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Entrevista pelos 300 anos de Adam Smith

Eamonn Butler , Rainer Zitelmann , Adam Smith

História, Filosofia, Ética e Moral, Liberalismo e Capitalismo, Pobreza e Estado Social

Português

Não sabemos a data exata do seu nascimento, mas 16 de junho marcou o 300.º aniversário do batismo de Adam Smith, cuja obra A Riqueza das Nações mudou para sempre o entendimento da economia e da sociedade, sendo ainda hoje é citada como a mais convincente defesa dos mercados jamais produzida.

Para assinalar esta data, o historiador e sociólogo Rainer Zitelmann, autor do livro Em Defesa do Capitalismo, publicado em 2022 pelo Instituto Mais Liberdade, sentou-se para uma entrevista com Eamonn Butler, cofundador e diretor do Adam Smith Institute.

 
Rainer Zitelmann: Se tivesse de destacar aquele que para si é o pensamento mais importante de toda a obra de Smith, qual seria?

Eamonn Butler: A Riqueza das Nações contém tantas ideias que mudaram o nosso pensamento que é difícil destacar uma delas. Logo no primeiro capítulo, por exemplo, ele inventa a noção de PIB, passando depois a descrever a divisão do trabalho, os benefícios do livre-comércio e muitos outros conceitos novos, incluindo a ideia da Mão Invisível.
Mas, para responder à sua pergunta, eu destacaria, talvez surpreendentemente, a ideia por ele proposta na Teoria dos Sentimentos Morais ["The Theory of Moral Sentiments"], de que a moralidade humana é guiada pela simpatia – pelo nosso desejo, enquanto criaturas sociais, de agir de forma a obter a aprovação dos outros e de evitar ações que os outros desaprovam. É uma ideia muito poderosa, uma ideia evolucionária que estava um século à frente de Darwin.

Zitelmann: Hoje diz-se que Smith foi um filósofo moral e um economista. Porém, o primeiro termo – filósofo moral – não tem grande significado para nós atualmente, ao passo que as suas obras também não têm muito em comum com a forma como os economistas investigam e escrevem atualmente. Não será Smith, em termos modernos, antes uma combinação de historiador económico, sociólogo e psicólogo?

Butler: Sempre o vi como um psicólogo social. É óbvio que hoje o recordamos pelos seus contributos para a economia, mas foram os seus escritos morais que primeiro lhe deram fama internacional. E também escreveu e ensinou sobre lógica, artes, cultura e o uso correto da linguagem, e escreveu um ensaio importante sobre a filosofia da ciência.
Para ele, estas coisas eram simplesmente partes diferentes da mente humana. É por isso que temos o “Problema de Adam Smith” ["Das Adam Smith Problem"] – a ideia de que o interesse próprio subjacente à economia de Smith e a empatia subjacente à sua ética estão em conflito. Mas não. São duas partes da nossa personalidade humana, e ambas coexistem e interagem uma com a outra.

Zitelmann: Um conceito-chave da Teoria dos Sentimentos Morais é o de "simpatia" (hoje usaríamos provavelmente a palavra "empatia"). Porque é que Smith não se refere explicitamente ao empreendedor, que tem sobretudo de ser empático para desenvolver e vender um produto? Neste sentido, um empreendedor moderno como Steve Jobs seria um exemplo típico de empatia, porque reconheceu e compreendeu de forma brilhante as necessidades das pessoas.

Butler: Quando escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, em 1759, Smith era um professor universitário com pouca experiência do mundo dos negócios. Por isso, a lacuna que refere não é muito surpreendente. Mas, curiosamente, já me pediram para dar palestras sobre a relevância da ética de Smith para o empreendedorismo e para os negócios, e as suas ideias morais são de facto muito relevantes. Tomemos, por exemplo, a sua ênfase na virtude da prudência.
Ser prudente significa agir no nosso próprio interesse – o nosso interesse a longo prazo, e não o que pode parecer bom no momento (como mantermo-nos saudáveis em vez de nos deitarmos no sofá com pizza e cerveja). Isto é inteiramente verdade no mundo dos negócios. Não se constrói um negócio tentando ganhar dinheiro rápido às custas das pessoas, mas sim construindo a reputação de dar aos clientes o que eles querem e precisam. Os clientes só voltarão se confiarem em si e virem que tem integridade e boa reputação.

Zitelmann: Que importância tem o tema da pobreza na obra de Smith? Concorda comigo quando digo que a principal preocupação de Adam Smith era mostrar o caminho para sair da pobreza?

Butler: Sem dúvida. Smith defendia o livre-comércio pela mesma razão que eu hoje também o defendo, nomeadamente porque é a melhor forma de melhorar a condição dos trabalhadores mais pobres – ou, mais corretamente, a melhor forma de permitir que os trabalhadores mais pobres melhorem a sua própria condição.
Melhorar a sua condição, pensava Smith, é um desejo natural do ser humano, mas é demasiadas vezes bloqueado por impostos e regulamentações onerosas introduzidas pelas autoridades. E muitas vezes essas regras são deliberadamente propostas por empresários já estabelecidos que querem afastar qualquer concorrência, sendo impostas pelos seus amigos e comparsas no governo. Se isso for eliminado, dizia Smith, o "sistema de liberdade natural" trará prosperidade a todos.

Zitelmann: A obra de Smith contém muitas passagens compassivas e elogiosas sobre os pobres, mas não há uma única passagem positiva sobre os ricos. Pelo contrário, podemos encontrar na sua obra muitas observações negativas sobre comerciantes, empreendedores, pessoas ricas. Não será ele – neste aspeto – um típico intelectual nesta antipatia pelos ricos?

Butler:Não, porque a sua perspetiva se baseava na realidade e não na inveja. Smith era sustentado por um antigo aluno, o Duque de Buccleuch, que possuía enormes propriedades em toda a Escócia. Porém, Smith era muito crítico em relação aos proprietários de terras da sua época, que simplesmente herdavam fortunas em vez de as criarem e que "gostavam de colher onde nunca semearam".
Embora fosse amigo de longa data do Duque, não conseguia justificar esse facto e criticava fortemente outros latifundiários para os quais a ostentação era mais importante do que melhorar as suas terras ou a vida dos arrendatários que as cultivavam. Em contrapartida, o seu desprezo por certos empresários era diferente, mas, mais uma vez, não era inspirado por inveja nem por uma certa ideia intelectual ao estilo moderno de que "sou mais inteligente do que os empresários e deveria ser mais bem pago e encarregado de mais decisões". O que ele contestava era a tendência dos comerciantes para utilizarem os seus amigos no governo para "conspirar contra o público", obstruindo a concorrência.

Zitelmann: Murray Rothbard dirigiu algumas críticas muito duras a Smith: segundo ele, Smith é absurdamente sobrevalorizado, um plagiador inveterado e estava muitas vezes errado no que escrevia. Qual é a base para esta avaliação mordaz de Rothbard? Terá Rothbard encontrado erros genuínos em Smith ou estava simplesmente enganado?

Butler: Rothbard, que eu cheguei a conhecer, adorava ser controverso, mas as suas observações sobre Smith são difíceis de aceitar. O seu ponto de vista é que Smith propôs uma teoria trabalhista do valor – a ideia de que o valor de uma coisa reflete a quantidade de trabalho nela investido – que abriu caminho a Karl Marx para proclamar a primazia do trabalho e a reorientação da sociedade em conformidade.
Mas esta é uma leitura errada de Smith. Esta leitura parte de uma passagem em que ele fala do desenvolvimento da vida económica e começa por descrever um mundo original, sem capital. Nesse mundo, as pessoas teriam certamente em conta o trabalho investido na produção de diferentes coisas, uma vez que não havia capital investido nesse trabalho.
Mas é óbvio que Smith não acredita que este seja um princípio geral. Ele fala de oferta e procura, fala de mercados e especula sobre a razão para os diamantes serem mais valiosos do que a água. Por isso, não defende uma teoria trabalhista do valor.

Zitelmann: Autores como Samuel Fleischacker e Elizabeth Anderson tendem a associar Smith a ideais de esquerda e até igualitários. Será isto uma distorção de Smith? Onde é que estes autores têm razão e onde é que estão errados? Será que Smith atribuía mais importância ao Estado do que nós os dois?

Butler: Smith era certamente motivado em grande medida pela condição dos trabalhadores mais pobres. E, como sabemos, escreveu que nenhum país poderia considerar-se próspero se a maior parte da sua população fosse pobre. Por isso, nessa medida, os seus ideais são os mesmos que os da esquerda. As suas soluções, porém, são exatamente o oposto das de esquerda. Em vez de defender que o Estado deve ter mais poder para melhorar a situação dos mais pobres, defende exatamente o contrário – que é a opressão dos que detêm a autoridade que restringe a ambição dos pobres e os mantém na pobreza. A sua solução é, portanto, libertar o povo de tudo isso.

Zitelmann: Para um leitor moderno, os livros de Smith, especialmente A Teoria dos Sentimentos Morais, fazem mais lembrar certos livros de autoajuda (como o Como Fazer Amigos, de Dale Carnegie) do que manuais de economia modernos, nos quais encontramos, em grande parte, muitos cálculos e fórmulas matemáticas. No fundo, a "filosofia moral" estava mais relacionada com o ensino do comportamento humano. Não digo isto de forma negativa, mas como um elogio, porque tenho uma grande estima por Carnegie. Será este um aspeto da obra de Smith a que talvez não tenha sido dada a devida atenção?

Butler: Essa ideia nunca me tinha ocorrido, mas sim, a análise que Smith faz da mente humana é extraída de inúmeros exemplos práticos de dilemas da vida real. Na Teoria dos Sentimentos Morais, a questão é analisar o que uma pessoa poderá sentir, pensar e fazer quando confrontada com um problema moral; na Riqueza das Nações, a análise recai sobre os incentivos que levam as pessoas a tomar determinada ação económica em vez de outra. Por isso, sim, as suas obras são muito relevantes para quem quiser compreender a sua própria mente e fundamentar os seus pensamentos e ações numa base racional.

Zitelmann: Em termos mais gerais: se Smith pudesse hoje olhar para nós lá desde as alturas e dizer algo sobre o nosso mundo moderno, o que é que acha que ele diria?

Butler: É sempre insensato especular sobre o que uma personagem do século XVIII diria sobre as nossas vidas do século XXI. Mas para si vou quebrar esta minha regra. É claro que ele ficaria espantado com a riqueza que existe no mundo e com o número de bens e serviços disponíveis, mesmo para as pessoas mais pobres dos países desenvolvidos. Afinal de contas, somos hoje cinquenta ou cem vezes mais ricos do que eram na sua época. Mas, do mesmo modo, quando ele passasse em revista as leis e os regulamentos que restringem todas as nossas ações e paralisam o nosso empreendimento, e quando descobrisse que os governos se apoderam habitualmente de quarenta ou cinquenta por cento do produto da nação para os seus próprios fins, concluiria sem dúvida que estamos, lamentavelmente, a viver sob a mais profunda tirania.

Entrevista publicada originalmente pelo jornal City A.M.

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