Governo, Finanças Públicas e Tributação, Intervencionismo e Protecionismo, Liberalismo e Capitalismo, Filosofia Política, Direito e Instituições, Empreendedorismo, Concorrência e Regulação, Excertos e Ensaios
Bem sabemos que Schumpeter foi muito criticado por profetizar o fim do capitalismo no seu famoso livro de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia. Mas temos que reconhecer que o capitalismo a que se referia era o inovador, o capitalismo dos empresários criadores de riqueza. Um capitalismo em que as crises são purgas de actividades obsoletas devidas às inovações. Sistema que a pouco e pouco foi dando lugar a um capitalismo de Estado de cunho social-democrata. Um capitalismo clientelar/socialismo de compadrio que assenta numa relação promíscua entre os interesses instalados no aparelho do Estado: políticos e burocratas, sindicais e empresariais. Um corporativismo que usa a lei para beneficiar os grupos que dominam a máquina estatal. Substituindo instituições inclusivas – como o mercado – por instituições extractivas que incentivam um jogo de soma nula entre os grupos que lutam pela captura do Estado. Visando, não a criação de riqueza com base na cooperação social, mas o enriquecimento por via de uso abusivo do poder estatal: “em vez de limitar a acção governamental à protecção da vida, da saúde, da liberdade e da propriedade contra todo o tipo de assalto” (Mises).
Daí que a crise actual não deva ser tida como uma purga devida a inovações, uma destruição criadora, mas resultante destruidora da riqueza por grupos de interesse. Dando, por certo, razão a Schumpeter e mais ainda a Mises quando no seu Liberalismus afirma: «Costuma pensar-se que o liberalismo se distingue de outras tendências políticas por procurar beneficiar uma determinada classe – constituída por possuidores, capitalistas e grandes empresários – em prejuízo do resto da população. Mas erradamente. O liberalismo pugnou sempre pelo bem de todos. Objetivo que os utilitaristas ingleses pretendiam descrever com a sua não muito acertada frase de “a máxima felicidade para o maior número possível.”»
Mises em A Acção Humana lamenta a falta de apoio franco e leal ao capitalismo do laissez-faire, a ponto de mesmo sectores empresariais deixarem de ser liberais: ao não defenderem a autêntica economia de mercado e a livre empresa e ao reclamarem todo o tipo de intervenções estatais na vida dos negócios. Uma perda de sentido da verdadeira economia de mercado, que acabou por ajudar ao convencimento das pessoas comuns de que é o “capitalismo” que provoca as desagradáveis medidas restritivas que o governo tende a adoptar.
Mas Mises, além de antecipar o capitalismo de Estado a que – na parte final de um seu outro livro, A Mentalidade Anticapitalista – profeticamente chamou “paternalista”, também soube denunciar os que, proclamando-se “anticomunistas liberais”, estabelecem uma ilusória distinção entre comunismo e socialismo para fundamentar um “socialismo não comunista”. Propondo-se até, para expressar a bondade da sua causa, substituir o termo socialismo por vocábulos como planificação e estado paternalista.
Uma espécie de totalitarismo não totalitário que, com o tempo, se foi transformando num Estado maternal que Mises também previu: “quando se abandona o princípio de que o Estado não deve intervir na vida privada dos cidadãos, acabamos por querer regular até os seus ínfimos detalhes”. Acresce que, desaparecendo a liberdade individual, o ser humano torna-se um escravo da comunidade, constrangido a obedecer aos ditames da maioria. Um caminho de servidão voluntária que alimentou o monstruoso crescimento do Estado.
Longe vai o tempo (1919) em que o “socialista” Schumpeter se queixava de que o Estado absorvia já mais de 5% do PIB. Entretanto, o condicionamento do trabalho e o crescente gasto público através de impostos – que se tornaram progressivos (ou seja, subjectivos) em nome do igualitarismo – revelaram-se conceitos fundamentais de um Estado social-democrata propenso a transformar a democracia em plutocracia.
Foi assim que o capitalismo defendido por Mises – que “desproletariza” a classe trabalhadora e a eleva à categoria de “burguesa” – deu em Estado corporativo. Com a “democracia do mercado”, assente na cooperação social e na inclusão a ceder perante um “mercado político” que manipula a exclusão, o ressentimento e a frustração.
Max Scheler falava do “pacifismo conformista dos domesticados seres modernos”. Hoje falar-se-ia em rebanhos de servos teledirigidos. Podendo o conformismo, mesmo dos melhor situados na estrutura do poder, nascer do engano, do espírito de bem-estar, da resignação ou da própria estupidez. Admitindo que há épocas estúpidas – a totalitária seria uma delas – somos obrigados a reconhecer (com A. Glucksmann: A Estupidez. Ideologias do pósmodernismo) que a decadência das sucessivas reformas educativas na Europa é ilustrativa do progresso cada vez mais veloz da idiotice colectiva capitaneada pelos legisladores. Daí que não surpreenda que o Estado de Bem-estar Minotauro tenda a preencher os cargos políticos e os seus gabinetes com pessoas mais estúpidas do que perversas, e com pretensão de que os outros, igualando-as, sejam tão estúpidos como elas.
Mises por certo concordaria que os Estados paternalistas obrigam e impõem; enquanto os maternais enganam e seduzem, procurando assim quebrar a resistência sem coacção aparente, para suscitar um conformismo infantil.
Será que vamos a tempo de perceber que o problema político mais grave não é o do financiamento das instituições colectivas, mas o crescente controlo que o Estado central e os seus tentáculos burocráticos exercem sobre a vida civilizada? Razão tem Ortega y Gasset: “O perigo maior que hoje ameaça a civilização é a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda a espontaneidade social pelo Estado: ou seja, a anulação histórica da acção espontânea que, a longo prazo, sustenta, nutre e impele os destinos humanos.”
Entretanto, os partidos do consenso político (falsificador do consenso social) vão-se convertendo em cancro da democracia. Antros de mediocridade e corrupção onde pululam os piores homens e ultimamente muitas mulheres. Terreno fértil para o crescimento vil da demagogia que une radicalismos e populismos de sinal contrário. Dando palco político a delinquentes e ressentidos que não só desprezam a vida, o direito e a propriedade, como nos levaram a crer que a desigualdade é um problema – e até um escândalo – sem nos darmos conta de que quanto mais o Estado distribui a riqueza mais esta se concentra nos governantes, aumentando a pobreza dos habitantes.
Escândalo que prossegue quando Obama compara, sem tomar partido, o comunismo ao capitalismo: “escolham o que funcionar melhor”. Omitindo que um dos sistemas não permite a livre escolha dos “beneficiados” pelo Paraíso. A falta que ainda faz, mesmo nos EUA, a lição de Mises!
Publicado originalmente em italiano, como “Il Capitalismo di Stato, una pianta infestante” in Mercato & Cooperazione Sociale, la Lezione di Mises, Revista Liber@mente, 2, 2016, p. 12.
Retirado do livro Compreender para Mudar o Estado a que Chegámos, 2017, Bnomics.
Cortesia do autor e da editora Bnomics.
Colaboração na edição: Pedro Afonso Pedrosa dos Santos.
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