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Os Pânicos Bancários e o Banco de Inglaterra

Walter Bagehot

Excertos e Ensaios, Moeda, Banca e Mercados Financeiros, Liberalismo e Capitalismo, Economia

Português

O que é desejável e necessário para parar um pânico é passar a impressão de que, embora o dinheiro possa escassear, ainda assim é possível obtê-lo. Se as pessoas puderem realmente convencer-se de que podem obter dinheiro se esperarem um dia ou dois, e que a ruína absoluta não está a chegar, muito provavelmente deixariam de correr de uma forma tão desesperada ao dinheiro. Ou se fecha o Banco [Central] de uma vez só e se diz que não se emprestará mais do que é normal, ou então empresta-se livremente, com vigor, e de forma a que o público possa sentir que é sua intenção continuar a emprestar. Emprestar-se muito, e ainda assim não oferecer ao público a confiança de que se emprestará de forma suficiente e eficaz, é a pior de todas as políticas; mas é a política presentemente seguida.

(...)

A intenção é conter o pânico; e os adiantamentos devem, se possível, conter o pânico. E para esse propósito há duas regras:

Primeira. Que estes empréstimos só devem ser feitos a uma taxa de juro muito elevada. Isso funcionará como uma pesada coima sobre a falta de timidez, e evitará a maioria dos pedidos da parte de pessoas que não precisem mesmo do crédito. A taxa deve ser aumentada logo no início do pânico, para que a coima possa ser paga desde cedo; ou seja, para que ninguém possa pedir emprestado só por precaução sem que pague bem por isso, podendo assim proteger-se a reserva bancária na medida do possível.

Em segundo lugar. Que, a esta taxa, os adiantamentos sejam feitos sobre todos os bons títulos bancários, e tão amplamente quanto o público os pedir. A razão é simples. O objetivo é conter o alarme, e nada deve, portanto, ser feito para causar alarme. Ora, a forma de causar alarme é recusar alguém que tenha uma boa garantia para oferecer. A notícia disto espalhar-se-á num instante por todo o mercado monetário num momento de terror; ninguém sabe dizer exatamente quem a leva, mas em meia hora será levada a todo o lado, e em todo o lado intensificará o terror. Na verdade, não será necessário fazer quaisquer adiantamentos pelos quais o Banco acabe por sofrer perdas. A quantidade de maus negócios em países comerciais é uma fração infinitamente pequena de todo o negócio. Que, durante um pânico, o banco ou os bancos detentores da reserva tenham de recusar más letras ou maus títulos não tornará o pânico realmente pior; as pessoas "desaconselháveis" representam uma débil minoria e até têm medo de parecer assustadas por receio que a sua falta de solidez possa ser detetada. A grande maioria, a maioria a proteger, são as pessoas "recomendáveis", as pessoas que têm boa garantia para oferecer. Se se souber que o Banco de Inglaterra está a adiantar livremente sobre o que em tempos normais se considera ser uma boa garantia – sobre o que é normalmente apresentado e facilmente convertível – o alarme dos comerciantes e dos banqueiros solventes conter-se-á. Porém, se os títulos de boa qualidade e geralmente convertíveis forem recusados pelo Banco, o alarme não diminuirá, os outros empréstimos não alcançarão o seu objetivo, e o pânico tornar-se-á cada vez pior.

(...)

A única imitação do sistema americano que se nos afigura possível na prática seria decretar que o departamento bancário do Banco de Inglaterra devesse manter sempre uma proporção fixa – por exemplo, um terço do seu passivo – em reserva. Porém, como já vimos anteriormente, uma proporção fixa das responsabilidades, mesmo quando essa proporção seja voluntariamente escolhida pelos diretores, e não imposta por lei, não representa o regime adequado para uma reserva bancária. Os passivos podem ser iminentes ou distantes, e uma regra fixa que imponha a mesma reserva para ambas errará por vezes por excesso, e por vezes por defeito. Desperdiçará lucros por excesso de provisão contra os perigos comuns e, no entanto, pode nem sempre salvar o banco; pois esta disposição será provavelmente insuficiente contra perigos raros e invulgares.

Todavia, por muito mau que este sistema seja quando voluntariamente escolhido, torna-se bem pior quando é legal e compulsivamente imposto. Quando o mercado monetário inglês se encontrasse em estado sensível, a mera aproximação do limite legal da reserva seria um incentivo certo ao pânico; se um terço fosse fixado por lei, no momento em que os bancos estivessem perto de um terço, o alarme soaria, e correria como que por magia. E o medo seria pior, pois não seria infundado – pelo menos, não totalmente. Se se diz que o Banco deve manter sempre um terço do seu passivo como reserva, diz-se de facto que esse terço será sempre inútil, pois o Banco não poderá fazer adiantamentos com base nele, nem conceder ajuda extra; não pode fazer o que já vimos que os detentores da reserva devem e têm de fazer. Não há ajuda para nós no sistema americano; a sua própria essência e princípios são defeituosos.

(...)

Terei falhado no meu propósito se não demonstrar que o sistema de confiar toda a nossa reserva a um único conselho, no caso o dos diretores do Banco [de Inglaterra], é deveras anómalo; que é muito perigoso; que as suas más consequências, embora muito sentidas, não foram totalmente percecionadas; que foram obscurecidas por argumentos tradicionais e escondidas na poeira de controvérsias antigas.

Mas perguntar-se-á – o que seria melhor? Que outro sistema poderia existir? Estamos tão habituados a um sistema bancário dependente de um único banco para a sua função cardinal, que dificilmente somos capazes de conceber qualquer outro. Contudo, o sistema natural – o que teria surgido se o Governo tivesse deixado a banca sozinha – é o de muitos bancos de igual ou não totalmente desigual dimensão. Em todos os outros ramos de atividade, a concorrência leva os comerciantes a uma igualdade aproximada. Na fiação do algodão, nenhuma empresa ultrapassa de longe e permanentemente as outras. Não há tendência para uma monarquia no mundo do algodão; nem, onde a banca foi deixada livre, há também qualquer tendência para uma monarquia na banca. Em Manchester, em Liverpool, e por toda a Inglaterra, temos um grande número de bancos, cada um com um negócio mais ou menos bom, mas não temos um banco com qualquer tipo de predominância; nem existe qualquer banco desse tipo na Escócia. No novo mundo dos bancos em regime de sociedade anónima, com exceção do Banco de Inglaterra, vemos basicamente o mesmo fenómeno. Um ou mais conseguem por um tempo um negócio melhor do que os outros, mas nenhum banco obtém permanentemente uma predominância inquestionável. Nenhum deles se adianta tanto aos outros que os outros decidam colocar voluntariamente as suas reservas à sua guarda. Uma república com muitos concorrentes de dimensão ou tamanho adequados ao negócio é a constituição de todo o ramo de atividade quando deixado por sua conta – o da banca tanto como qualquer outro. Uma monarquia em qualquer negócio é sinal de alguma vantagem anómala, e de alguma intervenção externa.

(...)

Num bom sistema bancário, um grande colapso, exceto em caso de rebelião ou invasão, provavelmente não aconteceria. Um grande número de bancos, cada um deles sentindo que o seu crédito estava em jogo para que mantivesse uma boa reserva, provavelmente mantê-la-ia; se algum não o fizesse, seria constantemente criticado, e em breve perderia a sua reputação, e no final desapareceria. Esses bancos enfrentariam livre e generosamente um pânico incipiente; adiantariam da sua reserva com vigor e em larga medida, pois cada banco individualmente temeria suspeitas, e saberia que nessas ocasiões teria de "mostrar força", se em tais momentos desejasse ser considerado sólido. Tal sistema reduz ao mínimo o risco que é causado pelo depósito. Se acreditamos que é possível depositar de forma segura o dinheiro nacional nos bancos, esta é a maneira de o conseguir.

Mas este sistema é quase o oposto do que a lei e as circunstâncias nos criaram em Inglaterra.

(...)

[O nosso] sistema tem males óbvios e graves:

1.º porque, tendo sido criado por ajuda estatal, necessitará mais provavelmente de ajuda estatal do que um sistema natural.

2.º porque, sendo um sistema de reserva única, reduz o dinheiro excedentário do mercado monetário a uma quantia menor do que qualquer outro sistema, tornando assim esse mercado mais delicado. Havendo menos reservas para satisfazer as responsabilidades, qualquer erro na gestão dessa reserva tem um efeito proporcionalmente maior.

3.º porque a nossa reserva única é, pela sua própria natureza, entregue a um único conselho de administração, e por isso estamos dependentes da sabedoria desse apenas, e não podemos, como na maioria dos ramos de atividade, beneficiar da média da sabedoria e da loucura, da discrição e da indiscrição, de muitos concorrentes.

Finalmente, porque esse conselho de administração é, como qualquer outro conselho, pressionado pelos seus accionistas a entregar um dividendo alto e, portanto, a manter uma reserva pequena, enquanto o interesse público exige imperativamente que eles mantenham uma reserva grande.

Interpelar-me-ão imediatamente – Propões uma revolução? Propões abandonar o sistema de reserva única, e criar de novo um sistema de reserva múltipla? A minha resposta simples é que não o proponho. Eu sei que seria infantil. O crédito para os negócios é como a lealdade para o Governo. É preciso aproveitar o que se possa encontrar e trabalhar com base nisso, se tal for possível. Um teórico pode facilmente traçar um regime de Governo em que a Rainha Vitória seria dispensável. Poderia propor uma teoria em que, uma vez admitido e sabido que a Câmara dos Comuns é o verdadeiro soberano, qualquer outro soberano seria supérfluo; porém, para efeitos práticos, nem sequer vale a pena examinar estes argumentos. A Rainha Vitória é lealmente obedecida – sem questões, e sem pensamentos – por milhões de seres humanos. Se esses milhões começassem a discutir, não seria fácil convencê-los a obedecer à Rainha Vitória, nem a qualquer outra coisa.

O nome de Walter Bagehot (1826 - 1877), um dos mais famosos jornalistas e ensaístas britânicos do sec. XIX, é principalmente reconhecido pelos economistas pela sua clássica formulação dos princípios que deveriam reger a atuação de um banco central perante um pânico financeiro: fornecer abertamente liquidez a todos os bancos que dela necessitem e que apresentem garantias de solvência, ainda que cobrando uma taxa de juro relativamente elevada para que a procura não fosse artificialmente exagerada – isto é, servir de "prestamista de última instância" ou lender of last resort.

Esta recomendação aparece na sua famosa obra Lombard Street: A Description of the Money Market, de 1873.

Dada a sua relevância, apresentamos aqui a tradução de alguns dos excertos mais marcantes da obra. Como se verifica com a sua leitura, os argumentos de Bagehot não coincidem plenamente com as implicações que os economistas deles costumam retirar, pois, na opinião do autor vitoriano, o sistema bancário "natural" seria o da livre concorrência entre bancos emissores e de reserva. Para Bagehot, o sistema de banco central é um acidente histórico resultante da intromissão perversa do Governo na atividade bancária, nomeadamente para ver o seu próprio financiamento facilitado.

Tradução e edição: Pedro Almeida Jorge.

Recursos adicionais:

Descrição da evolução dos sistemas bancários inglês e escocês, nos primeiros capítulos do clássico de Vera Smith, The Rationale of Central Banking.

Discussão detalhada sobre a evolução histórica do conceito de "prestamista de última instância", por Thomas H. Humphrey e Robert E. Keleher, aqui.

Mais detalhes sobre o funcionamento de um sistema bancário em regime de concorrência, no clássico de George Selgin, The Theory of Free Banking.

Artigo de T. M. Humphrey onde o autor demonstra que os preceitos de lender of last resort defendidos por Bagehot não implicam o conceito de bancos "too-big-to-fail", i.e. de bancos demasiado grandes para que sejam deixados falir.

A intenção de Bagehot era que se impedissem os efeitos secundários de uma crise e não propriamente que as instituições insolventes e imprudentes fossem auxiliadas.

Mais considerações sobre a opinião de Bagehot, por Julien Noizet, aqui.

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