

2025-07-30
Por Maria Palmeiro Ribeiro, Juliano Ventura
Debater políticas públicas olhando apenas para dentro e para os problemas específicos de Portugal conduz frequentemente a discussões reféns de agendas ideológicas ou detalhes secundários, resultando em debates pouco consequentes e sem ímpeto reformista e ambicioso.
Nesta série de artigos "Políticas Liberais em Ação", propomos olhar além-fronteiras, através de artigos curtos, identificando casos concretos e bem-sucedidos de inspiração liberal implementados por outros países europeus. De forma sucinta, explicamos e analisamos cada caso. O objetivo? Trazer inspiração prática para transformar positivamente a realidade portuguesa.
Em Portugal, a burocracia continua a ser uma barreira ao acesso rápido e eficiente a serviços públicos. Desde processos administrativos morosos até à duplicação constante de documentos, a administração pública portuguesa ainda depende em larga medida de procedimentos em papel, com sistemas muitas vezes desarticulados entre si. Neste contexto, o exemplo da Estónia revela como a modernização digital pode transformar radicalmente o funcionamento do Estado, eliminando ineficiências. Com uma digitalização profunda da administração pública, a Estónia tornou-se uma referência mundial em governo digital, construindo um Estado mais leve, acessível e centrado no cidadão. Uma transformação de sucesso, que tem sido sinónimo de eficiência, transparência e liberdade.
O Exemplo Estónio: Uma Administração Pública Totalmente Digital
A transformação digital na Estónia assenta num modelo integrado e interoperável e no princípio "once only", segundo o qual o Estado não pode pedir ao cidadão a mesma informação duas vezes: se um dado já foi fornecido a um organismo público, fica automaticamente disponível para os restantes. O elemento-chave desta interoperabilidade é a plataforma X-Road, que permite a comunicação automatizada e encriptada entre sistemas públicos e privados. Graças a ela, as entidades do Estado trocam dados entre si de forma coordenada, evitando duplicações, reduzindo custos administrativos e eliminando burocracias desnecessárias.
Outro pilar fundamental é o cartão de identidade eletrónico, detido por todos os cidadãos, que funciona como chave para aceder aos serviços públicos online. Com ele, é possível declarar impostos em minutos, renovar a carta de condução, marcar consultas médicas ou até votar online nas eleições — algo que a Estónia disponibiliza desde 2005, sendo pioneira mundial neste campo. Além disso, o país foi também pioneiro no lançamento da e-Residency, um programa que permite a qualquer pessoa no mundo abrir e gerir uma empresa digitalmente, sem presença física no país. Este programa tem atraído milhares de empreendedores e freelancers internacionais, posicionando a Estónia como um hub digital global.
Atualmente, praticamente 100% dos serviços públicos estão disponíveis online 24/7 e quase todas as interações do cidadão com o Estado são digitais, resultado de mais de duas décadas de uma estratégia nacional com impacto direto na competitividade, no investimento e na qualidade de vida dos cidadãos. [1]
O que torna esta política liberal?
A digitalização da administração pública na Estónia é um exemplo liberal porque reduz a intervenção direta e o peso do Estado na vida do cidadão, reduzindo burocracias e promovendo a transparência. Ao tornar a administração pública mais eficiente e desburocratizada, esta política reforça a responsabilidade dos cidadãos e do Estado, limitando o peso estatal excessivo. Este modelo promove também a liberdade individual ao permitir que os cidadãos administrem as suas relações com o Estado de forma autónoma e rápida. Por outro lado, o facto desta estratégia promover o empreendedorismo e a competitividade, nomedamente através do e-Residency, é uma forma clara de atrair investimento e de estimular os mercados e a iniciativa individual.
Resultados Visíveis: Eficiência, Transparência e Liberdade
Os dados falam por si. Em 2024, 88% da população da Estónia utilizava regularmente os serviços digitais do Estado, face a apenas 76% em Portugal [2]. No mesmo ano, a Estónia ocupava o 2.º lugar mundial no Índice de Desenvolvimento de Governo Digital (EGDI), com uma pontuação de 0,9727 em 1. Portugal, por sua vez, surgia na 49.ª posição com 0,8415 [3].
A utilização da assinatura digital está generalizada e mais de metade dos eleitores vota online, uma funcionalidade ainda inexistente em Portugal. A digitalização dos serviços públicos estonianos permite uma poupança estimada de 2% do PIB todos os anos, ao reduzir os encargos administrativos [4]. Para os cidadãos, o ganho é também concreto: estima-se uma poupança média de cinco dias por ano em burocracias evitadas [5].
Além da eficiência, a digitalização tem tambéem reforçado a transparência e contribuído para uma maior confiança da população nas instituições públicas. Em 2024, a Estónia registava um Índice de Perceção de Corrupção (CPI) de 76, colocando-se entre os 15 países melhor classificados. Portugal, com um índice de 57, ocupava a 43.ª posição [6]. No setor empresarial, o impacto é igualmente claro: 99% dos serviços públicos para empresas são acessíveis online, face a 82% em Portugal [7].

Adaptação ao Contexto Português
Portugal tem dado passos importantes na digitalização da administração pública, com o Cartão de Cidadão digital e plataformas como a autenticação.gov, mas permanece longe do modelo estónio em termos de eficiência e cobertura.
Adaptar este modelo ao contexto português exigiria a criação de uma infraestrutura unificada e interoperável entre os diferentes organismos do Estado, bem como a aplicação do princípio do “once-only”, garantindo que cidadãos e empresas apenas tenham de fornecer os seus dados uma vez. Seria também fundamental desenvolver uma plataforma semelhante à X-Road, com mecanismos sólidos de cibersegurança e proteção de dados. Paralelamente, é necessário promover a literacia digital, tanto entre os cidadãos como entre os funcionários públicos, para assegurar uma utilização eficaz dos serviços digitais.
Outras vertentes a considerar incluem a exploração da viabilidade do voto eletrónico, sobretudo em contextos marcados por elevadas taxas de abstenção ou por maiores obstáculos burocráticos ao exercício do voto — como é o caso dos portugueses no estrangeiro. Paralelamente, a criação de um programa português de e-Residency poderia atrair investimento estrangeiro e impulsionar o crescimento de startups digitais.
O essencial
A digitalização da administração pública é uma reforma estrutural que coloca o cidadão no centro e reduz o peso do Estado na vida quotidiana. O caso da Estónia mostra que é possível criar uma máquina pública eficiente, transparente e ao serviço da liberdade individual.
Num momento em que a confiança nas instituições e a eficiência do Estado estão em causa, uma administração pública digital e centrada no utilizador representa uma mudança transformadora e liberal, com benefícios claros para todos.
Maria Palmeiro Ribeiro é estudante de Política e Relações Internacionais na University College London (UCL) e realizou este trabalho no âmbito de um estágio no Instituto +Liberdade.
Juliano Ventura é economista e analista do Instituto +Liberdade e do projeto +Factos desde 2022. É co-autor de dois livros da Coleção +Liberdade e de vários estudos.
Referências
[1] “E-Estonia.” E-Estonia. 2012. (link).
[2] “E-Government Activities of Individuals via Websites.” Eurostat. 2025. (link).
[3] “E-Government Development Index.” United Nations. 2024. (link)
[4] “Estonia to Share Its E-Governance Know-How.” E-Estonia. 2019. (link)
[5] "E‑Governance Factsheet". E-Estonia. (link)
[6] “Corruption Perceptions Index 2024.” Transparency International. 2024. (link)
[7] “Responsive Administration and Burden of Regulation | Single Market Scoreboard.” European Comission. 2024. (link)
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