Mais Liberdade
  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Instagram
  • Linkedin

Capitalismo de Estado, uma erva daninha

José Manuel Moreira

Governo, Finanças Públicas e Tributação, Intervencionismo e Protecionismo, Liberalismo e Capitalismo, Filosofia Política, Direito e Instituições, Empreendedorismo, Concorrência e Regulação, Excertos e Ensaios

Português

Bem sabemos que Schumpeter foi muito criticado por profetizar o fim do capitalismo no seu famoso livro de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia. Mas temos que reconhecer que o capitalismo a que se referia era o inovador, o capitalismo dos empresários criadores de riqueza. Um capitalismo em que as crises são purgas de actividades obsoletas devidas às inovações. Sistema que a pouco e pouco foi dando lugar a um capitalismo de Estado de cunho social-democrata. Um capitalismo clientelar/socialismo de compadrio que assenta numa relação promíscua entre os interesses instalados no aparelho do Estado: políticos e burocratas, sindicais e empresariais. Um corporativismo que usa a lei para beneficiar os grupos que dominam a máquina estatal. Substituindo instituições inclusivas – como o mercado – por instituições extractivas que incentivam um jogo de soma nula entre os grupos que lutam pela captura do Estado. Visando, não a criação de riqueza com base na cooperação social, mas o enriquecimento por via de uso abusivo do poder estatal: “em vez de limitar a acção governamental à protecção da vida, da saúde, da liberdade e da propriedade contra todo o tipo de assalto” (Mises).

Daí que a crise actual não deva ser tida como uma purga devida a inovações, uma destruição criadora, mas resultante destruidora da riqueza por grupos de interesse. Dando, por certo, razão a Schumpeter e mais ainda a Mises quando no seu Liberalismus afirma: «Costuma pensar-se que o liberalismo se distingue de outras tendências políticas por procurar beneficiar uma determinada classe – constituída por possuidores, capitalistas e grandes empresários – em prejuízo do resto da população. Mas erradamente. O liberalismo pugnou sempre pelo bem de todos. Objetivo que os utilitaristas ingleses pretendiam descrever com a sua não muito acertada frase de “a máxima felicidade para o maior número possível.”»

Mises em A Acção Humana lamenta a falta de apoio franco e leal ao capitalismo do laissez-faire, a ponto de mesmo sectores empresariais deixarem de ser liberais: ao não defenderem a autêntica economia de mercado e a livre empresa e ao reclamarem todo o tipo de intervenções estatais na vida dos negócios. Uma perda de sentido da verdadeira economia de mercado, que acabou por ajudar ao convencimento das pessoas comuns de que é o “capitalismo” que provoca as desagradáveis medidas restritivas que o governo tende a adoptar.

Mas Mises, além de antecipar o capitalismo de Estado a que – na parte final de um seu outro livro, A Mentalidade Anticapitalista – profeticamente chamou “paternalista”, também soube denunciar os que, proclamando-se “anticomunistas liberais”, estabelecem uma ilusória distinção entre comunismo e socialismo para fundamentar um “socialismo não comunista”. Propondo-se até, para expressar a bondade da sua causa, substituir o termo socialismo por vocábulos como planificação e estado paternalista.

Uma espécie de totalitarismo não totalitário que, com o tempo, se foi transformando num Estado maternal que Mises também previu: “quando se abandona o princípio de que o Estado não deve intervir na vida privada dos cidadãos, acabamos por querer regular até os seus ínfimos detalhes”. Acresce que, desaparecendo a liberdade individual, o ser humano torna-se um escravo da comunidade, constrangido a obedecer aos ditames da maioria. Um caminho de servidão voluntária que alimentou o monstruoso crescimento do Estado.

Longe vai o tempo (1919) em que o “socialista” Schumpeter se queixava de que o Estado absorvia já mais de 5% do PIB. Entretanto, o condicionamento do trabalho e o crescente gasto público através de impostos – que se tornaram progressivos (ou seja, subjectivos) em nome do igualitarismo – revelaram-se conceitos fundamentais de um Estado social-democrata propenso a transformar a democracia em plutocracia.

Foi assim que o capitalismo defendido por Mises – que “desproletariza” a classe trabalhadora e a eleva à categoria de “burguesa” – deu em Estado corporativo. Com a “democracia do mercado”, assente na cooperação social e na inclusão a ceder perante um “mercado político” que manipula a exclusão, o ressentimento e a frustração.

Max Scheler falava do “pacifismo conformista dos domesticados seres modernos”. Hoje falar-se-ia em rebanhos de servos teledirigidos. Podendo o conformismo, mesmo dos melhor situados na estrutura do poder, nascer do engano, do espírito de bem-estar, da resignação ou da própria estupidez. Admitindo que há épocas estúpidas – a totalitária seria uma delas – somos obrigados a reconhecer (com A. Glucksmann: A Estupidez. Ideologias do pósmodernismo) que a decadência das sucessivas reformas educativas na Europa é ilustrativa do progresso cada vez mais veloz da idiotice colectiva capitaneada pelos legisladores. Daí que não surpreenda que o Estado de Bem-estar Minotauro tenda a preencher os cargos políticos e os seus gabinetes com pessoas mais estúpidas do que perversas, e com pretensão de que os outros, igualando-as, sejam tão estúpidos como elas.

Mises por certo concordaria que os Estados paternalistas obrigam e impõem; enquanto os maternais enganam e seduzem, procurando assim quebrar a resistência sem coacção aparente, para suscitar um conformismo infantil.

Será que vamos a tempo de perceber que o problema político mais grave não é o do financiamento das instituições colectivas, mas o crescente controlo que o Estado central e os seus tentáculos burocráticos exercem sobre a vida civilizada? Razão tem Ortega y Gasset: “O perigo maior que hoje ameaça a civilização é a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda a espontaneidade social pelo Estado: ou seja, a anulação histórica da acção espontânea que, a longo prazo, sustenta, nutre e impele os destinos humanos.”

Entretanto, os partidos do consenso político (falsificador do consenso social) vão-se convertendo em cancro da democracia. Antros de mediocridade e corrupção onde pululam os piores homens e ultimamente muitas mulheres. Terreno fértil para o crescimento vil da demagogia que une radicalismos e populismos de sinal contrário. Dando palco político a delinquentes e ressentidos que não só desprezam a vida, o direito e a propriedade, como nos levaram a crer que a desigualdade é um problema – e até um escândalo – sem nos darmos conta de que quanto mais o Estado distribui a riqueza mais esta se concentra nos governantes, aumentando a pobreza dos habitantes.

Escândalo que prossegue quando Obama compara, sem tomar partido, o comunismo ao capitalismo: “escolham o que funcionar melhor”. Omitindo que um dos sistemas não permite a livre escolha dos “beneficiados” pelo Paraíso. A falta que ainda faz, mesmo nos EUA, a lição de Mises!

Publicado originalmente em italiano, como “Il Capitalismo di Stato, una pianta infestante” in Mercato & Cooperazione Sociale, la Lezione di Mises, Revista Liber@mente, 2, 2016, p. 12.

Retirado do livro Compreender para Mudar o Estado a que Chegámos, 2017, Bnomics.

Cortesia do autor e da editora Bnomics.

Colaboração na edição: Pedro Afonso Pedrosa dos Santos.

Instituto +Liberdade

Em defesa da democracia-liberal.

  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Instagram
  • Linkedin

info@maisliberdade.pt
+351 936 626 166

© Copyright 2021-2024 Instituto Mais Liberdade - Todos os direitos reservados

Este website utiliza cookies no seu funcionamento

Estas incluem cookies essenciais ao funcionamento do site, bem como outras que são usadas para finalidades estatísticas anónimas.
Pode escolher que categorias pretende permitir.

Este website utiliza cookies no seu funcionamento

Estas incluem cookies essenciais ao funcionamento do site, bem como outras que são usadas para finalidades estatísticas anónimas.
Pode escolher que categorias pretende permitir.

Your cookie preferences have been saved.