2024-06-19
Por Rainer Zitelmann
O principal defeito apontado ao sistema capitalista na atualidade é a sua alegada tendência para fomentar graves desigualdades de rendimento e riqueza. Neste artigo, o historiador e sociólogo Rainer Zitelmann coloca em perspetiva as acusações dos críticos da desigualdade capitalista, assinalando a fragilidade de muitas das estatísticas utilizadas e relembrando a espantosa capacidade de geração de riqueza do sistema capitalista.
Os dois programadores americanos Brian Acton e Jan Koum inventaram o WhatsApp e venderam-no ao Facebook por 19 mil milhões de dólares em 2014. Dois mil milhões de pessoas em todo o mundo utilizam hoje o WhatsApp, não só para enviar mensagens e ficheiros, mas também para fazer chamadas telefónicas gratuitas. Graças à sua ideia inovadora, os dois fundadores do WhatsApp acumularam uma fortuna que, entre os dois, ascende a 16 mil milhões de dólares. Será que a desigualdade aumentou porque existem agora mais dois multimilionários? Certamente que sim. Mas será que isso prejudicou alguém, para além das operadoras telefónicas com tarifários caros?
Na China, graças à introdução da propriedade privada e de elementos da economia de mercado, o número de pessoas que vivem em situação de pobreza extrema diminuiu de 88% para menos de 1% desde o início da década de 1980. Enquanto isso, o número de pessoas ricas aumentou mais do que em qualquer outro país. Atualmente, só os EUA têm mais bilionários do que a China. A desigualdade aumentou, a pobreza diminuiu. Alguém acha que as pessoas na China querem voltar à vida dos tempos de Mao só porque as pessoas se encontravam em situação mais igualitária?
O facto de a desigualdade ser mais discutida na esfera pública do que a pobreza é um sintoma de inveja, ainda que os críticos da desigualdade neguem essa motivação. A inveja é a emoção mais comumente negada, reprimida e “mascarada”. Quando a inveja se torna reconhecível como tal, ou é abertamente comunicada, a pessoa invejosa invalida automaticamente as suas intenções. O antropólogo George M. Foster pergunta porque é que as pessoas são capazes de admitir sentimentos de culpa, vergonha, orgulho, ganância, e até raiva sem perda de autoestima, mas é-lhes quase impossível admitir sentimentos de inveja. Ele avança esta explicação: qualquer pessoa que assume perante si própria e perante os outros que tem inveja, está também a admitir que se sente inferior. É precisamente por isso que é tão difícil reconhecer e aceitar a sua própria inveja.
O forte impacto que o tema da desigualdade e o “fosso entre ricos e pobres” tem nos media – e não só – ficou patente com o notável sucesso do livro O Capital no Século XXI do economista francês Thomas Piketty, publicado em 2013. Piketty admite que, durante a maior parte do século XX, a desigualdade não aumentou: diminuiu. Só a partir de 1990 é que se verificou uma tendência negativa para maior desigualdade. Porém, nos 20 anos em que Piketty afirma ter havido um aumento da desigualdade (1990-2010), 700 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema.
As críticas à desigualdade, especialmente a respeito dos grandes salários de topo, baseiam-se também muitas vezes em estatísticas falsas. Damien Knight e Harry McCreddie demonstraram que muitas das estatísticas publicadas na comunicação social britânica sobre a inflação da remuneração dos administradores ou sobre a evolução da relação entre a remuneração dos administradores e a dos empregados comuns são extremamente defeituosas, porque quem faz estes cálculos carece muitas vezes da mais elementar compreensão de metodologias matemáticas ou estatísticas. Por exemplo, médias e medianas são frequentemente confundidas, ou não é feita qualquer distinção entre os prémios de desempenho atribuídos e os efetivamente pagos, e assim por diante. Tomando o Reino Unido como exemplo, os autores explicam como é que um aumento real dos salários dos administradores de 6% num determinado período se torna rapidamente um aumento de 23% na comunicação social, ou um aumento de 2% se torna um aumento de 49%. Eis o que concluem: «Somos da opinião de que investigações e análises de fraca qualidade têm provocado mais dano à coesão social do que o que as próprias empresas possam ter provocado ao pagarem salários elevados aos seus gestores de topo.»
Os economistas americanos Phil Gramm, Robert Ekelund e John Early também fazem o mesmo alerta no seu livro The Myth of American Inequality. Criticam o facto de os apoios sociais e os impostos serem ignorados nas estatísticas sobre a desigualdade nos EUA. Se os impostos substanciais pagos pelos que auferem rendimentos elevados não são refletidos nas estatísticas e os apoios substanciais recebidos pelos que auferem rendimentos baixos são também largamente desconsiderados, isso leva logicamente a que os dados sobre a crescente desigualdade estejam errados. Se os impostos e os apoios forem incluídos, o rácio entre o rendimento dos 20% mais pobres e o dos 20% mais ricos é de 4 para 1, em vez dos 16,7 para 1 refletidos nos dados oficiais dos censos.
Portanto, a desigualdade não aumentou, nem de perto, tanto quanto se costuma afirmar. Ainda assim, sou da opinião de que deveríamos preocupar-nos menos com a questão da desigualdade e mais com o problema da pobreza.
O autor aprofunda estes e outros argumentos a respeito da desigualdade de rendimentos e riqueza no segundo capítulo do seu livro Em Defesa do Capitalismo: um Antídoto para os Mitos Anticapitalistas, publicado pelo Instituto Mais Liberdade em parceria com a editora Alêtheia.
Fotografia de Tuca Vieira, de 2004, onde registou de helicóptero aquela que viria a tornar-se a fotografia mais representativa das desigualdades no Brasil, captando o contraste de Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, com o bairro de luxo do Morumbi, separados por apenas um muro.
Narração da versão áudio: Pedro Almeida Jorge.
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