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Guerra às Cátedras de Economia Política

Frédéric Bastiat

Excertos e Ensaios, Intervencionismo e Protecionismo, Liberalismo e Capitalismo

Português

 

 

 

Sabemos com que amargura se queixam os homens que, em proveito próprio, restringem o comércio dos outros, de que a economia política se recusa, obstinadamente, a exaltar os méritos de tais restrições. Se com isso não esperam obter a supressão da ciência, procuram, pelo menos, a destituição daqueles que a professam, retendo da Inquisição esta sábia máxima: «Queres ter razão sobre os teus adversários? Cala-lhes a boca.»

Não nos surpreendemos de todo, pois, ao saber que, aquando do projecto de lei sobre a organização das faculdades, eles tenham endereçado ao Ministro da Instrução Pública um memorando bastante extenso, do qual reproduzimos alguns excertos.

«Mas já pensastes no assunto, senhor ministro? Quereis introduzir nas faculdades o ensino da economia política! Deverá, portanto, a desconsideração dos nossos privilégios tornar-se um lugar-comum?

«Se existe máxima respeitável, ela é seguramente esta: Em todos os países, o ensino deve estar em harmonia com o princípio de governo. Porventura acreditais que, em Esparta ou em Roma, o erário público teria pagado aos professores para reclamar contra os despojos da guerra ou contra a escravatura? É que quereis que, em França, seja permitido desacreditar a restrição!

«A Natureza, senhor ministro, quis que as sociedades não pudessem existir senão através do produto do trabalho; e, ao mesmo tempo, tornou-o árduo. Eis porque, em cada época e em cada país, existe uma disposição incurável entre os homens para se despojarem uns aos outros. É tão agradável colocar a dor no próximo e guardar a remuneração para si próprio!

«A guerra é o primeiro meio pelo qual somos disso advertidos. Não há maneira mais rápida e simples de nos apoderarmos dos bens dos outros.

«A escravatura vem a seguir. É um meio mais refinado, e está provado que foi um grande passo no sentido da civilização reduzir o prisioneiro à servidão em vez de o matar.

«Por fim, o progresso dos tempos substituiu estes dois modos grosseiros de espoliação por um outro bastante mais subtil e que, por isso mesmo, com muito mais probabilidade perdurará, especialmente porque o seu próprio nome, protecção, foi admiravelmente descoberto para dissimular a sua odiosidade. Por certo não ignorais até que ponto, por vezes, os nomes alteram as coisas.

«Como vedes, senhor ministro, pregar contra a protecção nos tempos modernos ou contra a guerra e a escravatura nos tempos antigos é, na verdade, a mesma coisa. É sempre uma forma de minar a ordem social e perturbar a paz de uma classe muito respeitável de cidadãos. E se a Roma pagã mostrou uma grande sabedoria, um espírito de conservação previdente, ao perseguir essa nova seita que vinha em seu seio fazer ressoar as perigosas palavras: paz e fraternidade; porque haveríamos nós, hoje em dia, de mostrar mais piedade para com os professores de economia política? Ainda assim, os nossos costumes são tão gentis, a nossa moderação é tão grande, que não exigimos que os entregueis aos animais. Se os impedirdes de falar, ficaremos satisfeitos.

«Ou pelo menos, se estão tão interessados em falar, não o poderão fazer com alguma imparcialidade? Não poderão eles acomodar um pouco a ciência aos nossos desejos? Que fatalidade levou os professores de economia política de todos os países a abordarem a causa do regime restritivo com a arma do raciocínio? Embora este sistema tenha, admitimos, algumas desvantagens, ele também tem vantagens, uma vez que nos convém. Não poderiam os professores deixar as desvantagens um pouco mais na sombra e fazer sobressair as vantagens?

«Aliás, para que servem os académicos senão para fazer ciência? O que é que os impede de inventar uma economia política só para nós? Há, evidentemente, má vontade da sua parte. Quando a Santa Inquisição de Roma achou mal que Galileu fizesse a terra rodar, este grande homem não hesitou em fazê-la ficar parada. Até fez a declaração de joelhos. É verdade que, quando se levantou, murmurou: «E pur si muove»[1]. Que os nossos professores também declarem publicamente, e de joelhos, que «A liberdade não vale nada»; e nós lhes perdoaremos se murmurarem, desde que entre dentes: «E pur è buona»[2].

«Mas nós pretendemos, subsidiariamente, levar a moderação ainda mais longe. Decerto não negareis, senhor ministro, que é preciso sermos imparciais acima de tudo. Pois bem, uma vez que existem duas doutrinas contraditórias no mundo, uma com o lema: «Permiti o comércio», e a outra: «Impedi o comércio», por favor, mantende a balança igual e fazei professar ambas. Ordenai que a nossa economia política também seja leccionada.

«Não é deveras desencorajador ver a ciência sempre do lado da liberdade? Não deveria ela partilhar um pouco os seus favores? Mas não é isso que acontece: uma cátedra já não pode ser erigida, que logo vemos aparecer, como uma cabeça de Medusa, a figura de um livre-cambista.

«Tal assim é, que bastou o senhor Jean-Baptiste Say dar um exemplo, para que logo o seguissem os senhores [Adolphe] Blanqui, [Pellegrino] Rossi, Michel Chevalier, Joseph Garnier. O que teria sido de nós se os vossos antecessores não tivessem tido o maior cuidado em limitar este funesto ensinamento? Quem sabe não teríamos, já este ano, de suportar a baixa do preço do pão!

«Em Inglaterra, Adam Smith, [Nassau] Senior, e muitos outros causaram o mesmo escândalo. Pior! A Universidade de Oxford cria uma cátedra de economia política e nela coloca... quem? um futuro arcebispo[3]; e eis que o arcebispo começa a ensinar que a religião concorda com a ciência ao condenar a parte dos nossos lucros que vem do regime restritivo. O que aconteceu então? Pouco a pouco, a opinião pública deixou-se seduzir e, em menos de dois anos, os ingleses terão a infelicidade de ser livres nas suas compras e vendas. Que sejam arruinados como merecem!

«A mesma coisa em Itália. Reis, príncipes e duques, grandes e pequenos, tiveram a imprudência de ali tolerar o ensino económico, sem impor aos professores a obrigação de produzir ciência com pontos de vista favoráveis às restrições. Inúmeros professores, como os Genovesis, os Beccarias e, hoje em dia, o Sr. [Antonio] Scialoja, como era de esperar, começaram a pregar a liberdade, e eis a Toscana livre nas suas trocas, e eis Nápoles a cortar as suas tarifas.

«Sabeis que resultados teve na Suíça o movimento intelectual que sempre dirigiu os espíritos para os conhecimentos económicos. A Suíça é livre, e parece colocada no meio da Europa, qual luz de castiçal, só para nos envergonhar; pois, quando dizemos: «A liberdade tem como consequência a ruína da agricultura, do comércio e da indústria», não falta quem nos aponte a Suíça. Por um momento, não soubemos o que responder; graças a Deus, porém, o La Presse salvou-nos do embaraço, ao fornecer-nos este precioso argumento: A Suíça não está arruinada porque é pequena.

«A ciência, a maldita ciência, ameaça espalhar o mesmo flagelo em Espanha. Espanha é a terra clássica da protecção. E vede como ela prosperou! Mesmo sem ter em conta os tesouros que retirou do Novo Mundo ou a riqueza do seu solo, o regime proibitivo é suficiente para explicar o grau de esplendor que alcançou. Mas a Espanha tem professores de economia política, os La Sagra, os Flórez Estrada, e eis que o Ministro das Finanças, o Sr. [José de] Salamanca, pretende restaurar o crédito da Espanha e aumentar o seu orçamento recorrendo simplesmente ao poder da liberdade comercial.

«Enfim, senhor ministro, que mais desejais? Na Rússia, existe apenas um economista, e ele é a favor do comércio livre.[4]

«Podeis vê-la: a conspiração de todos os cientistas do mundo contra as barreiras comerciais é óbvia. E que interesse os instiga? Nenhum. Bem poderiam pregar a restrição, que não ficariam mais magros por isso. É, portanto, pura maldade da sua parte. Esta unanimidade é muito perigosa. Sabeis o que as gentes dirão? Ao vê-los assim tão de acordo, acabarão por acreditar que o que os une na mesma fé é a mesma causa que faz com que todos os geómetras, desde Arquimedes, pensem o mesmo sobre o quadrado da hipotenusa.

«Portanto, senhor ministro, quando vos suplicamos para que façais ensinar imparcialmente duas doutrinas contraditórias, tal só pode, na verdade, respresentar um pedido subsidiário da nossa parte, pois bem pressentimos o que poderá acontecer: aquele que encarregardes de professar a restrição poderá muito bem ser levado, pelos seus estudos, a abraçar a doutrina da liberdade.

«O melhor será então proscrever, de uma vez por todas, a ciência e os estudiosos, e regressar às sábias tradições do império. Em vez de criardes novas cátedras de economia política, revogai aquelas – felizmente em pouco número – que ainda estão de pé. Quereis saber como definimos economia política? «A ciência que ensina os trabalhadores a ficarem com o que lhes pertence». É evidente que um bom quarto da raça humana estaria perdido, se esta funesta ciência se espalhasse.

«Cinjamo-nos à boa e inofensiva educação clássica. Enchamos os nossos jovens de grego e latim. Enquanto eles examinarem com a ponta dos dedos, de manhã à noite, os hexâmetros das Bucólicas [de Virgílio], que mal nos pode isso fazer? Deixemo-los viver com a sociedade romana, com os Gracos e os Brutos, no seio de um Senado onde se fala sempre de guerra, e num Fórum onde se fala sempre de saque; deixemo-los imbuir-se da doce filosofia de Horácio:

Tra la la la la la, a nossa juventude,

Tra la la la la, é aí formada.[5]

«Que necessidade há de lhes ensinar as leis do trabalho e do comércio? Roma ensina-lhes a desprezar o trabalho, servile opus, e a não reconhecer como legítima nenhuma outra troca a não ser o væ victis do guerreiro esclavagista. É assim que teremos uma juventude bem preparada para a vida da nossa sociedade moderna. – Existem, porém, alguns pequenos perigos. Ela será um tanto republicana; terá ideias estranhas sobre liberdade e propriedade; na sua admiração cega pela força bruta, poderá estar disposta a brigar com toda a Europa e a tratar as questões de política na rua, com arremesso de pedras. Isso é inevitável e, para ser franco, senhor ministro, graças a Tito-Lívio, todos nós, mais ou menos, já entrámos nessa rotina. Ainda assim, estes são perigos que facilmente ultrapassareis com alguns bons polícias. Porém, que força policial podereis vós opor às ideias subversivas dos economistas, desses audaciosos que escreveram, à cabeça do seu programa, esta atroz definição de propriedade: «Quando um homem produziu alguma coisa com o suor do seu rosto, se tem o direito de a consumir, tem o direito de a trocar»?[6]

«Não, não; com essa gente, recorrer à refutação é uma perda de tempo.

«Rápido: uma mordaça, duas mordaças, três mordaças!»


[1] [“E no entanto move-se.”]

[2] [“E no entanto é boa.”]

[3] [A referência é ao Rev. Richard Whately, que havia em 1829 sucedido a Nassau Senior como professor de economia política em Oxford, antes de ser ordenado Arcebispo de Dublin em 1831. Uma das suas primeiras medidas ao chegar à Irlanda foi estabelecer uma cátedra de economia política no Trinity College, cujo primeiro regente foi Mountifort Longfield.]

[4] [Provável referência a Nikolai Ivanovich Turgenev, dezembrista russo exilado em Paris, onde publicou, neste mesmo ano, 1847, a obra anti-feudalista La Russie et les Russes. Em 1818, Turgenev havia publicado um polémico tratado sobre teoria fiscal, onde defendia o livre comércio e o fim dos privilégios fiscais da nobreza.]

[5] [Alusão à canção “L’Éducation des Demoiselles”, do famoso poeta francês Pierre-Jean de Béranger, que alguns autores comparam em estilo ao poeta romano Horácio.]

[6] [Ver a declaração de princípios da Associação a Favor do Livre-Comércio, fundada por Bastiat.]

Em 1847, a demissão dos professores e a abolição das cátedras de economia política haviam sido formalmente exigidas pelos membros do Comité Mimerel, que em breve, porém, se renderam, limitando-se então a afirmar que a teoria do Proteccionismo deveria ser ensinada ao mesmo tempo que a do Livre-Comércio.

Foi com a presente sátira - posterior à sua, mais famosa, Petição - que Bastiat, na edição de 13 de Junho de 1847 do jornal Le Libre-Échange, combateu essa reivindicação dos proteccionistas.

Tradução: Ana Cunha Coutinho e Pedro Almeida Jorge

Narração: Mário Redondo

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