Excertos e Ensaios, Economia, Liberalismo e Capitalismo, Saúde, Educação e Habitação
As instituições para a educação da juventude podem, do mesmo modo, ter um rédito suficiente para satisfazer as suas despesas. A propina ou honorários que o aluno paga ao mestre constitui naturalmente um rédito desse tipo.
Mesmo nos casos em que a remuneração do mestre não provém no seu conjunto deste rédito natural, não é ainda necessário que derive do rédito geral da sociedade, do qual a colecta e aplicação são, em grande parte dos países, da responsabilidade do poder executivo. Assim, em grande parte da Europa, as dotações atribuídas às escolas e colégios não pesam sobre esse rédito geral, ou apenas sobre uma pequena parte. Em todo o lado resulta sobretudo de algum rédito local ou regional, da renda de alguma propriedade fundiária, ou do juro de alguma soma de dinheiro confiada e posta sob a administração de provedores para este particular propósito, às vezes pelo próprio soberano, outras vezes por qualquer doador privado.
Essas dotações públicas terão contribuído de uma maneira geral para promover o objectivo da sua instituição? Contribuíram para estimular a diligência dos professores e melhorar as suas capacidades? Orientaram o curso da educação para objectivos mais úteis, tanto a nível individual como público, do que aqueles para os quais se teria naturalmente dirigido de seu moto-próprio? Não pareceria muito difícil dar pelo menos uma resposta provável a cada uma destas perguntas.
Em qualquer profissão, o exercício de grande parte dos que a exercem é sempre proporcional à necessidade que têm de a exercer. Esta necessidade é maior naqueles para quem os emolumentos da sua profissão são a única fonte da qual esperam a sua fortuna, ou mesmo o seu rédito ordinário e subsistência. Para adquirir esta fortuna, ou para conseguir a sua subsistência, é necessário que executem, durante um ano, uma determinada quantidade de trabalho de valor reconhecido; e, onde a concorrência é livre, a rivalidade entre os concorrentes, procurando empurrar-se uns aos outros para fora do emprego, obriga cada um a esforçar-se por executar o seu trabalho com um certo grau de rigor. A grandeza dos objectivos a conquistar pelo sucesso, nalgumas profissões particulares, pode por vezes, sem dúvida, animar o exercício de alguns homens de extraordinário espírito e ambição. Os grandes objectivos, contudo, não são logicamente necessários para dar origem aos melhores desempenhos. A rivalidade e a emulação proporcionam de forma excelente, mesmo nas profissões medíocres, um objecto de ambição, e frequentemente ocasionam os mais notáveis desempenhos de uma profissão. Objectivos elevados, pelo contrário, isolados e sem o apoio da necessidade de aplicação, raramente foram suficientes para dar origem a qualquer exercício profissional digno de nota.
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As dotações das escolas e colégios fizeram necessariamente diminuir mais ou menos a necessidade de aplicação nos professores. A sua subsistência, na medida que resulta dos salários, é obtida naturalmente a partir de um fundo completamente independente do êxito e reputação nas suas particulares profissões.
Em algumas universidades o salário constitui apenas uma parte, e frequentemente apenas uma pequena parte, dos emolumentos do professor, dos quais a maior parte resulta dos honorários ou propinas dos seus alunos. A necessidade de aplicação, embora sempre mais ou menos reduzida, não está neste caso completamente posta de lado. A reputação na sua profissão tem ainda alguma importância para ele, e ainda está de algum modo dependente da amizade, gratidão e opinião favorável daqueles que frequentaram as suas lições; e não há melhor maneira de ele ganhar estes sentimentos favoráveis do que merecê-los, e isso exactamente através das capacidades e diligência com que cumprir todos os aspectos da sua obrigação.
Noutras universidades o professor está proibido de receber qualquer honorário ou propina dos alunos, e o seu salário constitui a totalidade do rédito que obtém da sua função. O seu interesse, neste caso, coloca-se o mais possível directamente em oposição ao seu dever. É o interesse de qualquer pessoa viver o mais desafogadamente possível; e se os seus emolumentos vão ser precisamente os mesmos, quer ele execute ou não qualquer trabalho laborioso, naturalmente que o seu interesse, tal como este é entendido vulgarmente, é, ou negligenciá-lo totalmente, ou, se estiver sujeito a qualquer autoridade que o não permita, executar o seu trabalho tão descuidada e negligentemente quanto essa autoridade o permitir. Se for naturalmente activo e amante do seu trabalho, o seu interesse será empregar essa actividade de tal modo que possa obter daí qualquer vantagem e não na execução da sua função, da qual não tira qualquer benefício.
Se a autoridade a que o professor está sujeito reside na corporação, o colégio ou universidade do qual é membro, e na qual grande parte dos outros membros são, tal como ele, pessoas que ou são ou deviam ser professores; são propensos a fazer causa comum, a serem todos muito indulgentes uns para com os outros, consentindo cada um que os outros sejam negligentes no cumprimento da sua função, desde que também ele possa negligenciar a sua. Na universidade de Oxford, a maior parte dos professores desistiram nestes últimos anos até mesmo da pretensão de ensinar.
Se a autoridade a que está sujeito não reside na corporação da qual é membro, mas sim em quaisquer outras pessoas não directamente relacionadas com ela, por exemplo, no bispo da diocese, no governador da província ou, talvez, nalgum ministro de estado, não é muito provável neste caso que lhe seja permitido negligenciar completamente o seu trabalho. No entanto, o máximo que esses superiores podem forçá-lo a fazer é ter que dar ao aluno um certo número de horas, ou seja, dar um número determinado de aulas por semana ou por ano. O que essas aulas vão ser, deve ainda depender da diligência do professor; e essa diligência é naturalmente proporcional aos motivos que o levam a exercê-la. Uma jurisdição exterior deste género está, além disso, sujeita a ser exercida com ignorância e de forma irregular. Pela sua natureza é arbitrária e discricionária, e as pessoas que a exercem, não assistindo elas próprias às aulas do professor nem estando no conhecimento da matéria que é seu mister ensinar, raramente podem exercê-la judiciosamente. Também pela insolência da sua função, são frequentemente indiferentes ao modo como a exercem, sendo para eles fácil censurar o professor ou privá-lo do seu lugar irreflectidamente e sem qualquer justa causa. A pessoa que está sujeita a uma jurisdição deste género é naturalmente degradada por ela, tornando-se não em alguém respeitável mas, em vez disso, num dos mais insignificantes e desprezíveis elementos da sociedade. Apenas por uma protecção poderosa é que ele poderá preservar-se efectivamente do mau tratamento a que está a todos os momentos exposto; e a forma mais provável de vir a ganhar essa protecção é não através da competência com que exerce a sua função mas pelo servilismo em relação à vontade dos seus superiores e pela prontidão com que, em qualquer altura, sacrifica a essa vontade os direitos, interesses e a honra da corporação de que é membro.
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A instituição caritativa de bolsas, dotações e prémios a estudantes, liga necessariamente um certo número de alunos a determinados colégios, independentemente do mérito desses mesmos colégios. Se os estudantes, usufruindo dessas instituições caritativas, tivessem a liberdade de escolher o colégio de que mais gostassem, isso talvez contribuísse para estimular certa competição entre os diferentes colégios. Pelo contrário, um regulamento que proibisse, mesmo aos membros independentes de qualquer colégio particular, abandonarem-no para passarem a frequentar qualquer outro, sem que essa saída fosse requerida e autorizada pelo colégio que queriam deixar, contribuía para extinguir em grande parte essa emulação.
Se em cada colégio, o tutor ou professor que deveria ensinar a cada estudante todas as artes e ciências, não fosse voluntariamente escolhido pelo estudante, mas indicado pelo director do colégio, e se, em caso de negligência, incapacidade ou mau tratamento, não fosse permitido ao estudante substituí-lo por outro, sem saída requerida e permitida; tal regulamento não só contribuiria para extinguir toda a emulação entre os diferentes tutores do mesmo colégio, como para diminuir consideravelmente em todos eles a necessidade de diligência e atenção aos respectivos alunos. Tais professores, embora muito bem pagos pelos seus estudantes, poderiam estar dispostos a negligenciar o seu trabalho, tanto como aqueles que não são pagos pelos estudantes, ou que não têm outra recompensa a não ser o seu salário.
Se acontece que o professor é um homern de senso, deve ser muito desagradável para ele estar consciente, quando ensina os seus alunos, de que está a ler ou a dizer disparates, ou pouco mais do que isso. Também deve ser desagradável para ele observar que a maior parte dos estudantes abandonam as suas aulas, ou que as frequentam com sinais suficientemente evidentes de negligência, desdém e menosprezo. Se é obrigado a dar um número determinado de lições, só estes motivos, sem qualquer outro interesse, poderiam dispô-lo a esforçar-se seriamente por dá-las com qualidade tolerável. Contudo, poder-se-á recorrer a diferentes expedientes que, de facto irão mitigar todos esses incitamentos à diligência. O professor, em vez de explicar ele próprio aos alunos a ciência em que se propõe instruí-los, pode ler qualquer livro sobre esse assunto; e se o livro está escrito numa língua estrangeira e morta, ao traduzir-lho para a sua própria língua ou, e o que lhe daria ainda menos trabalho, pondo os alunos a traduzi-lo para ele, fazendo de quando em quando qualquer observação, pode gabar-se de que está a dar uma lição.
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A disciplina do colégio, ao mesmo tempo, pode permitir-lhe obrigar todos os seus alunos a frequentar assiduamente esta suposta aula, e a manter o mais decente e respeitoso comportamento durante todo o tempo de actuação do professor.
A disciplina dos colégios e universidades é criada geralmente, não para benefício dos estudantes, mas para o interesse, ou melhor, para facilidade dos mestres, e quer ele negligencie ou cumpra o seu dever, o de obrigar os estudantes a comportar-se para com ele em todos os casos, como se realizasse a sua tarefa com a maior diligência e capacidade. Isto parece supor perfeita sabedoria e virtude por um lado, e a maior fraqueza e loucura por outro. Contudo, nos casos em que o mestre executa de facto o seu trabalho, creio que não há exemplos de que a maior parte dos estudantes tenha alguma vez negligenciado o seu. Nenhuma disciplina é necessária para forçar a frequência às aulas que valha a pena de facto frequentar, como é bem sabido onde quer que seja que tais aulas sejam dadas. A força e a repressão podem, sem dúvida, ser necessárias até certo ponto para obrigar crianças ou rapazes muito jovens a atender a essas partes da educação que se pensa ser necessário que adquiram durante esse período inicial de vida; mas depois dos doze ou treze anos de idade, desde que o mestre cumpra o seu dever, a força e a repressão não são de um modo geral necessárias para realizar qualquer aspecto da educação do jovem. Tal é a generosidade de grande parte dos jovens que, longe de estarem na disposição de negligenciar ou menosprezar as indicações do seu mestre, desde que ele mostre a séria intenção de lhes ser útil, estão de um modo geral inclinados a perdoar muita incorrecção na realização do trabalho do professor, e às vezes até a esconder do público muita negligência pura.
É de observar que aqueles aspectos da educação, para o ensino dos quais não há instituições públicas, são geralmente mais bem ministrados. Quando um jovem vai a uma escola de esgrima ou de dança, nem sempre aprende a dançar ou a esgrimir muito bem; mas raramente se dá o caso que não chegue a aprender a esgrimir ou a dançar. Os bons efeitos de uma escola de equitação nem sempre são tão evidentes. A despesa de uma escola de equitação é tão grande, que na maior parte dos locais é uma instituição pública. As três partes essenciais da educação literária, ler, escrever e contar, continuam a ser mais vulgarmente adquiridas nas escolas privadas do que nas públicas; e só muito raramente acontece que alguém não chegue a adquiri-las no grau em que é necessário fazê-lo.
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Embora as escolas públicas e as universidades da Europa fossem originariamente concebidas apenas para a formação de uma profissão particular, a de religioso, e embora elas nem sempre tenham sido muito diligentes em instruir os seus alunos mesmo nas ciências que se supunha serem necessárias a essa profissão, foram contudo gradualmente chamando a si a educação de quase todas as outras pessoas, particularmente de quase todos os cavalheiros e homens de fortuna. Não se podia, ao que parece, adoptar melhor método de passar, com alguma vantagem, o longo intervalo entre a infância e esse período da vida em que os homens começam a dedicar-se seriamente aos negócios reais do mundo, negócios que o vão ocupar durante o resto dos seus dias. Grande parte do que é ensinado nas escolas e universidades, contudo, não parece ser a preparação mais adequada para esse objectivo.
Em Inglaterra está-se a tornar cada vez mais usual mandar os jovens viajar para países estrangeiros logo que saem da escola, não os enviando para qualquer universidade. Os nossos jovens, diz-se, regressam a casa geralmente mais evoluídos por efeito das suas viagens. Um jovem que vai ao estrangeiro aos dezassete ou dezoito anos, e regressa aos vinte e um, vem três ou quatro anos mais velho do que quando se ausentou e, nessa idade, é muito difícil não se progredir consideravelmente em três ou quatro anos. No decurso das suas viagens, adquire geralmente algum conhecimento de uma ou duas línguas estrangeiras, um conhecimento, contudo, que raramente é suficiente para o habilitar a escrever ou falar com correcção razoável nessa língua. Noutros aspectos, geralmente, volta a casa mais presumido, mais sem princípios, com hábitos mais dissolutos, tornando-se mais incapaz de qualquer aplicação séria, quer ao estudo quer aos negócios, do que se teria tornado em tão pouco tempo, se tivesse ficado no país. Ao viajar em tão jovem idade, ao despender na mais frívola dissipação os anos mais preciosos da sua vida, longe da inspecção e vigilância dos pais e amigos, qualquer hábito útil que a anterior educação recebida tenha tido tendência para desenvolver nele, em vez de se arreigar e confirmar, vai ficar necessariamente enfraquecido ou mesmo desaparecer. Só mesmo o descrédito em que as universidades se permitiram cair, poderia alguma vez ter promovido uma prática tão absurda como essa de viajar nesta época tão inicial da vida. Ao mandar o filho para o estrangeiro o pai liberta-se, pelo menos durante algum tempo, da visão desagradável de um filho inactivo, desleixado e que se degrada a seus olhos.
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Prontamente se admitirá que as capacidades civis e militares dos Gregos e dos Romanos foram pelo menos iguais às de qualquer nação moderna. O nosso preconceito é talvez antes exagerá-las. Mas excepto no que se refere a exercícios militares, o Estado parece não ter feito grandes esforços para formar essas capacidades.
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Ao que parece foram, contudo, encontrados mestres, para instruir as pessoas de melhor estirpe, entre essas nações, em todas as artes e ciências, de acordo com as necessidades e conveniências exigidas pelas circunstâncias da sociedade em que viviam. A procura de tal instrução produziu o que sempre produz, ou seja, o talento de a fornecer; e a emulação que uma competição sem restrições sempre provoca, parece ter elevado esse talento a um grau muito alto de perfeição.
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Actualmente a diligência dos professores modernos é mais ou menos corrompida pelas circunstâncias que os tornam mais ou menos independentes do seu sucesso e reputação nas suas profissões particulares. Também os salários que recebem põem o professor particular, que pretenderia entrar em competição com eles, na mesma situação de um mercador que tenta negociar sem subvenção, em competição com aqueles que negoceiam com uma subvenção considerável. Se vende os seus bens aproximadamente ao mesmo preço, não pode ter o mesmo lucro, e o seu destino será pelo menos penúria e pobreza extrema, se não mesmo bancarrota e ruína. Se tenta vendê-los muito mais caros, terá provavelmente tão poucos clientes que a sua situação não ficará remediada. Os privilégios da graduação, por outro lado, são necessários em muitos países, ou pelo menos extremamente convenientes, para grande parte daqueles que possuem profissões instruídas; ou seja, para grande parte daqueles que podem usufruir de uma educação através da instrução. Mas esses privilégios só se podem atingir frequentando as aulas de professores públicos. A mais aplicada frequência às melhores aulas de qualquer professor particular, nem sempre pode conceder qualquer direito a esses privilégios.
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Se não houvesse instituições públicas destinadas à educação não se ensinaria uma ciência, fosse ela qual fosse, para a qual não houvesse alguma espécie de procura, ou cuja aprendizagem as circunstâncias do tempo não tornassem necessariamente convenientes ou, pelo menos, em moda. Um professor particular nunca conseguiria ganhar a sua vida a ensinar, quer um sistema desacreditado e antiquado de uma ciência reconhecida como útil, quer uma ciência universalmente considerada como um mero amontoado inútil e pedante de sofística e absurdo. Tais sistemas, tais ciências não podem subsistir em parte nenhuma, a não ser nessas sociedades organizadas para a educação, cuja prosperidade e lucro são em grande medida independentes da sua reputação e no seu conjunto independentes da sua aplicação ao trabalho. Se não houvesse instituições públicas destinadas à educação, um cavalheiro depois de ter frequentado o curso de educação mais completo que as circunstâncias da época podiam fornecer, não poderia entrar na vida completamente ignorante de tudo o que é tema comum das conversas entre cavalheiros e homens do mundo.
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Poder-se-á perguntar se o público não deveria deste modo não prestar atenção à educação das pessoas? E a prestar alguma atenção, quais as diferentes partes da educação a que deveria atender, considerando as diferentes ordens de pessoas? E em que se deveria manifestar essa atenção?
Nalguns casos o estado da sociedade necessariamente coloca a maior parte dos indivíduos em situações tais que naturalmente neles se formam, sem qualquer ajuda do governo, quase todas as capacidades e virtudes que esse estado requer, ou pode talvez admitir. Noutros casos o estado da sociedade não coloca os indivíduos nessa situação, e é necessária alguma atenção do governo para impedir a quase total corrupção e degeneração da grande maioria das pessoas.
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A educação da gente comum, numa sociedade civilizada e comercial, requer talvez mais a atenção do público do que a educação das pessoas de posição e fortuna. Estes têm geralmente dezoito ou dezanove anos antes de entrar para o negócio particular, profissão ou ofício, através do qual pretendem distinguir-se neste mundo. Têm todo esse tempo antes para adquirir, ou pelo menos para se preparar para isso, todos os talentos que os podem recomendar ao apreço público, ou torná-los dignos dele. Os seus pais ou tutores estão na generalidade ansiosos por que eles realizem esses talentos e, em grande parte dos casos, estão dispostos a suportar as despesas necessárias a esse propósito. Se nem sempre ficam devidamente formados, raramente isso acontece porque foram poucos os gastos com a sua educação; mas sim por uma má aplicação desses mesmos gastos. Raramente também isso é devido à falta de mestres, mas sim à negligência e incapacidade dos mestres disponíveis e à dificuldade, ou, melhor, impossibilidade que existe, no estado actual das coisas, de os encontrar melhores. Também os empregos nos quais as pessoas de posição ou fortuna ocupam grande parte da sua vida, não são, como os da gente comum, simples e sempre iguais. São quase todos eles extremamente complicados, e do género de fazer exercitar mais a cabeça do que as mãos. A capacidade do raciocínio dos que se ocupam nesta espécie de actividades dificilmente se deixa entorpecer por falta de exercício, e as suas ocupações, por outro lado, raramente são do género de os assoberbar de manhã à noite. Têm geralmente uma boa quantidade de lazer, durante o qual se podem aperfeiçoar em qualquer ramo do conhecimento tanto útil como ornamental do qual podem ter lançado a base, ou pelo qual podem ter adquirido algum gosto no período inicial da sua vida.
Diferente é contudo a situação da gente comum. Têm pouco tempo para desperdiçar com a sua educação. Os seus pais mal podem mantê-los mesmo durante a infância. Logo que podem trabalhar, têm de arranjar qualquer trabalho, com o qual possam garantir a sua subsistência. Esse trabalho é geralmente tão simples e sempre tão igual que em nada exercita a sua capacidade intelectual enquanto, por outro lado, o trabalho deles é tão constante e árduo que lhes deixa pouca disponibilidade e menos ainda tendência para se dedicarem, ou até para pensar em qualquer outra coisa. Mas embora a gente comum não possa, em qualquer sociedade civilizada, ter tão boa instrução como as pessoas de posição e fortuna, contudo as partes fundamentais da educação, ler, escrever e contar, devem ser cedo adquiridas na vida das pessoas, de tal modo que a grande parte até das pessoas que se destinam às ocupações mais inferiores, tenham tempo de as adquirir antes que tenham de se empregar nessas ocupações. Com uma despesa bastante reduzida o público pode facilitar, encorajar, e mesmo impor a necessidade da aquisição dessas partes mais essenciais da educação ao conjunto das pessoas.
O público pode fazê-lo através da criação em cada paróquia ou distrito de uma pequena escola, onde as crianças possam ser ensinadas através de um pagamento tão reduzido, que até o trabalhador comum o possa suportar; o mestre será em parte, mas não totalmente, pago pelo público, porque se fosse totalmente ou na sua grande parte pago por ele, depressa aprenderia a negligenciar a sua actividade. Na Escócia, a criação dessas escolas paroquiais ensinou a ler a quase totalidade da gente comum, e uma muito grande percentagem a escrever e contar.
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Se nessas pequenas escolas os livros, com os quais se ensinam as crianças a ler, fossem um pouco mais instrutivos do que geralmente são, e se em vez de umas ligeiras noções de Latim, que os filhos da gente comum por vezes lá aprendem, e que de pouca utilidade podem ter para elas, lhes fossem ensinadas as partes fundamentais de geometria e da mecânica, a educação escolar desta ordem de gente seria talvez tão completa quanto possível. Não há praticamente qualquer ofício comum que não dê oportunidades de aplicação dos princípios da geometria e mecânica, e que não viesse desse modo a exercitar e a aperfeiçoar a gente comum nesses princípios, a introdução necessária à mais sublime e também mais útil das ciências.
O público pode encorajar a aquisição dessas partes essenciais da educação mediante a atribuição de pequenos prémios e pequenas insígnias de mérito aos filhos da gente comum que se evidenciem.
O público pode impor a quase todo o povo a necessidade de adquirir essas partes mais essenciais da educação, obrigando qualquer homem a submeter-se a um exame ou prova incidindo sobre elas, antes de poder pertencer a qualquer corporação, antes de lhe ser permitido estabelecer qualquer ofício numa aldeia ou cidade com corporação.
Mesmo que o Estado não viesse a tirar qualquer vantagem da instrução das camadas inferiores do povo, deveria mesmo assim interessar-se por que não fossem completamente ignorantes. O Estado, contudo, não deixa de recolher consideráveis vantagens na sua instrução. Quanto mais instruídos forem, menos sujeitos estão aos enganos do entusiasmo e da superstição, que entre as nações ignorantes frequentemente ocasionam as mais terríveis desordens. Um povo instruído e inteligente é, além disso, geralmente mais decente e ordeiro do que um povo ignorante e estúpido. Sentem-se, cada um individualmente, mais respeitáveis e mais susceptíveis de obter o respeito dos seus superiores hierárquicos, estando portanto mais dispostos a respeitar esses superiores. Estão mais dispostos a examinar, e mais capazes de descobrir as verdadeiras intenções das queixas interesseiras de facção e de sedição, e são, nesse aspecto, menos susceptíveis de ser desencaminhados para qualquer oposição injustificada ou desnecessária às medidas do governo. Em países livres, em que a segurança do governo depende muito do julgamento favorável que o povo possa formar da sua conduta, tem necessariamente de ser da maior importância que não estejam na disposição de o julgar de modo irreflectido ou caprichoso.
Excertos do Capítulo I, Livro V, do clássico Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), obra magna do pensador escocês Adam Smith (1723-1790), considerada por muitos o texto fundacional da ciência económica.
A presente tradução, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, esteve a cargo de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar, e baseou-se na edição levada a cabo pelo economista britânico Edwin Cannan (1861-1935), nascido no Funchal. Para uma leitura ainda mais completa, sugerimos a consulta das suas também famosas notas editoriais, acessíveis através da nossa biblioteca.
Seleção de excertos: Pedro Almeida Jorge.
Narração: Mário Redondo.
Colaboração na edição: Nuno Quintão.
Para mais obras e excertos de Adam Smith, consultar a sua página na nossa biblioteca.
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