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O Amor Não Basta

David D. Friedman

Excertos e Ensaios, Economia, Filosofia Política, Direito e Instituições, Liberalismo e Capitalismo, Filosofia, Ética e Moral, Nível Introdutório

Português

 

 

Uma objecção comum à propriedade privada é que esta se trata de um sistema imoral, por assentar no egoísmo. Ora, isso não é verdade. A maioria das pessoas define o egoísmo como a atitude de apenas cuidar de si próprio e descurar o bem-estar dos outros. O argumento a favor da propriedade privada não pressupõe esta atitude; pressupõe apenas a existência de pessoas diferentes em busca de diferentes fins. Cada pessoa é egoísta apenas na medida em que aceita e segue a sua própria percepção da realidade, a sua visão do "bem".

A objecção está errada também porque estipula falsas alternativas. Quaisquer que sejam as instituições vigentes, só existem essencialmente três maneiras de eu conseguir levar outra pessoa a ajudar-me a alcançar os meus fins: o amor, a troca e a força.

Quando digo "amor", quero dizer fazer dos meus fins os vossos fins. As pessoas que me amam desejam que eu obtenha o que desejo (excepto aquelas que pensam que sou bastante estúpido ao decidir o que é bom para mim). Portanto, as pessoas que me amam ajudam-me voluntariamente, "abnegadamente". "Amor" é uma palavra demasiado específica. Vocês também podiam partilhar os meus fins, não por eles serem meus, mas porque, em alguns aspectos, o nosso conceito de “bem’’ coincide. Vocês podiam voluntariar-se para trabalhar na minha campanha política, não por me amarem, mas porque pensam que seria bom que eu fosse eleito. Obviamente, podemos também partilhar os mesmos fins por motivos inteiramente diferentes. Eu poderia pensar ser justamente aquilo de que o país precisava, e vocês podem pensar que eu sou justamente aquilo que o país merecia.

O segundo método de cooperação é a troca. Eu aceito ajudar-vos a alcançar os vossos fins, se me ajudarem a alcançar os meus.

O terceiro é a força. Façam o que eu quero ou dou-vos um tiro.

O amor – ou, grosso modo, a partilha de um fim em comum – funciona bem, mas apenas para um conjunto limitado de problemas. É muito difícil conhecer muitas pessoas bem o suficiente para se ser capaz de as amar. O amor consegue criar cooperação em problemas complicados no seio de grupos muito pequenos de pessoas, como famílias. Também funciona para grupos maiores de pessoas, no caso de fins muito simples – fins tão simples que muitas pessoas diferentes conseguem concordar completamente a seu respeito. Todavia, para um fim complexo que envolve um grande número de pessoas – como produzir este livro, por exemplo – o amor não funcionará. Não posso esperar que todas as pessoas de cuja cooperação eu preciso – tipógrafos, editores, donos de livrarias, madeireiros, trabalhadores de fábricas de celulose e mil outras pessoas – me conheçam e me amem o suficiente para quererem publicar este livro só por gostarem de mim. Nem posso esperar que concordem suficientemente com as minhas opiniões políticas de forma a que vejam a publicação deste livro como um fim em si mesmo. Nem posso esperar que estejam todos dispostos a ler o livro, predispondo-se a ajudar na sua produção. Sou então levado ao segundo método: a troca.

Eu contribuo o tempo e o esforço de produção do manuscrito. Em troca, recebo a oportunidade de divulgar as minhas perspectivas, um estímulo gratificante para o meu ego, e algum dinheiro. As pessoas que quiserem ler o livro compram o livro. Em troca, dão dinheiro. A firma que me publica e os seus empregados, os editores, dedicam o tempo, o esforço e as competências necessárias para coordenar o resto de nós; e recebem dinheiro e reputação. Os madeireiros, os impressores e outros intervenientes oferecem o seu esforço e competências para receberem dinheiro em troca. Milhares de pessoas, talvez milhões, cooperam numa única tarefa, cada uma perseguindo os seus fins.

Assim, num sistema de propriedade privada, o primeiro método – o amor – é usado onde funciona. Onde não funciona, usa-se a troca.

O ataque à propriedade privada, acusando-a de ser egoísta, contrasta o segundo método com o primeiro. Implica que a alternativa à troca, ou ao comércio "egoísta", é o amor "abnegado". Mas, sob propriedade privada, o amor já funciona onde consegue. Ninguém é impedido de fazer algo de graça se o quiser. Muitas pessoas – pais a ajudar os seus filhos, trabalhadores voluntários em hospitais, escuteiros – fazem precisamente isso. Se, para aquelas coisas que as pessoas não estão dispostas a fazer de graça, o comércio for substituído por outro método, terá de ser pela força. Em vez de as pessoas serem egoístas e fazerem coisas porque as querem fazer, passarão a ser abnegadas e fá-las-ão com uma arma apontada à cabeça.

Será esta acusação injusta? A alternativa oferecida por aqueles que deploram o egoísmo é sempre o Governo. É egoísta fazer algo por dinheiro, e por isso os bairros de lata devem ser limpos por um "grupo de jovens" recrutado por via de um "serviço universal". Traduzindo por outras palavras, isto significa que o trabalho deve ser feito por pessoas que irão para a prisão caso não o façam.

Uma segunda objecção a um sistema de propriedade privada é a de que os recursos podem ser mal alocados. Uma pessoa pode morrer de fome enquanto outra tem mais comida do que a que consegue comer. Isto é verdade, mas é verdade a respeito de qualquer sistema de alocação de recursos. Quem quer que tome a decisão pode tomar uma decisão que considero errada. Podemos, claro, criar um departamento governamental e instrui-lo de forma a dar comida a quem tem fome e roupa a quem está despido. Isto não significa que as pessoas serão alimentadas e vestidas. Em algum momento, alguma ou várias pessoas terão de decidir quem recebe o quê. Mecanismos políticos – departamentos e burocratas – seguem os seus próprios fins, do mesmo modo que os empreendedores individuais seguem os seus.

Se quase todos forem a favor de dar comida a quem tem fome, o político pode considerar que é do seu interesse fazê-lo. Mas nessas circunstâncias, o político é desnecessário: alguma alma gentil sempre dará uma refeição à pessoa que tem fome. E se a grande maioria estiver contra esta pessoa esfomeada, haverá sempre a possibilidade de alguém entre a minoria o alimentar – o político não o fará.

Não há maneira de dar a um político poder que só possa ser usado para o bem. Se ele der comida a alguém, tem de a retirar a outra pessoa; a comida não se materializa do ar. Conheço apenas uma ocasião na história moderna onde, em paz, grandes números de pessoas morreram de fome embora houvesse comida disponível. Ocorreu num sistema económico em que a decisão sobre quem precisava de comida era tomada pelo Governo. Estaline decidiu quanta comida era necessária para os habitantes da Ucrânia. A que eles não ‘’precisavam’’ foi confiscada pelo governo soviético e enviada para outro sítio. Durante os anos de 1932 e 1933, alguns milhões de ucrânianos morreram à fome. Durante cada um desses anos, de acordo com os números soviéticos, a União Soviética exportou cerca de 1.8 milhões de toneladas de trigo. Se aceitarmos um número alto para o número de pessoas que morreram – diga-se oito milhões – o trigo teria sido suficiente para providenciar cerca de duas mil calorias por dia a cada uma delas.

No entanto, a objecção socialista à má afectação dos recursos pelo capitalismo tem um ponto – um ponto com o qual consigo simpatizar esteticamente, ainda que não economicamente.

A maioria de nós acredita profundamente que só existe um bem e que, idealmente, todos devem persegui-lo. Num estado socialista perfeitamente centralizado, todos fazem parte de uma hierarquia em prol de um mesmo fim. Se esse fim for o bem único e verdadeiro, essa sociedade será perfeita num sentido em que a sociedade capitalista, onde todos perseguem os seus diferentes fins, com percepções imperfeitas do bem, não pode ser. Visto que a maioria dos socialistas imagina que um Governo socialista é controlado por pessoas como eles, eles imaginam que o Governo perseguirá o verdadeiro bem – aquele que eles, de forma imperfeita, concebem. E isso é seguramente melhor que o sistema caótico em que todos os tipos de pessoas que não os socialistas concebem uma variedade de bens e desperdiçam recursos valiosos em busca deles. As pessoas que sonham com uma sociedade socialista raramente consideram que algumas destas outras pessoas podem conseguir impor os seus fins ao sonhador, ao invés do contrário. George Orwell é a única excepção que me ocorre.

Uma terceira objecção à propriedade privada é que as pessoas não são realmente livres enquanto precisarem do uso da propridade de terceiros para poderem imprimir as suas opiniões ou até comer e beber. Se eu tiver de fazer o que outro quer ou morrer de fome, o sentido em que sou livre pode ser útil para um filósofo político, mas não para mim.

Isso será verdade até certo ponto, mas é igualmente verdade em qualquer sistema de propriedade pública – e de forma muito mais relevante. É bem mais provável que exista um dono para toda a comida se as coisas pertencerem aos governos do que se pertencerem a indivíduos privados; existem muito menos governos do que indivíduos. O poder diminui quando é dividido. Se uma pessoa for dona de toda a comida, ela pode obrigar-me a praticamente tudo. Se a comida for dividida entre uma centena de pessoas, ninguém me pode obrigar a grande coisa; se uma tentar, conseguirei melhor negócio com outra.

O economista e jurista David D. Friedman, filho de Milton e Rose Friedman, explica que, no capitalismo, as circunstâncias em que o amor pode servir de base às relações interpessoais já são utilizadas, e que portanto a alternativa às trocas comerciais seria o uso da força.

Capítulo 3 do livro Machinery of Freedom, disponível através da nossa Biblioteca.

Tradução: Jorge Miguel Teixeira.

Revisão: Pedro Almeida Jorge.

Narração: Diogo Costa.

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