Moeda, Banca e Mercados Financeiros, Excertos e Ensaios, Economia, Nível Introdutório
Diz-se que Lenine terá declarado que a melhor forma de destruir o Sistema Capitalista era corrompendo a moeda. Através de um processo contínuo de inflação, os governos podem confiscar, secretamente e sem serem observados, uma parte importante da riqueza dos seus cidadãos. Com este método, não só confiscam, como confiscam arbitrariamente; e, embora o processo empobreça muitos, a verdade é que enriquece alguns. A percepção deste rearranjo arbitrário de fortunas abala não só a segurança, mas também a confiança das pessoas na equidade da presente distribuição de riqueza. Aqueles a quem o sistema traz ganhos inesperados, para lá do seu merecimento e mesmo para lá das suas expectativas ou desejos, tornam-se "especuladores", objecto do ódio da burguesia a quem o inflacionismo empobreceu, não menos que do proletariado. À medida que a inflação prossegue e o valor real da moeda flutua desmedidamente de mês para mês, todas as relações duradouras entre devedores e credores, que constituem o mais importante pilar do capitalismo, tornam-se de tal forma desordenadas que praticamente perdem o sentido; e o processo de obtenção de riqueza acaba a degenerar num jogo de azar, numa lotaria.
Lenine tinha de facto razão. Não há meio mais subtil, mais seguro de derrubar a base existente da Sociedade do que adulterar a moeda. O processo arregimenta para o lado da destruição todas as forças ocultas das leis económicas, e fá-lo de tal forma que nem um num milhão de homens é capaz de o diagnosticar.
Nas últimas fases da guerra, todos os governos beligerantes puseram em prática, seja por necessidade ou por incompetência, aquele que poderia ser o plano deliberado de qualquer bolchevique. Mesmo agora, com a guerra terminada, a maioria continua, por fraqueza, com as mesmas más práticas. Mas além disso, os governos da Europa, sendo muitos deles, neste momento, imprudentes nos seus métodos, além de fracos, tentam orientar a indignação popular contra as consequências mais óbvias dos seus métodos no sentido da classe tida como "especuladora”. Estes "especuladores" são, genericamente, a classe empreendedora dos capitalistas, ou seja, o elemento activo e construtivo de toda a sociedade capitalista, que num período de rápida subida de preços não pode deixar de enriquecer rapidamente, quer o deseje, quer não. Se os preços estão continuamente a subir, qualquer negociante que tenha comprado para constituir inventário ou que possua propriedades, instalações e equipamento obtém inevitavelmente lucros. Assim, ao dirigir o ódio contra esta classe, os governos europeus estão a facilitar o processo fatal que a mente subtil de Lenine tinha conscientemente concebido. Os “especuladores” são uma consequência e não uma causa do aumento dos preços. Ao combinar um ódio popular pela classe dos empreendedores com o golpe já dado na segurança social através da perturbação violenta e arbitrária dos contratos e do equilíbrio de riqueza vigente - um resultado inevitável da inflação -, estes governos estão, rapidamente, a tornar impossível a continuação da ordem social e económica do século XIX. Mas não têm qualquer outro plano para a sua substituição.
Neste famoso excerto de 1919, John Maynard Keynes (1883-1946), um dos economistas e conselheiros políticos mais influentes da primeira metade do séc. XX, descreve com esplêndida persuasão e admirável brevidade os efeitos nefastos das políticas inflacionistas implementadas vezes sem conta por quase todos os governos ao longo da História.
Este excerto é parte do livro The Economic Consequences of the Peace (1919), obra que catapultou Keynes para a fama pela sua crítica ao Tratado de Versalhes assinado após a Primeira Guerra Mundial. O texto foi depois também incluído na sua compilação Essays in Persuasion (1931), recentemente editada em Portugal.
Tradução: Patrícia Paixão
Revisão: Francisco Silva
Narração: Tiago Soares
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