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O Liberalismo Político

Orlando Vitorino

Autores Portugueses, Excertos e Ensaios, Liberalismo e Capitalismo, Filosofia Política, Direito e Instituições

Português

Ao lado do liberalismo económico e do liberalismo religioso, o liberalismo político não chegou a estabelecer eficazmente o sistema que lhe é próprio, aquele que, a partir do primado do individuo, concilia o essencial da monarquia, ou governo de um, da aristocracia, ou governo dos melhores, e da democracia, ou governo de todos. Trata-se do sistema que, já para os antigos Aristóteles e Platão, depois para os romanos e, no limiar dos nossos tempos, para Maquiavel e até para Hegel, constitui o melhor dos sistemas possíveis. Aristóteles deu-lhe a designação de «poliarquia». O direito moderno – que se deduz do princípio da liberdade como o direito romano se deduz do princípio da justiça e o grego do princípio da verdade – conseguiu dar a sistematização mais aperfeiçoada à poliarquia dos antigos, graças ao predomínio que atribuiu ao contrato, forma jurídica sem a qual é difícil que a sociedade consagre a liberdade do indivíduo. Foi com a sistematização do direito moderno, deduzindo o direito público do direito privado, que a poliarquia dos antigos recebeu a designação de liberalismo.

O liberalismo que se desenvolveu durante parte dos séculos XVIII e XIX, não chegou, todavia, a ir além de uma primeira fase. Na sua origem está a vitória sobre o totalitarismo dos sistemas medievais que, apoiado na filosofia nórdica do poder e da vontade, constituiu uma milenária interrupção da sabedoria que os homens haviam alcançado na antiguidade e fizeram ressurgir na modernidade. Apresentava-se, o totalitarismo medieval, nas formas da monarquia e da aristocracia, o que levou os liberais – que eram sobretudo aristocratas e mais monarquistas do que democratistas – a insistir na designação de democracia, expressão que ainda hoje goza do prestígio que tal insistência lhe ganhou.

Foi para conciliarem a aristocracia com a democracia que os liberais recorreram ao sistema dos Partidos Políticos, organizações que, comandadas por alguns aristocratas, se oferecem ao aplauso ou à eleição democrática de todos. Deste modo se acabou por atribuir ao sufrágio, e não à razão, a escolha dos governantes, isto é, a origem do poder. Mantendo-se a monarquia como garantia da unidade ou da singularidade de cada povo e como representação do primado do indivíduo, ela mesma acabou por ser transformada, devido àquela substituição da razão pelo sufrágio, num presidencialismo temporário e eleitoralista.

Toda esta construção, assim sujeita às vicissitudes de uma primeira tentativa para dar expressão e vigência política ao sistema do direito moderno deduzido da liberdade e fundado no indivíduo, foi alvo de numerosas e acertadas críticas dos mais lúcidos pensadores liberais. Stuart Mill, por exemplo, não se poupou a esforços que, para além dos seus escritos, se destinavam a fazer repudiar a organização política por Partidos. Tais esforços apenas serviram aos adversários do liberalismo que, identificando-o injustamente com o partidarismo, o condenavam com argumentos que só a este se aplicavam.

Os grandes adversários do liberalismo foram, por um lado, os colectivistas que, com uma aparência de novidade e uma froseologia científica extraída do evolucionismo ou progressismo darwinista, defendiam e defendem o mesmo totalitarismo medieval banido pelo liberalismo; quase todos de origem germânica, orientavam-se pela filosofia nórdica do poder e da vontade que tem, na filosofia alemã, a sua última e mais vigorosa expressão. Foram, por outro lado, os nostálgicos do passado monárquico e aristocrático ou, melhor, regalista e nobiliárquico. Sem conseguirem adaptar, aperfeiçoar ou sublimar o regalismo em monarquia e a nobreza em aristocracia, viram no liberalismo o destruidor de uma tradição que amavam mas a que não sabiam ser fiéis. Fizeram-se inimigos de todo o individualismo sem se aperceberem de que não há verdadeiro monarca sem o primado do indivíduo, e só favoreceram assim as posições colectivistas que, se podem aplaudir um déspota, não podem reconhecer um monarca. Transferiram para o conceito liberal da propriedade as imagens mortas do feudo, erro calamitoso que só serviu para dar verosimilhança e credibilidade às críticas que os defensores da estatização faziam à propriedade liberalista. Finalmente, puseram-se a apoiar o totalitarismo por verem nele, com motivos certos, uma expressão do absolutismo que só a cegueira de uma sentimentalidade saturada de nostalgia ainda poderia minimamente valorizar.

Com suas íntimas deficiências e defrontando adversários cada vez mais unidos, ou somados, o liberalismo viu-se batido em muitos países, acha-se exangue noutros e encontra-se discutido naqueles onde ainda consegue perdurar. Nada perdeu todavia da sua verdade e consegue manter respeitados, ou até bem vivos, alguns dos seus primordiais valores. E nos últimos anos, graças à persistência de alguns pensadores, graças à força da inexorável realidade e graças a inevitável frustração da vitória dos seus adversários colectivistas, o liberalismo começa a ressurgir como o sistema mais adequado à verdade que é a existência do homem no mundo.

Ensaio do filósofo português Orlando Vitorino (1923-2003) na revista Escola Formal, n.º 3, Agosto/Setembro de 1977.

Colaboração na transcrição: Sérgio Inácio.

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