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As Novas Gerações e a Burocracia

Ludwig von Mises

Excertos e Ensaios, Escola Austríaca, Empreendedorismo, Concorrência e Regulação, Economia, Filosofia Política, Direito e Instituições, Socialismo e Comunismo, Governo, Finanças Públicas e Tributação, Nível Introdutório, Liberalismo e Capitalismo

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É evidente que a juventude é a principal vítima da deriva burocratizante. Os jovens vêem-se privados de qualquer oportunidade de moldar o seu próprio futuro. Para eles, não resta nenhuma oportunidade. São, de facto, “gerações perdidas”, pois foi-lhes roubado o mais precioso direito de qualquer nova geração, o direito de contribuir com algo novo para o velho inventário da civilização. O slogan: “A humanidade atingiu o seu estado de maturidade” representa a sua tragédia. O que significa ser jovem quando nada resta mudar ou melhorar, quando a única perspetiva é entrar na fileira inferior da ravina burocrática e escalá-la lentamente, segundo as regras formuladas pelos superiores mais velhos? Do ponto de vista da juventude, a burocratização significa a sujeição dos jovens ao domínio dos velhos. No fim de contas, é um regresso a uma espécie de sistema de castas.

Em todas as nações e civilizações – nas eras que precederam o florescimento do liberalismo moderno e do seu descendente, o capitalismo – a sociedade baseava-se em status. A nação dividia-se em castas. Havia as castas privilegiadas dos reis e dos nobres, e as castas subjugadas dos servos e dos escravos. Um homem nascia em determinada casta, permanecia nela durante toda a vida e deixava esse mesmo legado aos seus filhos. Aquele que nascesse numa das castas inferiores estaria para sempre privado do direito de atingir um estatuto reservado aos privilegiados. O liberalismo e o capitalismo aboliram todas essas discriminações, tornando toda a gente igual perante a lei. A partir desse momento, qualquer um passou a ser livre de competir por qualquer lugar na comunidade.

O marxismo oferece uma interpretação diferente dos feitos do liberalismo. O principal dogma de Karl Marx era a doutrina do conflito irreconciliável das classes económicas. A sociedade capitalista divide-se em classes cujos interesses são antagónicos. Dessa forma, a luta de classes é inevitável. Somente desaparecerá na futura sociedade sem classes do socialismo.

O facto mais notável desta doutrina é que nunca foi explicitamente exposta. No Manifesto Comunista, os exemplos utilizados para demonstrar a existência de uma luta de classes baseiam-se, precisamente, num conflito entre castas. Em seguida, Marx acrescenta que a sociedade burguesa moderna estabeleceu novas classes. Contudo, nunca nos disse o que é uma classe e o que tinha em mente quando falava dessas classes e dos seus antagonismos e quando as comparava às castas. Todos os seus escritos se centram nestes termos que nunca chega a definir. Apesar de infatigável na publicação de livros e artigos cheios de definições sofisticadas e minudências escolásticas, Marx nunca tentou explicar numa linguagem sem ambiguidades quais eram as marcas características de uma classe económica. Quando faleceu, trinta e cinco anos após a publicação do Manifesto Comunista, deixou por terminar o manuscrito do terceiro volume do seu principal tratado, O Capital. E, notavelmente, o manuscrito termina precisamente no ponto em que nos ia oferecer a explicação desta noção fundamental para toda a sua filosofia. Nem Marx nem qualquer um dos pertencentes às hostes marxistas conseguiram explicar o que é uma classe social, e muito menos ainda se tais classes sociais desempenham, de facto, na estrutura social, o papel que a doutrina lhes prescreve. Como é óbvio, de um ponto de vista lógico, é permissível classificar as coisas de acordo com qualquer característica que escolhamos. A questão é se tal classificação, com base nas características selecionadas, se revela útil para novas investigações e para a clarificação e amplificação do nosso conhecimento. A questão não é, portanto, a de saber se as classes de Marx realmente existem, mas sim se realmente têm a importância que Marx lhes atribui. Marx não conseguiu fornecer uma definição precisa para o conceito de classe social que tanto havia utilizado nos seus escritos, de uma forma vaga e indeterminada, precisamente porque tal definição deixaria a descoberto a futilidade e a inutilidade de tal conceito para lidar com os problemas económicos e sociais, bem como o quão absurdo é equivalê-lo ao de castas sociais.

O traço característico de uma casta é a sua rigidez. As classes sociais, tal como Marx as exemplificava ao referir-se aos capitalistas, aos empresários e aos assalariados enquanto classes distintas, são caracterizadas pela sua flexibilidade. Há uma mudança permanente na composição das várias classes. Onde param hoje os descendentes dos empresários do tempo de Marx? E que era feito, no tempo de Marx, dos antepassados dos empresários de hoje? O acesso aos vários níveis da sociedade capitalista moderna está aberto a toda a gente. Podemos chamar aos senadores americanos uma classe sem com isso ferir os princípios da lógica. Contudo, seria um erro equivalê-los a uma classe aristocrática hereditária, ainda que os senadores de hoje possam ser descendentes dos senadores de outrora.

Já foi realçado anteriormente que as forças anónimas operantes no mercado determinam constante e renovadamente quem deverá ser empresário e quem deverá ser capitalista. Os consumidores votam, por assim dizer, em quem deve ocupar as posições determinantes da estrutura económica do País.

Ora, num sistema socialista não existem nem empresários nem capitalistas. Nesse sentido, aquilo a que Marx chamou de classe não existirá, pelo que até estava certo ao chamar ao socialismo uma sociedade sem classes. Mas isso pouco nos consola. Existirão outras diferenças ao nível das funções sociais desempenhadas às quais poderemos, certamente, e com tanta justificação como Marx, chamar de classes. Uns emitirão ordens e outros estarão condenados a obedecer a essas ordens incondicionalmente; uns traçarão planos e outros terão como trabalho executar esses planos.

A única coisa que importa é o facto de que, no capitalismo, cada qual é o arquiteto do seu próprio destino. Um rapaz cheio de vontade de melhorar a sua situação terá de confiar na sua própria força e no seu próprio esforço. O voto dos consumidores faz um julgamento sem olhar a personalidades. Os feitos do candidato, e não a sua pessoa, são o que importa. Um trabalho bem feito e um serviço bem prestado são os únicos caminhos para o sucesso.

Pelo contrário, no socialismo, o iniciante terá de agradar aos já instalados. E eles não gostam de novatos demasiado eficientes. (Assim como os empresários antigos e já instalados não gostam de tais inovadores; mas, perante a supremacia do consumidor, não têm como impedir a sua concorrência.) Na máquina burocrática do socialismo, o caminho para a promoção não se baseia no mérito e nos feitos mas sim em obter o favor dos superiores. A juventude depende inteiramente da boa vontade dos funcionários mais antigos. A nova geração encontra-se à mercê dos antiquados.

Não vale a pena negar este facto. Não há classes marxistas numa sociedade socialista. Mas há um conflito irreconciliável entre os que apoiam Estaline ou Hitler e aqueles que não o fazem. E é simplesmente da natureza humana que um ditador prefira aqueles que partilham das suas opiniões e louvam o seu trabalho àqueles que não o fazem.

Foi em vão os fascistas italianos terem feito de um hino à juventude a sua canção de partido, assim como foi em vão os socialistas austríacos terem ensinado as crianças a cantar: “Somos jovens e isso é bom.” Não é bom ser jovem perante uma administração burocrática. O único direito de que os jovens gozam neste sistema é o de serem dóceis, submissos e obedientes. Não há lugar para os inovadores desregrados que tenham as suas próprias ideias.

Estamos perante algo maior do que uma crise da juventude. É uma crise do progresso e da civilização. A humanidade está condenada no momento em que os jovens são privados da oportunidade de remodelar a sociedade ao seu gosto.

Excerto do capítulo VI da obra Bureaucracy (1944), do economista austríaco Ludwig von Mises.

Tradução e narração: Pedro Almeida Jorge.

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