

2025-10-22
Por Maria Palmeiro Ribeiro, Juliano Ventura
Debater políticas públicas olhando apenas para dentro e para os problemas específicos de Portugal conduz frequentemente a discussões reféns de agendas ideológicas ou detalhes secundários, resultando em debates pouco consequentes e sem ímpeto reformista e ambicioso.
Nesta série de artigos "Políticas Liberais em Ação", propomos olhar além-fronteiras, através de artigos curtos, identificando casos concretos e bem-sucedidos de inspiração liberal implementados por outros países europeus. De forma sucinta, explicamos e analisamos cada caso. O objetivo? Trazer inspiração prática para transformar positivamente a realidade portuguesa.
Portugal tem um problema estrutural em termos de inovação: a fraca ligação entre universidades, centros de investigação e o tecido empresarial. Muitos projetos científicos permanecem confinados ao meio académico, sem gerar valor económico ou soluções práticas para as empresas. A transferência de conhecimento é limitada e a economia portuguesa continua a apresentar baixos níveis de inovação, refletidos no reduzido número de patentes e na baixa intensidade de investimento em investigação e desenvolvimento.
A Alemanha oferece um exemplo transformador através da Fraunhofer-Gesellschaft, uma rede de institutos de investigação aplicada que se tornou referência mundial na ligação entre ciência e indústria. Com autonomia de gestão e um modelo de financiamento que combina apoios públicos com receitas próprias, a Fraunhofer demonstra como é possível transformar conhecimento científico em inovação aplicada e competitividade económica.
Apesar do reconhecido sucesso da Fraunhofer-Gesellschaft e da liderança tecnológica que a Alemanha conquistou em múltiplos setores, o país enfrenta atualmente desafios significativos no domínio da inovação. A sua posição como referência global tem vindo a enfraquecer devido a fatores estruturais como o envelhecimento da força de trabalho, a rigidez regulatória e o insuficiente investimento em startups e tecnologias emergentes. Este contexto demonstra que mesmo modelos bem-sucedidos, como o Fraunhofer, não garantem dinamismo nem crescimento sustentado sem políticas complementares que fomentem a adaptação tecnológica, o empreendedorismo e a renovação contínua do ecossistema de inovação.
O Exemplo Alemão: A Rede Fraunhofer
A Fraunhofer-Gesellschaft representa um dos pilares mais robustos do ecossistema de inovação alemão. Constituída por 75 institutos e centros de investigação aplicada, a rede cobre áreas que vão desde a engenharia mecânica e a biotecnologia até à energia sustentável. A sua missão é clara: transformar conhecimento científico em soluções concretas para o setor produtivo, encurtando a distância entre investigação e mercado e promovendo a competitividade das empresas alemãs a nível global [1].
Reconhecida como o maior organismo europeu de investigação aplicada, a Fraunhofer foi determinante na consolidação da liderança tecnológica da Alemanha. Muitos dos avanços industriais e tecnológicos do país – como o desenvolvimento do formato MP3, inovações em sensores automotivos, robótica industrial ou tecnologias de fabrico avançado – nasceram no seio dos seus institutos.
O modelo de financiamento híbrido da Fraunhofer é um dos seus principais fatores de sucesso. Cerca de 30% das receitas provêm de fundos públicos estáveis, repartidos entre o governo federal e os estados federados (Länder), garantindo uma base sólida para investigação de longo prazo e áreas de interesse público. Os restantes 70% resultam de receitas próprias, obtidas através de contratos com empresas privadas, projetos colaborativos com universidades e financiamento competitivo nacional e europeu, como o programa Horizon Europe [2]. Esta estrutura cria um forte incentivo à produtividade, à relevância prática e à ligação direta com o tecido empresarial.
Cada instituto da rede funciona com autonomia administrativa e financeira, possuindo estatuto jurídico de associação sem fins lucrativos. Essa descentralização permite uma grande agilidade na definição de prioridades tecnológicas, na contratação de investigadores e na celebração de parcerias estratégicas. Ao mesmo tempo, existe um mecanismo de concorrência interna e externa, no qual os institutos competem entre si e com outras entidades por contratos e financiamento, reforçando a eficiência e a inovação contínua.
Este modelo combina o rigor da gestão empresarial com a missão pública da ciência aplicada, garantindo que os resultados da investigação não ficam confinados à academia, mas se traduzem em progresso económico, criação de emprego qualificado e liderança tecnológica sustentável. É, por isso, amplamente visto como uma referência internacional para países que pretendem articular de forma eficaz o investimento público, a investigação científica e a iniciativa privada.
O que torna esta política liberal?
O modelo Fraunhofer é considerado liberal porque assenta numa lógica de autonomia, concorrência e responsabilidade individual, valores centrais do pensamento liberal aplicado à política científica e económica. Em vez de um sistema centralizado, em que o Estado define rigidamente as prioridades de investigação e distribui o financiamento de forma uniforme, a Fraunhofer-Gesellschaft promove um modelo descentralizado, onde cada instituto atua como uma unidade semi-independente, com liberdade para estabelecer parcerias, escolher áreas de especialização e definir estratégias de crescimento.
O papel do Estado é sobretudo o de facilitador e garante de estabilidade, assegurando uma base mínima de financiamento que permite aos institutos planear a médio prazo e manter a infraestrutura científica essencial. Contudo, o grosso dos recursos (cerca de 70%) depende da capacidade de cada instituto gerar receitas próprias através de contratos com empresas privadas, licenciamento de tecnologias, prestação de serviços ou participação em programas competitivos europeus. Este mecanismo incentiva a eficiência e a meritocracia, pois apenas os institutos que demonstram relevância económica, inovação e capacidade de resposta às necessidades do mercado conseguem captar mais recursos e expandir-se.
Além disso, o modelo Fraunhofer reforça a ligação entre ciência e setor produtivo, reduzindo a distância entre investigação académica e aplicação prática. Ao alinhar incentivos com resultados mensuráveis — como patentes, produtos ou soluções industriais —, o sistema favorece a criação de valor económico e social sem que o Estado precise de intervir diretamente na gestão ou orientação científica.
Desta forma, trata-se de uma política liberal porque equilibra liberdade com responsabilidade, transferindo poder de decisão para os agentes locais e institucionais, fomentando a competição saudável e assegurando que o investimento público funciona como catalisador, e não como dependência permanente. O resultado é um ecossistema de inovação mais dinâmico, sustentável e ajustado às transformações do mercado global.
Resultados Visíveis: Liderança Europeia em Inovação
Os resultados do modelo alemão são reveladores. A Fraunhofer-Gesellschaft emprega mais de 30 mil colaboradores e, só em 2024, assinou contratos de investigação de mais de três mil milhões de euros [1]. O impacto é visível em inovações mundialmente conhecidas, como o formato MP3, tecnologias médicas, robótica industrial e automóveis.
No Índice Global de Inovação, em 2025 a Alemanha ocupa a 11.ª posição (7.ª na Europa), enquanto Portugal se posiciona no 31.º lugar (20.º na Europa) [3]. Para além disso, em 2023, a Alemanha registou 751 pedidos de patente por milhão de habitantes, o 6.º maior número a nível mundial, enquanto que Portugal registou apenas 100 pedidos por milhão de habitantes, figurando no 26.º lugar a nível mundial [4].
A diferença entre Portugal e a Alemanha neste setor reflete-se também no esforço global em investigação e desenvolvimento: em 2023, a Alemanha investiu 3,1% do PIB em I&D, enquanto Portugal investiu apenas 1,7%, abaixo da média europeia de 2,3% [5].
Estes indicadores demonstram como um sistema baseado em autonomia e proximidade com o setor empresarial contribui para uma economia mais inovadora e competitiva.
No entanto, a Alemanha enfrenta atualmente desafios significativos na área da inovação, refletindo dificuldades na adaptação rápida a novas tecnologias, uma burocracia relativamente rígida e uma menor capacidade de transformar investigação em produtos disruptivos comparativamente ao passado. O número de pedidos de patentes tem vindo a diminuir. Em 2014 foram 63 mil, ao passo que em 2023 se ficou pelos 57 mil [6][7]. Esta queda é um alerta de que mesmo economias tecnológicas precisam de ajustar constantemente os seus ecossistemas de inovação para manter a liderança.

Adaptação ao Contexto Português
Portugal poderia beneficiar significativamente da criação de uma rede nacional de institutos de investigação aplicada inspirada no modelo Fraunhofer, capaz de aproximar a ciência da economia real e de transformar o conhecimento científico em valor económico tangível. Esta rede deveria ser construída sobre um modelo de financiamento público inicial, assegurando a estabilidade e a criação de infraestruturas de base, mas com metas claras de captação de investimento privado, contratos com empresas e participação em programas competitivos nacionais e europeus. A autonomia administrativa e financeira dos institutos seria essencial, permitindo-lhes adaptar-se às necessidades do tecido empresarial e às dinâmicas económicas regionais, tal como acontece na Alemanha.
Para garantir a viabilidade e a eficácia deste modelo, seria necessário um reajustamento estrutural do enquadramento jurídico e fiscal português, em particular nas áreas da investigação e inovação. A legislação laboral e contratual aplicável à ciência continua excessivamente rígida, dificultando a mobilidade de investigadores entre o setor público e o privado — uma barreira que contraria o espírito de flexibilidade e cooperação que caracteriza o modelo Fraunhofer. Além disso, os incentivos fiscais à I&D empresarial, como o SIFIDE, embora positivos, continuam a ser pouco acessíveis a pequenas e médias empresas e carecem de uma abordagem mais previsível e estável, capaz de gerar confiança e atrair investimento continuado.
Outro ponto crucial seria a descentralização dos polos de inovação, hoje fortemente concentrados em Lisboa e no Porto. Inspirando-se na estrutura alemã, Portugal poderia criar institutos regionais especializados em áreas estratégicas — como energia verde no Alentejo, biotecnologia no Norte ou tecnologias marítimas no Algarve —, promovendo o desenvolvimento equilibrado do território e reforçando as sinergias com universidades, politécnicos e empresas locais. Estes centros funcionariam como plataformas de transferência tecnológica, com incentivos à mobilidade de investigadores e técnicos entre a academia e o setor produtivo, criando uma verdadeira cultura de inovação aplicada.
Contudo, o exemplo alemão também serve de alerta. Apesar do sucesso histórico da Fraunhofer-Gesellschaft, a Alemanha enfrenta atualmente um abrandamento no ritmo de inovação, refletido na perda de dinamismo em setores emergentes como a inteligência artificial, a biotecnologia e a transição digital. Factores como o envelhecimento da força de trabalho, a burocracia regulatória e investimentos insuficientes em startups têm levado muitos analistas a afirmar que o país já não é o “farol de inovação” que foi nas décadas anteriores. Esta realidade demonstra que mesmo modelos bem-sucedidos precisam de atualização constante e de políticas complementares que incentivem a adaptação tecnológica e a competitividade internacional.
Assim, ao adaptar o modelo Fraunhofer, Portugal deveria combinar a sua estrutura descentralizada e orientada para o mercado com políticas de longo prazo de promoção da inovação, assegurando flexibilidade regulatória, estabilidade fiscal e uma cultura empresarial aberta à colaboração científica. Só dessa forma seria possível construir um ecossistema de inovação verdadeiramente sustentável, capaz de transformar o potencial científico nacional em crescimento económico e autonomia tecnológica.
O essencial
O modelo Fraunhofer demonstra que a ciência pode ser um motor direto de competitividade económica quando é aplicada às necessidades concretas da indústria. A autonomia de gestão, a diversificação de financiamento e a concorrência saudável entre institutos criam um ecossistema inovador e eficiente, que coloca a Alemanha na liderança europeia em patentes e tecnologia.
Portugal, ao adotar um sistema inspirado neste modelo, teria a oportunidade de transformar a investigação académica em inovação aplicada, reforçando setores estratégicos da sua economia e reduzindo a dependência da ciência de subsídios públicos. Uma rede nacional de institutos de investigação aplicada poderia tornar o país mais competitivo, inovador e capaz de reter talento científico, colocando a ciência ao serviço da prosperidade económica.
Maria Palmeiro Ribeiro é estudante de Política e Relações Internacionais na University College London (UCL) e realizou este trabalho no âmbito de um estágio no Instituto +Liberdade.
Juliano Ventura é economista e analista do Instituto +Liberdade e do projeto +Factos desde 2022. É co-autor de dois livros da Coleção +Liberdade e de vários estudos.
Referências
[1] The Fraunhofer-Gesellschaft. (link).
[2] The Fraunhofer-Gesellschaft - Finances. (link).
[3] Global Innovation Index 2025. WIPO. 2025. (link).
[4] Intellectual Property Fact Sheet 2023. Global Innovation Index 2025. WIPO. 2023. (link).
[5] GERD by sector of performance. Eurostat. 2023. (link).
[6] "WIPO IP Facts and Figures". 2014. (link).
[7] "WIPO IP Facts and Figures". 2023. (link).
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