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A Troca e o Valor

João de Andrade Corvo

Economia, Autores Portugueses, Nível Introdutório, Excertos e Ensaios

Português

Uma das maneiras mais comuns de aumentarmos a riqueza consiste na troca ou câmbio dos produtos uns pelos outros. O número das necessidades dos homens cresce com o desenvolvimento da civilisação; e esse crescimento é tão grande e tão rapido, que se, mutuamente, aqueles se não auxiliassem com o seu trabalho, a existência das sociedades se tornaria impossível. Já vimos como, muito naturalmente e por conveniência de todos, os homens entre si repartem as diversas funções e dividem o trabalho da produção; como desta divisão de trabalho resulta maior produção, e como melhor se aproveita o auxílio que às indústrias dão as forças da natureza e as máquinas. Nestas circunstâncias, a satisfação das necessidades dos homens seria impossível sem a ação da troca. «Dando aquilo de que não precisa em câmbio daquilo de que necessita», o homem, embora não produza senão exclusivamente um objecto, pode, pela troca, alcançar com que satisfazer as suas necessidades. Compreende-se a troca de objetos úteis, de riquezas; depende do óbvio princípio de que cada uma de nossas necessidades, tomada em separado, necessita de uma porção limitada de um artigo para ficar satisfeita. Quem tem por dia três libras de pão, não pode necessitar de mais pão; pode, porém, ter enérgica necessidade de carne, de vinho, de café. Se encontrar quem tenha mais carne do que precisa, mas a quem falte pão, os dois se combinarão e, por meio da troca, os dois chegarão a ter o de que carecem. O que houve aqui? Houve troca «do que era comparativamente supérfluo pelo que era comparativamente necessário.»

Para as necessidades e os desejos que delas nascem, não há limites determinados; mas o certo é que há limites, e que o que excede esses limites pode servir, e serve, de elemento de troca. Nada há, por exemplo, mais necessário do que a água. Tem, contudo, limites a necessidade que dela temos; e a intensidade de uma tal necessidade varia com as circunstâncias, e principalmente com o uso que dela intentamos fazer. Um copo de água num deserto pode salvar a vida de um homem; e a sua utilidade é, em tal caso, inapreciável. Com dois a três litros por dia, um individuo tem água para beber e fazer a preparação dos alimentos. De cinco a dez litros se precisam absoIutamente para a limpeza. Mas, daí por diante, facilmente se chega a um ponto em que mais largo suprimento de água se torna de muito menor importância. Hoje calcula-se, aproximadamente, em cem a cento-e-vinte litros por dia e por cabeça, o abastecimento completo de uma cidade: um abastecimento superior não tem senão uma pequena utilidade, que não compensa as despesas necessárias para obter uma quantidade grande de água. Quando a água excede os limites convenientes, pode produzir e produz estragos e calamidades; como sucede numa inundação.

***

Consideram os economistas como riqueza tudo o que é mediata ou imediatamente útil ao homem, que existe em quantidade limitada, e que se pode transferir de uma pessoa para outra. Quando está satisfeita a necessidade que o homem tem de uma certa riqueza, não quer mais; mas pode necessitar de outra coisa, que pela troca pode alcançar. Por esta forma se reconhece que a troca produz ganho de utilidade.

Suponhamos três produtores, que ao mesmo tempo são consumidores, – como sempre acontece – um chapeleiro, com grande provisão de chapéus no seu armazém, mas a quem faltam pão e sapatos; um sapateiro, com muita obra em depósito, mas faltando-lhe chapéu e pão; e, enfim, um padeiro bem provido de pão, mas sem chapéu nem sapatos. Cada um destes produtores tomou para si, dos produtos da sua indústria, quanto lhe era necessario; o resto é-lhe supérfluo, não tem para ele utilidade imediata. Entendem-se, porém, os três e, por  eio de tro as, satisfazem as suas mútuas necessidades. O chapeleiro dá chapéus por sapatos e pão; o sapateiro dá sapatos por chapéu e pão, de que necessita; o padeiro dá pão para se calçar e cubrir a cabeça. Cada um dos produtos que para o produtor, já bem provido, não tinha utilidade, ganha-a ao chegar a quem dele precisa. A troca torna possível a satisfação das necessidades de cada um e aumenta a utilidade dos objectos trocados.

O que levamos dito mostra a necessidade das trocas; e prova que estas criam valor. – O comércio, aproximando os produtos de quem os necessita, produz utilidade, cria riqueza.

Para muitos se levanta, como objeção ao que acabamos de notar, a consideração de que da troca nenhuma riqueza resulta, porque o que se dá é igual ao que se recebe. Outros vão mais longe, e pensam que, se uma das partes ganha, é porque a outra necessariamente perde ou é espoliada.

Não há dúvida de que, nas trocas, o que é dado deve realmente igualar em valor o que se recebe em troca; mas não o iguala em utilidade, para quem o recebe, porque nesse caso não existiria a troca; esta, pois, aumenta a utilidade das coisas, o que é o fim de toda a produção e de todo o comércio.

Por meio da troca não se dá pelas coisas na proporção da sua utilidade e da importância da necessidade que elas podem satisfazer; senão, o ar e a água seriam das coisas de maior custo no mundo. Há, pois, outros motivos que influem poderosamente no ato da troca. Para disto se fazer uma ideia clara, é necessário ter uma noção verdadeira do que é o valor.

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Já anteriormente dissemos que o valor é determinado pela troca; é o resultado da estimação que as coisas têm para nós no ato da troca. Não é nos objetos que, propriamente, está o valor; é sim no espírito dos que desejam obtê-los por meio de troca.

Quando se fala do valor de uma coisa, é sempre por comparação que chegamos a formar ideia desse valor. Entende-se sempre por valor a proporção na troca. O quanto de uma coisa se dá por outra coisa, é o que nos indica a palavra valor. Há, pois, sempre duas coisas que se comparam: uma só não nos daria uma positiva noção do valor.

As coisas têm para o homem valor, quando lhe são fornecidas em quantidade limitada e em tempo oportuno. A utilidade, já o sabemos, não é uma qualidade intrínseca das coisas; não se pode confundir com as propriedades físicas, das quais a utilidade depende. Utilidade e valor são acidentes das coisas, que dependem do facto de que alguém delas precisa; e o grau de utilidade, e a importância do valor resultante, dependem da proporção em que o desejo dessas coisas tem previamente sido satisfeito.

Cada ato de troca se nos apresenta sob a forma da razão entre dois números. O uso da palavra valor é o modo de exprimir essa razão.

Excerto do capítulo IX da obra Economia Política para Todos, publicada em 1881 pelo político liberal português João de Andrade Corvo (1824-1890).

Transcrição e adaptação ortográfica: Pedro Almeida Jorge.

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