Ode à Liberdade

ao José Antunes Ferreira

Livre, livre,
o homem quer-se livre,
não rias, liberdade,
livre, livre,
o homem quer o impossível,
o homem tem saudade
daquilo que foi ou que será…
Por um mito,
por uma presumível realidade,
ser livre é o seu fito
no paraíso que haverá.
Não rias, liberdade,
no intempo o semeador
espera que a semente seja flor.

Decerto, liberdade,
sem ti o homem buscou o teu conceito
e a operação de procurar-te no exterior,
na subjetiva opinião,
na abstrata sociedade,
na política da paixão
abriu em cada ciclo uma outra dor.

Decerto, liberdade,
o homem quis mais do que sabia,
o homem quis assemelhar-se ao criador
e criar pela vontade ou pela só política
o reino da harmonia,
o regresso à liberdade mítica,
o ser e o haver unidos em esplendor.

Livre, livre, o homem quer-se livre,
mas não há liberdade sem ciência,
não há liberdade sem consciência
e se no espelho de cada alma não te vires,
ó liberdade,
sabes bem que vão é querer-te, vão amar-te,
e que angustioso será apregoar-te
no reino dos escravos da mentira.
Tudo por ti se faça e o erro não importa,
porque errante é o homem peregrino,
mas por ti hoje e amanhã se recomece,
para lá do sistema, no homem interior,
para lá da sociedade, na alma e na razão,
para lá do interesse, na verdade.

Vem, liberdade,
no seio da realidade sem limites
te espera o homem infinito
de alma aberta a Deus,
vem terra, possível liberdade,
vem luminosa, vem grandiosa
como a tua universal finalidade.

Vem liberdade ser, mas transcende
o corpo, a terra, a posse
vem, liberdade profetizada,
vem lentamente, vem merecidamente
na hora difícil da maturidade,
mas vem, liberdade,
e haverá, enfim, humanidade.

O presente poema foi retirado do livro A Ideia da Liberdade no Pensamento Português, Ed. Terra Livre – Direcção-Geral da Comunicação Social, 1985. Apareceu originalmente na obra Imitação do homem (1966).

Colaboração na edição: Ricardo Oliveira.