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Elogio de James M. Buchanan

José Manuel Moreira , James M. Buchanan

Escolha Pública, Biografias, História, Excertos e Ensaios, Nível Introdutório

Português

Texto lido por ocasião da atribuição pela Faculdade de Economia do Porto do doutoramento honoris causa a James M. Buchanan, em cerimónia realizada a 4 de Dezembro de 1995

 

Fala-se hoje muito na importância, para o progresso da humanidade, das pessoas cujo trabalho tem como componente essencial o incremento do conhecimento. Seria de esperar que, neste mundo dos intangíveis, as universidades possuíssem um quase monopólio da criação, pelo menos formal, deste bem tão valioso e vital.

Acontece, contudo, que muitas vezes são as próprias estruturas universitárias a impedir aquele que deveria ser o seu principal objectivo: contribuir para o crescimento do conhecimento. Talvez porque se continue a confundir a mentalidade de conservador de museu com o espírito de criador; a preferir ao acto da criação (e aos imponderáveis de um processo a caminho do desconhecido, ainda que capaz de dar novos mundos ao mundo) a selecção burocrática e a integração formal das peças na nossa exposição, no curso universitário, com a consequente transmissão de uma suposta ordem em que os burocratas-controladores da imagem do ensinos se consideram peritos.

Trata-se afinal da confusão entre a sociologia do conhecimento (e a sua obsessão com a aceitação das ideias) e a economia do conhecimento (mais preocupada com  conteúdo das ideias). Quiçá passe por aqui a explicação para tanta  esterilidade do nosso querido meio universitário: um meio que deveria estar vocacionado para dar à luz novas ideias, para assistir a explosões de conhecimento que passam mais pela melhoria e/ou alargamento das ideias recebidas do que pelos ínvios caminhos do «deixa andar» ou pela «arrogância fatal» de um completo refazer de um determinado «estado de coisas».

É por isso com muito entusiasmo que saudamos um Professor-criador (que pessoalmente conheci aquando da última reunião da Mont Pèlerin Society, em Cannes, em Setembro de 1994, onde estive como convidado): um espírito profundo, criativo e fértil. É com grande prazer e reconfortante alegria que recebemos, na nossa faculdade, alguém que ficará na história (e para a história) da nossa ciência pelas suas contribuições para o seu avanço. Mas o papel deste distinto Professor, a quem coube o Prémio Nobel da Economia, de 1986, pelo seu desenvolvimento das bases contratuais e constitucionais para a tomada de decisões económicas e políticas, não se esgota na economia. As suas contribuições para o avanço do mundo de aventuras das ideias estendem-se, como é sabido, a todo o campo das ciências sociais. E como acontece com todos os verdadeiros criadores, esse avanço fez-se a partir de uma crítica respeitosa e de um trabalho selectivo sobre a ortodoxia herdada. Por isso, é sempre possível tentar reconstruir o seu pensamento, o que, para um modesto historiador da ciência económica, se transforma em desejo quase incontido.

É assim que não resisto a esboçar umas tantas pistas de leitura do notável percurso intelectual e académico do nosso doutorando.

Porque não começar por perscrutar qual terá sido a influência de Frank Knight, o lendário patriarca da chamada Escola de Chicago, na formação e na orientação das ideias do jovem James? Ou por descobrir as razões que, no Verão de 1948, o levaram a tropeçar na tese de doutoramento (de 1896) de Knut Wicksell? Ou quiçá averiguar, logo a partir de The Pure Theory of Government Finance: A Suggested Approach (1949), o quanto Buchanan se inspirou nos economistas suecos Wicksell e Lindahl e os italianos De Viti de Marco, Puviani, Fasiani e Einaudi, na exposição da sua própria concepção de finanças públicas, a qual contrariava o que tinha aprendido nomeadamente dos britânicos A. G. Pigou e Hugh Dalton e dos norte-americanos Harold Grovers e Henry Simons? Ou como ele a partir daí, passou à ideia de «Constituição fiscal» como parte inseparável da «democracia constitucional», até chegar, com a Teoria da Escolha Pública, à conclusão de que não se podia analisar as receitas e as despesas do Estado (os dois lados das contas públicas) sem considerar o processo político através do qual as decisões realmente são tomadas, ou seja, sem averiguar como funcionam de facto as instituições que integram o Estado? E já agora, porque não referir o seu ensaio «Política sem Romantismos» (1979), como expressão de uma das suas mais claras explicitações de uma fundamental convicção metodológica, herdeira da conhecida guilhotina de Hume («não desejo cometer a falácia naturalista»), ensaio onde já se nota uma nítida percepção de que a teoria das finanças públicas não podia estar divorciada de uma teoria política?

E a partir daqui poderíamos prosseguir, explorando as diferenças entre a chamada concepção positiva das finanças públicas, por contraposição com a concepção normativa defendida por Samuelson, Musgrave e a maioria dos especialistas em tributação, inseridos na corrente da síntese neoclássico-keynesiana da política orçamental. E mesmo entrar pelos aspectos epistemológicos, para esclarecer nomeadamente o seu «individualismo metodológico», fazendo notar que a validade da teoria económica não depende da presença do homem meramente económico. Esse homem fictício que é motivado apenas pelo interesse individual em todos os aspetos do seu comportamento representou sempre uma caricatura desenhada pelos que procuram criticar em vez de apreciar o autêntico contributo que a análise económica pode dar em ordem a uma melhor compreensão da actividade humana organizada.[1] (Passemos adiante o eco, em Buchanan, das críticas à construção de uma ciência económica formalizada matematicamente segundo o padrão das ciências naturais, tão ao gosto de Samuelson, e a constatação das limitações da teoria microeconómica neoclássica, no que respeita não só aos seus pressupostos metodológicos, mas também ao seu poder de explicação e previsão.)

Seria então ocasião para avaliar o realismo da filosofia política e económica de Buchanan, dando conta das suas correcções democráticas a Hobbes e Schumpeter, e das suas diferenças, no que se refere ao difícil equilíbrio entre a liberdade e a igualdade, em relação a outros neocontratualistas como Nozick ou Rawls, ou mesmo para indagar até que ponto a sua perspectiva «contratualista» se opõe ou completa a perspectiva mais «evolucionista» de Hayek. E porque não, já agora, procurar sondar o que se passou entre o optimismo manifestado em A Special Symposium (The Fatal Conceit by F. A. Hayek, Winter 1988-89) e o pessimismo expresso no Rio de Janeiro, em Setembro de 1993, em relação a uma mudança de mentalidade que possibilite uma verdadeira reforma constitucional-institucional que ponha termo à imagem romântica do Estado:

[...] Os Governos, independentemente do seu grau de organização, continuam a facilitar a exploração mútua de um por todos, como em Churning State de Anthony de Jasay. Entretanto, as economias continuarão a afundar-se cada vez mais e o produto potencialmente válido desaparecerá no buraco negro, no qual deve ter estado. [...] Talvez se possa esperar que o renascimento do liberalismo clássico venha a ocorrer nas sociedades que realmente experimentaram revoluções; talvez somente uma maior descrença em relação à política e aos políticos permita a reconstrução do ideal de ordem constitucional do século XVIII.
Somente podemos fazer uma única previsão com segurança: a perspectiva constitucional para o próximo século será uma de entre muitas surpresas.

Chegados aqui, aconselha a prudência que, sobre o futuro, um historiador avisado se deve calar. Aproveito, por isso, esta cerimónia, que para além da formalidade deve ter também um fim pedagógico, para dar a conhecer, em especial ao público estudantil, algumas ideias-chave do pensamento do nosso candidato, ainda que sem cair em sofisticações técnicas. Para tal nada melhor que socorrer-me da conversa coloquial que J.M. Buchanan manteve com John Burton (IEA, The World of Economics).

Comecemos pela principal diferença entre a escolha num mercado político e a escolha num mercado económico. No mercado económico é-se responsável pelos resultados da escolha. Se se dá uns tantos escudos obtém-se uma certa quantidade de ovos. Há uma correspondência directa entre o que se coloca em cima do balcão e o produto que se recebe. Em política, por sua vez, coloca-se um voto na urna pelo candidato A ou B ou pelo partido A ou B, mas não há uma directa relação entre o que se faz para escolher e o resultado, porque se é apenas um entre muitos votantes. O resultado é, pois, determinado por uma «mistura» de escolhas separadas. Por isso, a ligação entre uma acção individual (ou a acção individual da escolha) e o resultado perde-se. Portanto, não se é responsável pelo resultado; ao passo que no mercado, se se toma uma decisão errada, é o próprio que paga o custo.

E, nesta conversa, o grande responsável pelo uso de termos tais como logrolling (hoje vocês votam no nosso projecto de lei ou decreto-lei e amanhã nós votamos no vosso) e rent-seeking (em que os funcionários do governo sao vistos como empresários políticos sempre pressionados pelos lobbyistas para – a troco de uma das muitas mais ou menos subtis formas de «retorno» – fornecerem favores, isenções, subsídios e todo o tipo de medidas proteccionistas, que vão minando a eficiência da sociedade ao mesmo tempo que fomentam grupos de interesse, desde o âmbito patronal ao sindical, desde os grandes e pequenos clubes às mais recônditas associações: um clima tão pouco transparente, apesar dos sempre solenemente proclamados esforços em contrário, que, como é natural, envolve também os eleitos representantes do povo) não recusa abordar a difícil questão de saber quem estabelece os limites constitucionais.

Idealmente recorre-se a uma noção de contrato social em que as pessoas se juntam, pelo menos conceptualmente, e chegam a acordo sobre um conjunto de regras, em tudo análogas às simples regras de um jogo. Por exemplo, se vamos jogar poker sentamo-nos antes do jogo e decidimos que regras se vão cumprir. Há a noção de uma Constituição e jogamos dentro dessas regras. Além do mais, temos meios de corrigir essas regras e, sem isso, não há jogo. Ora, a nível do jogo político, são também as regras que nos interessam. É ao nível das regras do jogo político que precisamos de concentrar o nosso esforço de reforma. Já vai sendo tempo de perceber que, mais do que a escolha dos melhores políticos, o que nos deve preocupar é a mudança das regras. Sem isso, será difícil acreditar na melhoria do jogo.

Avancemos então para uma outra questão. Como é que se passou de uma política em que o Governo, excepto em caso de guerra, devia ter um orçamento equilibrado – isto é, tinha obrigação de tributar, de se financiar, na medida dos seus gastos – a uma política de permanentes défices orçamentais? O que é que Keynes diria de uma teoria de política económica que levasse a um regime de défices orçamentais permanentes e progressivos? Será que Keynes tinha na ideia uma estrutura de decisões que fossem basicamente democráticas?

Buchanan diz-nos que não: Keynes via-se a si mesmo como membro de uma elite que poderia simplesmente convencer o Governo a fazer o que ele lhe dissesse. É claro que se se considera o Governo desta forma, como fazem muitos economistas, que se consideram conselheiros dum Governo benevolente, um Governo sempre disposto a ouvir, faz todo o sentido aceitar-se a teoria keynesiana da política económica. Não necessitamos de nos apoiar nos aspectos técnicos da teoria – basta o autêntico bom senso: o Governo gere um défice quando existe desemprego maciço, e se há inflação o Governo gere o excedente. O que se descuida, e este é um grave erro dos keynesianos mais do que de Keynes, é perguntar se isto se ajusta a um cenário democrático em que os políticos gostam de agradar aos eleitores. Ou não é verdade que eles gostam de voltar atrás e dizer: «Eu estou a gastar dinheiro para o beneficiar», mas não gostam de voltar atrás e dizer: «Eu estou a tributá-lo»?

No que respeita à restauração da «democracia constitucional», Buchanan faz algumas sugestões:

A primeira tarefa é realmente educativa. Como já vimos, o povo precisa de ser educado no sentido de que devemos tentar tudo para reformar as normas do jogo político, e de que não basta a simples mudança desta ou daquela política ou a eleição deste ou daquele partido. O que fazer então para mudar as regras de jogo? Buchanan destaca dois aspectos. O primeiro é, evidentemente, delimitar rigorosamente as áreas em que é proibido o Governo entrar. É o caso, por exemplo, da intervenção pormenorizada no processo económico. Outro é saber se mesmo nas áreas em que o Governo pode de facto legitimamente intervir, não será necessário, para evitar a pressão em relação às transferências redistributivas, requerer alguma especificidade nas decisões, exigindo algo mais do que uma vulgar maioria. Requerer, por exemplo, uma maioria de mais de 50% para certos tipos de legislação. E quiçá exigir mesmo, para o caso de se pretender lançar impostos totalmente novos ou simplesmente elevar as taxas dos impostos, uma maioria de dois terços no Parlamento.

É difícil, mesmo para quem não se reconheça nas soluções propostas, encontrar um economista vivo que tenha levantado problemas de tanta importância e actualidade, não só para o meio académico, mas também para todas as pessoas que, em todo o mundo, sofrem os efeitos perversos da crise do chamado Estado-Providência – nomeadamente a arbitrariedade fiscal de que nos tem falado Pascal Salin – quer os que votam as políticas que pagam as doenças ou adiam a sua morte, quer as gerações vindouras que irão ter de pagar as nossas benevolentes políticas e a incapacidade dos Governos em responderem adequadamente tanto à clássica função de manutenção da estrutura de funcionamento da interacção social – que na ordem liberal clássica incluía a protecção da propriedade e o vigor dos contratos voluntários, a garantia efectiva de entrada e saída nas indústrias, negócios e profissões, a abertura garantida dos mercados internos e externos e a prevenção contra a fraude – como a nova função, entretanto acrescentada: a do estabelecimento de um padrão monetário capaz de assegurar a previsibilidade do valor da respectiva unidade monetária. (Uma responsabilidade monetária em que, como não se cansa de nos dizer Buchanan, quase todas as Constituições falham, até mesmo as pretensamente motivadas originalmente pelos preceitos liberais clássicos. No decurso da história os Governos sempre ultrapassaram os limites, constitucionalmente fixados, à sua autoridade monetária).

Os problemas com que nos debatemos hoje dão razão a um homem a quem não tem faltado coragem para pôr a nu os perigos (e as causas) da política como negócio. É assim a vitória de um homem, de um homem de carne e osso, de uma intuição trabalhada ao longo de toda uma vida. E é sempre bom lembrar – a um mundo em que todos parecem querer facilidades, isto é, direitos sem deveres – que o futuro Nobel da Economia (nascido em 1919, em Murfreesboro, Tennessee), chegada a hora de entrar no mundo universitário, não dispunha de meios para frequentar uma universidade de primeiro nível. Escolheu o Middle Tennessee State College, mas, para ajudar a pagar as propinas dos seus estudos, como nos lembra Todd G. Buchholz, ordenhava vacas de manhã cedo e ao fim da tarde. Mesmo assim, depois de quatro anos de vida rural, ingressou na Universidade de Tennessee, onde obteve o título de master em Economia.

A Segunda Guerra interromperia a sua carreira académica: o Tio Sam enviou-o para a Naval War College em Nova Iorque. O snobismo e a discriminação intelectual que aí teve que enfrentar, pelo facto de ser um sulista, parecem estar na origem da sua pouca simpatia pela «elite da costa leste». Compreende-se assim que, depois da guerra, seguisse para o Oeste, onde obteve o doutoramento, em Chicago, e depois fugisse para o Centro-Sul, para a Universidade de Virgínia.

Como o próprio Buchanan reconhece, muito do seu trabalho deve ser visto como reacção às reflexões idealistas dos académicos da costa leste, que tanto gostam de se ver encerrados nas suas torres de marfim. Na verdade, enquanto a maioria dos economistas de Harvard faziam fila em Washington, durante os Governos de Kennedy e Johnson, Buchanan, a partir das colinas de Virgínia, fustigava as ideias dos membros dessa elite académica que a si mesmos se consideravam eminentes assessores dos Governos. O autor de The Calculus of Consent (com Gordon Tullock, com quem também criou o Center for Study of Public Choice, primeiro no Virgínia Politechnic Institute e depois na George Mason University) é como se pode facilmente constatar um homem sóbrio e austero, e bastante avesso ao espírito dos bons vivants, partilhado por muitos economistas seus contemporâneos.[2]

As muitas dificuldades com que Buchanan deparou talvez o tenham abalado, mas não demoveram o empenho em prosseguir os seus trabalhos de investigação. É que, como todo o verdadeiro lutador, Buchanan sabia que a principal luta que um homem trava não é com os outros (e muito menos contra os outros), mas consigo próprio, para levar por diante com elevação, determinação e muito trabalho disciplinado uma ideia, um projecto de vida, em que se acredita. Por isso, os referidos obstáculos não prejudicaram o panorama intelectual e académico de um homem brilhante primeiro como aluno e depois como professor. Quem sabe inclusive se a orientação do seu trabalho e o vigor e a austeridade da sua vida não estão marcados desde o início pelo seu meio familiar, pela sua inserção num ambiente rural agrário que tendia a desconfiar do Estado e a vê-lo quase unicamente como cobrador de impostos?

Mas a glória deste homem é também o triunfo da economia política contra a mentalidade de todos quantos, em sucessivas vagas ao longo da história da nossa ciência, e de modo especial no nosso século, apostaram na politização da economia. É, além disso, também o triunfo da economia de mercado. Como Buchanan deixou expresso na Primavera de 1992, em Madrid, a vitória só se tornaria nítida depois da «queda do muro de Berlim»:

[...] a economia de mercado representa a incarnação institucional da aceitação por muito tempo demorada, ainda que não universalizada, da verdade científica da economia política clássica. A ciência económica, entendida no seu mais amplo sentido, triunfou finalmente face aos defensores de doutrinas manifestamente erradas nas ciências sociais, do mesmo modo que os defensores da doutrina de que a Terra era plana ficaram um dia derrotados.

É, pois, a vitória dos defensores dos princípios da ciência económica contra a sua politização, quer a grande, quer a pequena escala. Uma politização desejada, ontem, pelos seguidores do Grande Socialismo e, hoje, pelos adeptos do pequeno socialismo, todos buscando um mesmo e bom objectivo, a macro ou a micro direcção da economia, ainda que esquecendo o necessário incremento de autoridade coerciva do Estado. Um bom objectivo que é muito facilitado pela tendência natural do indivíduo para acreditar que uma economia deve ser administrada. O que tem contribuído para a dificuldade do grande público em aceitar os princípios da economia política e muito ajuda a explicar a persistência do Leviatã.

Uma vitória que iguala o labor do nosso doutorando aos históricos esforços dos nossos maiores, nomeadamente dos primeiros «clássicos» e dos primeiros «neo-clássicos», na luta contra a conveniência de uma maior «aproximação» (quando não mesmo subordinação) da economia aos interesses (ou expedientes) da vontade política, contra as imediatas vantagens de uma economia de interesses que a prazo mina, ao mesmo tempo, a economia de mercado e o Estado. Esforços que têm permitido encontrar explicações mais realistas para os prometidos e sempre adiados «sucessos» dos politizadores da economia, abrindo assim caminho a uma maior independência e a uma mais pura, dura e desinteressada procura da verdade, que deve constituir a principal razão de ser de um ensino que se queira universitário e, por isso, também do ensino da nossa ciência que mais do que nunca deve aspirar a ser autêntica «economia política».

Este, a par do estabelecimento dos limites lógicos, morais e constitucionais à tributação, o grande contributo do homem a quem tenho o gosto de poder aqui elogiar – esperando tê-lo feito em tom não demasiado apaixonado.

Posso assim afirmar que os muitos e diversificados feitos deste insígne economista – que publicou ainda recentemente Ethics and Economic Progress (1994) – não só honram a nossa profissão como enobrecem uma disciplina carecida de cabal defesa e de mais respeitabilidade intelectual.

Aqui deixo, pois, sublinhados alguns dos muitos louvores devidos a este nosso distinto e futuro colega de faculdade. Um Professor a quem, depois do que foi dito, se pode estranhar menos que se lhe atribua uma atrevida definição do homem «político»: «alguém que pede votos aos pobres e dinheiro aos ricos, e promete, se for eleito, defender uns dos outros».

Um atrevimento que me permiti – espero que com o consentimento do nosso Magnífico Reitor – porque sei que, dada a suavidade do nosso modo de ser, posso sempre contar com a benevolência do coração português, mas também porque admito que entre nós (em especial no querido meio universitário) não há ricos, nem pobres e muito menos desses políticos.
 


 

[1] Cf. James M. Buchanan, Gordon Tullock, The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy (The University of Michigan Press), 1965, p. 17.

[2] Como é o caso do «liberal» John Kenneth Galbraith: um dos economistas mais traduzidos entre nós – por contraste com o que se passa com a obra de James Buchanan –, e ele também nascido num meio similar, entre vacas e pradarias, no Canadá, mas, ao que se sabe, a mover-se muito comodamente entre a gente chique, as eminências académicas e políticas do seu tempo e o seu cargo em Harvard.

Texto lido por ocasião da atribuição pela Faculdade de Economia do Porto do doutoramento honoris causa a James M. Buchanan, em cerimónia realizada a 4 de Dezembro de 1995, sendo posteriormente incluído no livro O que é a Escolha Pública?, de André Azevedo Alves e José Manuel Moreira (Principia Editora, 2004).

Ler também a entrevista a James M. Buchanan realizada pelo jornal Contraste, da AEFEP.

Ajuda na edição: Beatriz Gouveia.

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