

2025-11-01
Por Juan Ramón Rallo
O Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, comummente conhecido como Prémio Nobel da Economia, foi este ano atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, "por terem explicado o crescimento económico impulsionado pela inovação". Neste artigo, o economista espanhol Juan Ramón Rallo apresenta e enquadra as principais contribuições dos três laureados na doutrina do liberalismo económico.
O Prémio Nobel da Economia deste ano foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, três economistas que partilham uma área de estudo: o crescimento económico moderno.
O que caracteriza esse crescimento económico moderno? Por um lado, trata-se de um crescimento contínuo e cumulativo, ao contrário do que acontecia no passado, onde apenas ocorriam alguns episódios isolados de crescimento económico. Ao longo dos últimos 200 anos, a Humanidade cresceu praticamente ano após ano, tornando-se, portanto, cumulativamente mais próspera. Por outro lado, o motor deste crescimento económico contínuo e inédito na história da Humanidade tem sido um avanço tecnológico contínuo, a aplicação do conhecimento científico à economia produtiva para elevar os nossos padrões de vida materiais.
É este crescimento económico moderno que Mokyr, Aghion e Howitt tentam explicar desde diferentes ângulos e perspetivas.
Joel Mokyr, historiador económico, tenta explicar as origens deste crescimento económico moderno, por que razão ocorreu quando ocorreu e não antes, e tenta explicá-lo desde o ponto de vista da história económica, ao passo que Aghion e Howitt procuram modelar quais são as características deste crescimento económico moderno e fazem-no desde a perspetiva da teoria económica.
Se o crescimento económico moderno é um crescimento contínuo e cumulativo, o que implica crescer ano após ano de forma continuada, então, para que isso ocorra, segundo Joel Mokyr, precisamos igualmente de um progresso técnico contínuo que sustente este crescimento económico continuado.
Este progresso técnico contínuo terá de vir não apenas dos avanços científicos, dos avanços no conhecimento geral, mas também da aplicação desses avanços científicos para revolucionar, modificar e melhorar as técnicas produtivas existentes. Por seu lado, as técnicas produtivas existentes e a necessidade de as melhorar devem também em grande medida orientar o próprio avanço científico, pois os campos do conhecimento que podem ser explorados são tão vastos que, se não limitarmos o avanço científico ao conhecimento geral que pode ser instrumental para o progresso material, esse progresso técnico contínuo que sustenta o crescimento económico continuado não ocorreria.
Assim, a primeira ideia-chave de Mokyr é que deve haver um desenvolvimento conjunto entre ciência e tecnologia. Ciência e tecnologia devem andar de mãos dadas. Não só temos de compreender por que razão as coisas acontecem – aquilo a que chamamos ciência ou, nas palavras de Mokyr, conhecimento proposicional – mas também precisamos de saber fazer com que as coisas aconteçam, ou seja, como elaborar técnicas, receitas, instruções que nos permitam aplicar o conhecimento científico ao mundo produtivo material para o instrumentalizar na elevação dos nossos padrões de vida – aquilo a que chamamos tecnologia ou a que Mokyr também chama de conhecimento prescritivo. Ou seja, são dois tipos de conhecimento que se complementam mutuamente. O conhecimento proposicional, a ciência, deve ser traduzido em conhecimento prescritivo, tecnologia. E, por sua vez, a tecnologia gera intuições, novas ideias, novas informações que podem ser modeladas e formalizadas em novo conhecimento proposicional ou ciência. E é precisamente da sinergia, da interação contínua entre os dois tipos de conhecimento, entre a ciência e a tecnologia, que surge o progresso técnico contínuo que dá origem ao crescimento económico continuado.
Ora, a pergunta a que Mokyr, enquanto historiador económico, tenta responder é a de por que razão essa interação positiva, esse círculo virtuoso entre conhecimento proposicional e conhecimento prescritivo, entre progresso científico e progresso tecnológico, só sucedeu numa determinada época histórica, nos últimos 200 ou 250 anos, e não antes; porque é que não houve um despontar do crescimento económico moderno durante, por exemplo, o Império Romano; e quais são as condições económicas, sociais ou institucionais necessárias para que o crescimento económico moderno arranque de forma sustentada e transforme estruturalmente uma sociedade?
E aqui, segundo Mokyr, foram necessárias várias condições. A primeira é que ocorresse uma revolução científica, uma revolução da racionalidade que tentasse compreender, explicar e modelar o mundo a partir da ciência. Isso é o que poderíamos chamar, grosso modo, de Iluminismo. Uma comunidade científica com o seu próprio método, o seu próprio campo de estudo, o seu próprio objeto de investigação, que tenta melhorar de forma sustentada e contínua o acervo de conhecimento rigoroso existente sobre o mundo. Ou seja, que tenta criar novo conhecimento proposicional através de um método que permita validar ou invalidar a qualidade desse conhecimento e que, além disso, gera uma espécie de linguagem comum entre toda a comunidade científica global que permita a existência de sinergias de debate, de diálogo, de discussão entre os cientistas, por forma a melhorar o acervo de conhecimento proposicional existente.
Em segundo lugar, é necessário um conjunto de profissionais técnicos, de trabalhadores qualificados que sejam capazes de absorver esse conhecimento científico e traduzi-lo em tecnologia, em conhecimento prescritivo. E para isso não basta uma sociedade alfabetizada. É necessário um corpo muito amplo de trabalhadores técnicos com capital humano muito aplicado à produção, que consiga compreender o novo conhecimento científico e traduzi-lo em novas técnicas, ou seja, em nova tecnologia. Ou, dito de outra forma, se tivermos cientistas muito bons, mas não tivermos bons artesãos ou bons engenheiros, não obteremos este progresso técnico contínuo. Na verdade, entre as pessoas com conhecimentos práticos que têm de absorver e traduzir o conhecimento científico, não se devem incluir apenas os artesãos ou os engenheiros, mas também os comerciantes ou empresários. Se tivermos uma sociedade com bons cientistas, bons artesãos e bons engenheiros, mas sem bons empresários, então não haverá desenvolvimento económico. Por isso, muitas vezes, quando se diz que a única coisa que uma sociedade precisa para crescer é ciência, essa é uma ideia incompleta. Uma sociedade que possui conhecimento científico, mas que não consegue aplicar esse conhecimento científico para melhorar as técnicas de produção dos bens que são relativamente mais importantes para os cidadãos, é uma sociedade que não prosperará economicamente na geração de riqueza. Não importa apenas o acervo de conhecimento científico existente, mas também os mecanismos institucionais de que dispõe uma sociedade, uma economia de mercado, para distribuir esse acervo de conhecimento científico entre os projetos produtivos que são relativamente mais valiosos e mais importantes para os cidadãos.
E, por último, a terceira das condições estabelecidas por Mokyr para que surja o crescimento económico moderno é que se tenha uma sociedade suficientemente aberta para que cientistas, artesãos, engenheiros e empresários possam experimentar livremente dentro dos seus campos de atuação e gerar novos conhecimentos proposicionais ou novos conhecimentos prescritivos. Ou seja, que cada um possa, por seu lado, mas, evidentemente, comunicando entre si, experimentar livremente e aprender com essas experiências descentralizadas.
Esta é uma condição bastante mais controversa do que possa parecer. A verdade é que o progresso tecnológico e, portanto, o crescimento económico contínuo geram muitos vencedores, mas também geram perdedores. Todos aqueles que se veem deslocados pelas novas tecnologias têm fortes incentivos para se associarem entre si de modo a travar a geração e difusão de novo conhecimento tecnológico.
É precisamente aqui que surgem os lóbis, os movimentos luditas, os sindicatos anti-progresso tecnológico ou, no passado, as guildas. Uma sociedade onde todas essas organizações anti-progresso tecnológico dominem a agenda política e moldem o enquadramento institucional é uma sociedade onde não será possível gerar de forma dinâmica e abrangente novos conhecimentos proposicionais nem, acima de tudo, novos conhecimentos prescritivos. Dito de outro modo, talvez seja possível gerar novos conhecimentos científicos gerais, mas não será possível gerar novas tecnologias aplicadas e testadas no âmbito empresarial para multiplicar a produtividade das empresas e oferecer novos produtos que substituam os existentes.
Por isso, não é somente necessária uma revolução científica para sustentar o crescimento económico moderno, mas também uma revolução política ou mesmo moral. É necessária uma configuração institucional com liberdade académica e liberdade económica, que não seja obstaculizada, que não seja travada, que não seja suprimida pelo poder das elites e das plebes extrativistas, travando a inovação. É por isso, aliás, que a revolução industrial não foi apenas filha do Iluminismo, mas também das revoluções burguesas que reconfiguraram o quadro institucional para possibilitar essa liberdade académica e, sobretudo, essa liberdade económica de experimentação e, portanto, de geração de novos conhecimentos práticos aplicados ou prescritivos. É necessário que todos os grupos desorganizados que beneficiam do crescimento e do progresso tecnológico se unam para enfrentar essas minorias políticas organizadas sob a forma de guildas ou de lóbis que pretendem travar por via regulatória o progresso tecnológico e, portanto, o crescimento económico continuado.
Isto é o que Joel Mokyr denomina “cultura de crescimento” ou “cultura pró-crescimento”. Ou seja, uma sociedade que está principalmente focada em prosperar materialmente, permitindo a geração de novos conhecimentos proposicionais e prescritivos contra as tentativas de bloqueio por parte daqueles que preveem sair prejudicados por esses novos conhecimentos científicos e tecnológicos. Uma sociedade fechada à inovação é uma sociedade que não inovará e que, portanto, não poderá beneficiar dos frutos do crescimento económico moderno. Ou, como diz Matt Ridley numa frase que, de certa forma, poderia resumir o resultado das investigações de Joel Mokyr, a inovação é a mãe da prosperidade e a filha da liberdade.
Uma vez explicadas as principais conclusões a que Joel Mokyr chega na sua investigação, vamos agora explorar brevemente as ideias de Aghion e Howitt, os outros dois laureados com o Prémio Nobel. Aghion e Howitt não são historiadores económicos, são teóricos da economia e, portanto, o que fazem é modelar de que forma o crescimento económico moderno pode ocorrer, partindo de uma observação que, em princípio, poderia ser contraditória.
Como já dissemos, ao observarmos o crescimento económico moderno, notamos que se trata de um fenómeno contínuo e cumulativo. Ou seja, parece consistir numa adição líquida ao stock de riqueza já existente, em que consolidamos tudo o que existe, e adicionamos algo novo todos os anos. Mas o que Aghion e Howitt afirmam é que essa ideia é completamente errónea. Partindo da intuição da destruição criativa de Joseph Schumpeter, o que estes autores argumentam é que acontece precisamente o contrário: Não é que todos os anos consolidemos o que existe, acrescentando algo novo; o que acontece é que o progresso tecnológico gera todos os anos nova riqueza, mas também destrói muita riqueza existente, porque o progresso tecnológico gera novas técnicas, novas tecnologias que não são necessariamente complementares às técnicas ou tecnologias existentes, mas que podem ser claramente substitutivas. Criamos um novo produto ou uma nova técnica de produção que substitui por completo os antigos produtos ou as antigas técnicas de produção existentes.
Então, como é que o crescimento económico pode acabar por ser aparentemente contínuo e cumulativo, se, na realidade, se trata de um crescimento disruptivo e caótico, se geramos novas tecnologias que destroem parte da economia existente e que, consequentemente, deveriam gerar bastante volatilidade no ritmo de produção anual do PIB? Por exemplo, todos os anos, nos Estados Unidos, 10% das empresas existentes desaparecem e, durante o mesmo período, 10% de novas empresas entram no mercado, com tudo o que isso implica em termos de destruição de empregos antigos e criação de novos empregos. Como passamos desse turbilhão de criação e destruição de empresas e empregos para um crescimento mais ou menos suave e sustentado da economia e do emprego?
Basicamente, o que acontece é que a inovação ocorre em ondas, incidindo em determinados setores e não noutros. E, portanto, em determinado momento, há certos setores que permanecem estagnados e outros onde há bastante mudança e dinamismo. E nestes setores em que há bastante mudança e dinamismo, que não são a totalidade da economia, pode simplesmente acontecer que as novas empresas que entram suplantem as empresas existentes, gerando valor acrescentado em termos líquidos. Por outras palavras, a nova empresa, com um produto melhor, assume a quota de mercado da antiga empresa, que tinha um produto pior, resultando numa situação em que, aparentemente, a estrutura do mercado não mudou muito: simplesmente a nova empresa gera mais valor do que a anterior. Deste modo, embora os movimentos sejam violentos, com muita criação e muita destruição, o resultado líquido do progresso tecnológico pode ser positivo e cumulativo. As novas empresas que geram mais valor para os consumidores substituem as antigas empresas que deixaram de gerar valor para os consumidores.
Porém, esta intuição de que os movimentos brutos não têm necessariamente de refletir o resultado líquido remete-nos, mais uma vez, para a ideia de que o progresso tecnológico gera vencedores e perdedores e que, portanto, os perdedores podem unir-se para impedir que esse progresso tecnológico ocorra ou se manifeste. E é por isso que é importante evitar que esses perdedores, coligando-se, eliminem o ambiente institucional que possibilita a contínua geração de inovação, pois os setores que se tornam regulamentarmente petrificados, onde não há entradas e saídas de empresas, mas onde estão sempre as mesmas empresas sem incentivos para inovar, são precisamente, segundo Aghion e Howitt, os setores que menos inovam na economia e, sem inovação contínua, não há crescimento económico continuado.
Nesse sentido, portanto, a implicação prática fundamental de Aghion e Howitt é que o processo de destruição criativa, que segundo Schumpeter continha necessariamente as sementes da sua própria destruição, não precisa de ser caótico nem de gerar as sementes da sua própria destruição. Não é que isso não possa acontecer, não é que a inovação tecnológica não possa levar-nos a equilíbrios sociais, a situações socioeconómicas em que grupos organizados se unam para impedir novos progressos tecnológicos. Mas será possível promover um crescimento económico sustentado e cumulativo em termos líquidos, mesmo quando haja muitas flutuações, muito caos, muita volatilidade em termos brutos, dentro de cada setor que compõe a economia? Neste ponto, entraríamos no que deve ser o enquadramento social adequado para que os perdedores do progresso tecnológico não procurem unir-se para acabar com o progresso tecnológico. Aqui poderemos encontrar receitas mais social-democratas, como as propostas por Aghion e Howitt, de uma rede de segurança estatal para evitar que os perdedores da mudança tecnológica procurem travar essa mudança tecnológica, ou outras soluções mais liberais, como a sociedade de proprietários e também a sociedade civil de ajuda mútua.
Seja como for, a mensagem central que nos transmite este Prémio Nobel de Economia de 2025 é que temos de cuidar do crescimento económico moderno, porque essa é a base da nossa sociedade atual e da nossa prosperidade contínua. E cuidar do crescimento económico moderno significa cuidar da liberdade científica, da liberdade económica e da livre concorrência, bem como, é claro, das bases morais que tornam tudo isso possível. Porque se esses três elementos morrem, morrem também não só a inovação, mas também a sua aplicação no âmbito produtivo, que maximiza a utilidade dos consumidores. Morre, portanto, o crescimento económico moderno.
Juan Ramón Rallo é um economista, influencer e professor universitário espanhol, destacando-se como uma das principais vozes liberais da atualidade em língua castelhana. O seu livro Liberalismo: Os 10 princípios fundamentais da ordem política liberal encontra-se publicado em Portugal.
O presente artigo é uma adaptação do vídeo publicado pelo autor no seu canal de Youtube. Para mais informação sobre os contributos dos laureados deste ano, visitar o comunicado de imprensa oficial e os recursos nele recomendados.
Tradução e adaptação: Pedro Almeida Jorge.
Ilustrações: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach
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