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2025-10-29

Por Maria Palmeiro Ribeiro, Juliano Ventura

Políticas Liberais em Ação: Como a Suíça Garantiu Sustentabilidade nas Pensões com um Sistema Tripartido

Debater políticas públicas olhando apenas para dentro e para os problemas específicos de Portugal conduz frequentemente a discussões reféns de agendas ideológicas ou detalhes secundários, resultando em debates pouco consequentes e sem ímpeto reformista e ambicioso.

Nesta série de artigos "Políticas Liberais em Ação", propomos olhar além-fronteiras, através de artigos curtos, identificando casos concretos e bem-sucedidos de inspiração liberal implementados por outros países europeus. De forma sucinta, explicamos e analisamos cada caso. O objetivo? Trazer inspiração prática para transformar positivamente a realidade portuguesa.

Em Portugal, o envelhecimento acelerado da população pressiona a sustentabilidade do sistema público de pensões, assente no modelo de repartição das atuais contribuições para a Segurança Social (modelo pay-as-you-go). Com uma taxa de dependência em crescimento e uma relação cada vez mais desfavorável entre ativos e pensionistas, o risco de cortes ou aumentos de impostos futuros é real. A isto soma-se a estagnação económica e o baixo nível de poupança das famílias, que limitam a capacidade de resposta do sistema e aumentam a vulnerabilidade das gerações mais jovens.

A Suíça apresenta uma solução equilibrada, que combina liberdade de escolha, responsabilidade individual e proteção social, através de um modelo tripartido de pensões. Este modelo garante estabilidade financeira e previsibilidade a longo prazo, incentivando a poupança, premiando o esforço e promovendo a concorrência no setor. Ao diversificar as fontes de financiamento e reforçar a autonomia dos cidadãos, a Suíça conseguiu assegurar padrões de vida dignos na reforma sem comprometer as gerações futuras — uma demonstração prática de como políticas liberais podem gerar resultados sustentáveis e socialmente justos.

 

O Modelo Suíço: Três Pilares para um Sistema Sustentável

O sistema suíço de pensões é composto por três pilares complementares que, em conjunto, garantem equilíbrio entre solidariedade, estabilidade financeira e liberdade individual. Esta arquitetura permite que o sistema seja simultaneamente socialmente justo e economicamente sustentável, evitando o colapso financeiro que ameaça os modelos exclusivamente públicos.

O primeiro pilar é o seguro público básico, obrigatório para todos os residentes, que assegura um rendimento mínimo suficiente para cobrir as necessidades essenciais. Financiado por contribuições repartidas entre empregadores e trabalhadores, este pilar constitui a base de proteção social, garantindo que nenhum cidadão fique desamparado na velhice. No entanto, o seu objetivo não é manter o padrão de vida anterior à reforma, mas sim garantir um nível mínimo de segurança económica, funcionando como uma rede de solidariedade nacional.

O segundo pilar é o sistema de capitalização profissional, também obrigatório para trabalhadores assalariados com rendimentos anuais superiores a 22.680 francos suíços. Cada trabalhador acumula poupanças individuais ao longo da carreira, geridas por fundos de pensões privados e supervisionados pelo Estado. O valor da pensão depende diretamente do capital acumulado e dos rendimentos obtidos pela gestão do fundo. Este pilar introduz um forte elemento de responsabilidade individual e de ligação entre contribuição e benefício, promovendo a sustentabilidade financeira e reduzindo a dependência do sistema público [1].

O terceiro pilar, de caráter voluntário, complementa os anteriores através da poupança privada com incentivos fiscais, permitindo a cada cidadão reforçar a sua segurança financeira futura. Os contribuintes podem escolher livremente entre diferentes produtos financeiros, de acordo com o seu perfil de risco e objetivos de vida. Esta componente oferece flexibilidade e incentiva a cultura de poupança, essencial para a estabilidade de longo prazo [2][3].

O papel do Estado é sobretudo regulador e fiscalizador, garantindo a transparência, a concorrência saudável entre fundos e a proteção dos contribuintes contra riscos excessivos. Ao invés de centralizar a gestão, o Estado cria as condições para que o sistema funcione com eficiência e confiança, equilibrando liberdade económica com segurança social.

Este modelo tem permitido à Suíça manter um dos sistemas de pensões mais sustentáveis e estáveis do mundo, com níveis elevados de satisfação pública e baixos riscos de desequilíbrio orçamental. A combinação de responsabilidade individual, incentivos de mercado e regulação prudente mostra como uma abordagem liberal pode oferecer não apenas eficiência, mas também justiça social e segurança para todas as gerações.

 

O que torna esta política liberal?

O modelo suíço é considerado liberal porque parte do princípio de que o Estado deve garantir uma rede básica de proteção, mas não monopolizar a segurança social. Ao deslocar parte da responsabilidade das pensões do Estado para o indivíduo, o sistema valoriza a liberdade de escolha, a responsabilidade pessoal e a concorrência — pilares centrais da filosofia liberal.

O cidadão é visto como um agente capaz de planear o seu futuro, e não apenas como dependente da ação estatal. O segundo e o terceiro pilares do sistema — de capitalização profissional e de poupança privada — reforçam essa lógica, permitindo que cada pessoa acumule e administre o seu próprio capital, beneficiando diretamente dos rendimentos gerados pelas suas contribuições.

A portabilidade entre fundos, a gestão privada concorrencial e a transparência regulada pelo Estado asseguram um equilíbrio saudável entre liberdade e proteção. Essa concorrência incentiva a eficiência, reduz custos de gestão e cria incentivos para melhores retornos, algo impossível num sistema público monopolizado.

Em vez de um modelo puramente estatista, que distribui recursos sem ligação ao esforço contributivo, o sistema suíço recompensa o mérito, a disciplina e a poupança, mas sem abandonar o princípio da solidariedade social. Assim, o modelo suíço traduz na prática o ideal liberal de um Estado que protege sem substituir o indivíduo, promovendo simultaneamente autonomia, responsabilidade e sustentabilidade económica.

 

Benefícios Comprovados na Suíça

Os ativos afetos a fundos de pensões na Suíça representam uma fração muito elevada do PIB — 160% do PIB em 2023 (mais de 1.500 mil milhões de dólares). Em contraste, Portugal apresenta um mercado de fundos de pensões muito reduzido, na ordem de 14% do PIB, o que denota uma enorme diferença na capacidade de capitalização privada para financiar pensões. Para além disso, a performance dos fundos suíços tem sido mais robusta: nos cinco anos anteriores a 2023, a taxa real de retorno médio anual dos fundos de pensões suíços foi de 3,3%, ao passo que em Portugal se ficou pelos 2,4% [4]. Em 2024, os fundos de pensões suíços registaram um retorno médio de 9,1%, fortalecendo o valor dos ativos sob gestão e os rácios de cobertura [5]. Ao contrário de sistemas como o português, em que maioritariamente as contribuições dos trabalhadores atuais financiam as reformas dos pensionistas atuais (modelo pay-as-you-go), os sistemas de capitalização permitem acumular recursos e gerar riqueza, aumentando os fundos destinados ao pagamento das futuras reformas.

Segundo dados do Eurostat, a taxa de substituição agregada média bruta — ou seja, a mediana bruta do rendimento individual das pensões da população com idades entre 65 e 74 anos em relação à mediana bruta dos rendimentos individuais do trabalho da população com idades entre 55 e 64 anos, excluindo outros benefícios sociais — situa-se na Suíça em torno de 48%, enquanto em Portugal ronda os 61% [6]. No entanto, esta diferença é enganadora: este indicador, tal como outros semelhantes, normalmente considera apenas o primeiro pilar (público). No caso suíço, a relevância dos pilares dois e três faz com que este indicador seja pouco relevante. Se olharmos para as pensões de velhice em percentagem do PIB, em 2022 a Suíça gastava 9% do seu PIB, ao passo que Portugal gastava cerca de 10% [7]. Este indicador acaba por ter o mesmo problema do anterior. 

A diferença estrutural entre sistemas tem consequências práticas: na Suíça, indivíduos que combinam os pilares 2 e 3 beneficiam de maior estabilidade de rendimento na reforma e de menores riscos de queda acentuada do padrão de vida, porque parte significativa das suas rendas futuras está pré-financiada e investida. Em Portugal, a quase exclusividade do modelo de repartição deixa uma fatia maior de reformados mais dependente das prestações públicas, tornando-os mais vulneráveis a alterações demográficas e financeiras do Estado. A OCDE e outros estudos apontam que sistemas com maior capitalização privada tendem a reduzir o risco de pobreza na velhice e a tornar os sistemas mais resistentes ao envelhecimento demográfico [4].

Em termos de indicadores de bem-estar e pobreza, as estatísticas mostram diferenças relevantes: em 2022, os suíços eram os europeus mais satisfeitos com o seu nível de vida financeiro, entre a população com 65 anos ou mais (7,5 numa escala de 0 a 10). Os idosos portugueses são dos menos satisfeitos na Europa, com uma pontuação de 5,8 [8]. Em 2024, 10,1% da população portuguesa com 65 anos ou mais estava em situação de pobreza material e social, sendo que na Suíça essa percentagem se fica apenas pelos 3,1% (número de 2023), uma das mais baixas na Europa [9]. Olhando para um caso mais específico, 4,4% dos idosos portugueses não conseguem fazer uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias. Apesar de ser uma das mais baixas percentagens na Europa, na Suíça é ainda inferior (apenas 1,6%) [10].

Adaptação ao Contexto Português

Portugal enfrenta um desafio crescente na sustentabilidade do seu sistema de pensões, que depende quase exclusivamente do regime de repartição (pay-as-you-go), no qual as contribuições dos trabalhadores atuais financiam diretamente as pensões dos reformados. Este modelo, embora solidário, revela limitações face ao envelhecimento demográfico, à crescente longevidade e à instabilidade do mercado de trabalho, tornando urgente a reformulação estrutural do sistema.

Uma das soluções consiste na criação de um segundo pilar de capitalização obrigatório para trabalhadores com rendimentos acima de um determinado limiar. Este pilar seria gerido por entidades privadas independentes, sob regulação estrita do Estado, garantindo segurança, transparência e supervisão adequada. A capitalização permite acumular fundos individuais ao longo da carreira, criando riqueza que pode gerar retornos superiores aos proporcionados exclusivamente pelo sistema de repartição, além de reduzir a pressão sobre o primeiro pilar público.

Além disso, é crucial estimular a adesão voluntária ao terceiro pilar, composto por planos privados de poupança para a reforma. A liberdade de escolha e a possibilidade de portabilidade entre fundos aumentam a competitividade entre operadores, promovendo maior eficiência na gestão e melhores retornos para os trabalhadores. Este estímulo pode ser apoiado por incentivos fiscais e por campanhas de divulgação, tornando a poupança privada mais atrativa.

No entanto, qualquer reforma estrutural só terá sucesso se for acompanhada por um forte investimento em literacia financeira. É essencial que os cidadãos compreendam os mecanismos dos diferentes pilares, os riscos e benefícios associados a cada opção, e consigam tomar decisões informadas sobre o seu futuro financeiro. Sem este passo, mesmo um sistema tecnicamente robusto pode falhar na prática, pois a adesão e a utilização correta dos instrumentos disponíveis dependerão do conhecimento e da confiança dos trabalhadores.

Em suma, a modernização do sistema de pensões português exige uma combinação equilibrada de políticas públicas, gestão privada regulada, incentivos à poupança voluntária e educação financeira. Só assim será possível garantir a sustentabilidade do sistema, a proteção dos reformados e o aumento da segurança financeira ao longo da vida ativa.

 

O essencial

O caso suíço demonstra que é possível conciliar liberdade individual, proteção social e sustentabilidade financeira num sistema de pensões. Portugal, com um modelo conservador e insustentável, não pode adiar esta discussão. A criação de um sistema assente em múltiplos pilares é uma medida estrutural que não só reforça a responsabilidade individual como garante um futuro mais estável para todos.

Num contexto de crise demográfica e de pressão sobre as contas públicas, a reforma das pensões deve ser encarada como uma prioridade nacional, e a experiência suíça oferece um caminho sólido para alcançar esse objetivo.

 


Maria Palmeiro Ribeiro é estudante de Política e Relações Internacionais na University College London (UCL) e realizou este trabalho no âmbito de um estágio no Instituto +Liberdade.

Juliano Ventura é economista e analista do Instituto +Liberdade e do projeto +Factos desde 2022. É co-autor de dois livros da Coleção +Liberdade e de vários estudos.


Referências

[1] "Meaning and objectives of occupational pension funds". Federal Social Insurance Office (FSIO). (link).

[2] "Pensions in Switzerland – the three-pillar system. SwissLife. 2024. (link).

[3] "Three-pillar system". Central Compensation Office CCO. SwissLife. (link).

[4] "Pension Markets in Focus 2024". OECD. 2024. (link). 

[5] Serenelli, Luigi. 2025. “Swiss Pension Funds’ Funding Ratios Reach Highest Level in 10 Years.” IPE. February 3, 2025. (link). 

[6] "Aggregate replacement ratio". Eurostat. 2024. (link).

[7] "Social protection statistics - pension expenditure and pension beneficiaries". Eurostat. 2025. (link).

[8] "Life satisfaction by sex, age, educational attainment and domain". Eurostat. 2022. (link).

[9] "Material and social deprivation rate by age, sex and most frequent activity status". Eurostat. 2024. (link).

[10] "Inability to afford a meal with meat, chicken, fish (or vegetarian equivalent) every second day". Eurostat. 2024. (link).

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