oferta de trabalho feminino relativamente ao salário foi aumentando, embora não o suficiente para que a taxa de participação da mulher superasse os 25%.
Na terceira etapa, que de certo modo é uma etapa de transição e que se estende até finais dos anos 70, as tendências anteriores continuam a aprofundar-se: há uma maior penetração da mulher no mercado de trabalho, uma maior dignificação social do trabalho feminino e mais opções de trabalho a tempo parcial. No entanto, acima de tudo, a grande transformação laboral que ocorre nesta época, mais do que a normalização do trabalho das mulheres antes do casamento, ou em algumas situações depois do casamento, foi o tornar-se habitual que uma mulher tivesse a sua própria carreira profissional ao longo de toda a sua vida laboral. É verdade que se tratava de uma carreira profissional que, nesta etapa, continuava a ser secundária e subordinada à do marido; mas, em todo o caso, ao generalizarem-se as carreiras femininas prolongadas, as expectativas das mulheres jovens mudaram. Se uma pessoa vai trabalhar durante 30 ou 40 anos, começa a fazer sentido investir intensivamente na própria educação (pois o investimento é muitíssimo mais amortizado e rentabilizado).
É assim que entramos na quarta etapa, em que a taxa de atividade feminina é muito similar à masculina, bem como a sua formação e os seus salários. Esta quarta etapa foi, além disso, auxiliada por uma inovação farmacêutica – a pílula contracetiva (este é um dos estudos mais populares de Goldin): ao ajudar as mulheres a decidir quando ficar grávidas, estas podiam evitar engravidar antes de completar os estudos universitários, levando a que o custo do seu investimento em capital humano também reduzisse bastante.
Note-se que foi assinalado que, nesta quarta etapa, o salário (por hora) das mulheres é essencialmente o mesmo que o dos homens. Também aqui Goldin tem bastante a dizer. Acontece que, depois de se ajustar o salário por hora de homens e mulheres em função do nível de formação, do grau de responsabilidade, do setor económico ou do tamanho da empresa, continua a haver uma diferença positiva (a favor dos homens) que era difícil de explicar. De acordo com Goldin, esta diferença deve-se à procura de maior flexibilidade laboral por parte das mulheres: em certos empregos (como o setor financeiro ou jurídico), o salário por hora cresce com o número de horas de trabalho e com a disponibilidade para trabalhar em qualquer momento do dia (o salário num trabalho de cinco horas não tem de ser metade do salário desse mesmo trabalho num período de dez horas). Na medida em que as mulheres exigem empregos com dias de trabalho flexíveis, o seu salário por hora pode ser inferior ao dos homens: não por serem homens e mulheres, mas sim porque cada um deles procura empregos com diferentes graus de flexibilidade (daí também deriva toda a literatura sobre «child penalty», ou seja, o impacto negativo que dar à luz tem nos salários das mulheres). Como resolver este problema? Ou adaptando as empresas para que possam tornar-se mais flexíveis sem quebras de produtividade, ou aumentando a procura de flexibilidade dos homens ou reduzindo a procura de flexibilidade das mulheres (esta última opção poderia conseguir-se, por exemplo, através de uma maior repartição das responsabilidades familiares).
Em conclusão, Goldin recebeu o Nobel por reinterpretar solidamente a história económica do mercado de trabalho do século XX: por nos ajudar a entender, a partir da lógica económica, porque é que a inserção laboral da mulher se deu tão tardiamente, a que é que se deveram (e a que é que não se deveram) as profundas mudanças laborais ao longo do século e porque é que tem existido uma disparidade salarial que não está relacionada com discriminação empresarial contra a mulher.
Artigo originalmente publicado no jornal El Confidencial. Recomenda-se também a visualização do vídeo de Rallo sobre este tema.
Tradução: Ana Laura Amado. Revisão: Pedro Almeida Jorge. Narração: Carolina Marçal.
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