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Parcimónia e Prodigalidade

Adam Smith

Clássicos, Excertos e Ensaios, Economia, Governo, Finanças Públicas e Tributação, Liberalismo e Capitalismo

Português

 

 

Os capitais são aumentados pela parcimónia e são reduzidos pela prodigalidade e mau emprego.

Toda a parte do rendimento que uma pessoa poupa, acrescenta-a ao seu capital, empregando-a, em seguida, na manutenção de um número adicional de trabalhadores produtivos, ou permitindo que uma outra pessoa o faça, emprestando-lhe essa parte do seu capital contra um juro, ou seja, uma parcela dos lucros. Tal como o capital de um indivíduo apenas pode ser aumentado pelo que ele poupar do seu rendimento ou ganho anual, assim também o capital de uma sociedade, que não é mais que o conjunto do de todos os indivíduos que a compõem, apenas dessa forma pode ser acrescido.

É a parcimónia, e não o nível de actividade, que é a causa imediata do aumento de capital. Mas é a actividade que fornece aquilo que a parcimónia acumula. No entanto, por mais que a actividade fornecesse capital, se a parcimónia o não poupasse e acumulasse, ele nunca cresceria.

A parcimónia, fazendo aumentar o fundo destinado à manutenção de trabalhadores produtivos, tende a aumentar o número de indivíduos cujo trabalho acrescenta valor ao objecto a que é aplicado. Tende, por consequência, a aumentar o valor de troca do produto anual da terra e do trabalho do país. Aumenta o nível de actividade capaz de fazer aumentar o valor desse produto.

Aquilo que anualmente é poupado é tão regularmente consumido como o que é anualmente despendido, e praticamente também no mesmo período; simplesmente é consumido por um diferente conjunto de pessoas. A parte do seu rendimento anualmente despendida por um indivíduo rico é, na maior parte dos casos, consumida por convidados ociosos e por criados que nada deixam atrás de si em troca do que consomem. Quanto à parte que anualmente poupa, dado que, com vista à obtenção de um lucro, é imediatamente aplicada como capital, é de igual modo consumida, e praticamente durante o mesmo período, mas por um conjunto diferente de pessoas, trabalhadores do campo, operários e artífices, que reproduzem, com um lucro, o valor do respectivo consumo anual. Vamos admitir que o rendimento inicial tinha sido pago em dinheiro. Se tivesse sido totalmente despendido, a alimentação, vestuário e alojamento que com ele tivessem sido adquiridos teriam sido distribuídos entre o primeiro conjunto de pessoas. A parte que é poupada, uma vez que é imediatamente aplicada com o objectivo de proporcionar um lucro, quer o seja pelo próprio proprietário do rendimento, quer por uma outra pessoa, irá adquirir alimentação, vestuário e alojamento necessariamente destinados ao segundo conjunto de indivíduos. O consumo é o mesmo, mas os consumidores são diferentes.

Um homem frugal, pela parte que anualmente poupa, não só assegura a manutenção de um número adicional de trabalhadores produtivos, nesse mesmo ano ou no seguinte, mas, tal como o fundador de um asilo público, cria uma espécie de fundo perpétuo para a manutenção desse número de trabalhadores nos tempos vindouros. É certo que a atribuição perpétua deste fundo nem sempre é garantida por alguma lei positiva, por um fideicomisso ou legado. É, no entanto, sempre assegurada por um factor todo-poderoso, o simples e claro interesse de todo o indivíduo a quem alguma vez há-de caber uma parte dele. Nenhuma parte desse fundo pode posteriormente ser empregada na manutenção de indivíduos não produtivos sem prejuízo evidente para a pessoa que assim o desvia da sua verdadeira finalidade.

O pródigo desvia-o exactamente dessa maneira. Dado que não mantém as suas despesas dentro dos limites do rendimento que usufrui, mina o capital. Tal como aquele que desvia os rendimentos de uma instituição caritativa para fins profanos, ele paga os salários da ociosidade com os fundos que a frugalidade dos seus antepassados tinha, por assim dizer, consagrado à manutenção de indivíduos activos.

(...)

Se a prodigalidade de uns não fosse compensada pela frugalidade de outros, o comportamento de todo o pródigo, ao sustentar os ociosos com o pão dos trabalhadores, tenderia não só a arruiná-lo a ele, mas a empobrecer igualmente o seu país.

(...)

[E]m país algum pode manter-se por muito tempo a mesma quantidade de dinheiro quando o valor da respectiva produção anual está a diminuir. A única utilidade do dinheiro consiste em permitir a circulação dos bens consumíveis. Por meio dele compram-se e vendem-se provisões, matérias-primas e produtos acabados e distribuem-se aos seus consumidores. Por conseguinte, a quantidade de dinheiro que pode anualmente ser empregada num país há-de ser determinada pelo valor dos bens consumíveis que, durante esse período, nele circulam. Estes hão-de consistir nos produtos imediatos da terra e do trabalho do próprio país e em quaisquer outros que tenham sido adquiridos com uma parte dessa produção. O seu valor terá, pois, de diminuir, à medida que se reduz o valor daquela produção e com ele se reduzirá a quantidade de dinheiro que pode ser empregada na circulação de tais produtos. Mas o dinheiro que esta redução anual da produção faz retirar da circulação interna não ficará imobilizado. O interesse dos seus possuidores exige que ele seja empregado. E, não achando utilização no país, será, a despeito de todas as leis e proibições, enviado para o estrangeiro e utilizado na compra de bens consumíveis capazes de serem usados no país. A sua exportação anual continuará durante algum tempo, e, desta forma, a acrescentar alguma coisa ao consumo anual do país para além do valor da sua própria produção. A parte do produto anual que, nos tempos de prosperidade, tinha sido poupada e empregada na compra de ouro e prata continuará, por algum tempo, a manter o respectivo consumo, na época de adversidade. A exportação de ouro e prata constituirá, nestas circunstâncias, não a causa mas o efeito da decadência do país, e pode mesmo, durante algum tempo, aliviar os efeitos adversos dessa decadência.

Pelo contrário, a quantidade de dinheiro aumentará naturalmente em qualquer país à medida que cresce o valor da respectiva produção anual.

(...)

O aumento da quantidade destes metais constituirá, nestas circunstâncias, o efeito, e não a causa, da prosperidade pública.

(...)

Deste modo, seja qual for o conceito que se tenha da riqueza e do rendimento reais de um país, quer os identifiquemos com o valor do produto anual da sua terra e do seu trabalho, como o senso comum parece indicar, ou com a quantidade de metais preciosos que nele circulam como os preconceitos vulgares admitem, segundo qualquer dos modos de ver a questão, todo o pródigo surge como um inimigo público e todo o homem frugal como um benfeitor público.

Os efeitos de um emprego deficiente são, muitas vezes, os mesmos da prodigalidade. Todo o projecto imprudente e malogrado na agricultura, nas minas, na pesca, no comércio ou na indústria tende a reduzir da mesma forma os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo.

(...)

É certo que raramente poderá acontecer que a situação de uma grande nação seja fortemente afectada quer pela prodigalidade, quer pela imprudência de alguns indivíduos: elas são sempre largamente compensadas pela frugalidade e sensatez de outros.

No que respeita à prodigalidade, o princípio que a ela conduz é a paixão pela fruição presente que, por vezes, embora violenta e difícil de dominar, é, em geral, apenas momentânea e ocasional. Mas o princípio que leva um indivíduo a poupar é o desejo de melhorar a sua situação, desejo que, embora normalmente calmo e controlado, nos acompanha desde o berço e não nos abandona até ao túmulo. Durante todo o período que separa esses dois momentos, talvez não chegue a haver um só instante em que o homem se sinta tão perfeita e completamente satisfeito com a sua situação que não deseje alterá-la ou melhorá-la por qualquer forma. O aumento da riqueza é o meio pelo qual a maior parte dos homens se propõem e desejam melhorar a sua situação. É o meio mais vulgar e mais evidente; e o meio mais razoável de aumentar a riqueza consiste em poupar e acumular uma parte daquilo que obtêm, quer regularmente, todos os anos, quer nalgumas ocasiões excepcionais. Assim, embora o princípio da prodigalidade prevaleça em quase todos os homens nalguns momentos, e nalguns homens em quase todos os momentos, no que respeita à maior parte deles, e tomando em média toda a sua vida, é o princípio da frugalidade que parece não só predominar, mas predominar muito acentuadamente.

No que se refere ao mau emprego, verifica-se que, por toda a parte, o número de empreendimentos acertados e bem sucedidos é muito superior ao dos imprudentes e malogrados. Apesar de todas as nossas lamentações quanto à frequência dos casos de falência, o número de indivíduos desafortunados que nela são lançados corresponde a uma parte muito reduzida dos que se dedicam ao comércio e a todas as restantes espécies de negócios; talvez não cheguem a um por mil. A falência é provavelmente a maior e mais humilhante calamidade que pode atingir um homem inocente. Por essa razão, a maior parte dos homens são suficientemente cuidadosos para a evitar. É certo que alguns o não conseguem, tal como outros não conseguem evitar a forca.

As grandes nações não são jamais arruinadas pela prodigalidade e mau emprego dos capitais privados, embora às vezes o sejam pelos públicos. Na maior parte dos países, a totalidade ou a quase totalidade das receitas públicas é empregada na manutenção de indivíduos não produtivos. É o caso de todos os que compõem uma corte numerosa e esplêndida, uma grande instituição eclesiástica, armadas e exércitos numerosos que em tempos de paz nada produzem e em tempos de guerra nada adquirem que possa compensar o dispêndio incorrido com a sua manutenção, ainda que só durante o período de duração da guerra. Toda essa gente, dado que nada produz, tem de ser mantida pelo produto do trabalho de outros homens. Deste modo, quando se multiplicam para além do necessário, podem, num ano, consumir uma parcela tão elevada daquele produto que a parte restante não baste para manter os trabalhadores produtivos, necessários à reprodução do ano seguinte. Assim, a produção do ano seguinte será inferior à desse ano e, se se mantiver o mesmo desconcerto, a do ano a seguir reduzir-se-á ainda mais. Pode acontecer que esses indivíduos improdutivos, que deviam ser mantidos apenas por uma parte do rendimento disponível do conjunto das pessoas, cheguem a consumir uma parcela tão grande da totalidade do rendimento, obrigando tão elevado número de indivíduos a consumir o respectivo capital, ou seja, os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo, que a frugalidade e adequado emprego dos capitais por parte dos indivíduos não seja suficiente para compensar a perda e degradação do produto originadas por esse violento e forçado abuso.

Todavia, na maior parte das ocasiões, esta frugalidade e adequado emprego de capitais são, ao que a experiência mostra, suficientes para compensar não só a prodigalidade e mau emprego de capitais privados, mas também a extravagância pública dos governos. O esforço uniforme, constante e ininterrupto de todos os homens para melhorarem a sua situação, princípio de que deriva originariamente a opulência pública e nacional, tal como a privada, é muitas vezes suficientemente poderoso para manter o progresso natural das coisas no sentido da sua melhoria, a despeito tanto da extravagância do governo como dos erros de administração. Tal como o princípio desconhecido da vida animal, ele consegue muitas vezes restituir a saúde e o vigor à constituição, apesar não só da doença, mas também dos absurdos tratamentos prescritos pelo médico.

Não há qualquer outra forma de aumentar o produto anual da terra e do trabalho de uma nação que não seja pelo aumento do número dos trabalhadores produtivos ou da capacidade produtiva dos trabalhadores já antes empregados. É evidente que o número dos trabalhadores produtivos só pode aumentar significativamente em consequência de um aumento do capital, ou seja, dos fundos destinados à sua manutenção. Quanto à capacidade produtiva do mesmo número de trabalhadores, ela só poderá aumentar em consequência ou de um acréscimo do número e melhoria das máquinas e instrumentos que facilitam e reduzem o respectivo trabalho, ou de uma mais adequada divisão e distribuição do emprego. Em qualquer dos casos torna-se quase sempre necessário um capital adicional. É somente graças a esse capital adicional que o empresário de qualquer oficina pode fornecer aos seus operários maquinaria mais aperfeiçoada, ou pode distribuir o trabalho entre eles de forma mais adequada.

(...)

[Q]uando comparamos a situação de um país em dois períodos diferentes, se verificarmos que o produto anual da sua terra e do seu trabalho é claramente mais elevado no período mais recente do que no período mais remoto, e que, além disso, as terras se acham melhor cultivadas, as fábricas são mais numerosas e mais prósperas e o comércio se desenvolveu, poderemos estar certos de que o capital desse país aumentou no período que decorreu entre esses dois momentos e que o valor que lhe foi acrescentado pela boa aplicação de capitais de alguns foi superior ao que lhe foi retirado tanto pelas más aplicações de outros, como pela extravagância dos governos.

Na verdade, para bem podermos ajuizar deste facto, devemos estabelecer a comparação entre a situação do país em períodos bastante distantes um do outro. O progresso é normalmente tão gradual que, em períodos próximos um do outro, não só a melhoria não se torna visível mas, devido à decadência de alguns ramos da indústria ou de algumas regiões, facto que pode verificar-se concomitantemente com uma grande prosperidade do país em geral, surge, muitas vezes, a impressão de que a riqueza e a actividade do país se acham em decadência.

(...)

No decurso das quatro guerras com a França, a nação contraiu uma dívida de mais de cento e quarenta e cinco milhões, para além de todos os outros gastos anuais extraordinários por elas ocasionados, não podendo o correspondente gasto total calcular-se em menos de duzentos milhões. Parcela igualmente elevada do produto anual da terra e do trabalho do país tem sido, desde a revolução e em diferentes ocasiões, utilizada na manutenção de um número extraordinário de trabalhadores improdutivos. Se estas guerras não tivessem levado a que tão consideráveis capitais fossem empregados desta forma, a maior parte deles teria naturalmente sido empregada na manutenção de trabalhadores produtivos cujo trabalho teria reposto, com um lucro, o valor total do respectivo consumo. O valor do produto anual da terra e do trabalho do país teria, desse modo, aumentado consideravelmente todos os anos, e o acréscimo de cada ano implicaria um aumento ainda maior no ano seguinte. Ter-se-iam construído mais casas, beneficiado mais terras e melhorado os métodos de cultivo daquelas que já antes fossem cultivadas, estabelecido mais indústrias e ampliado as que já antes estivessem em funcionamento; e não é talvez muito fácil sequer imaginar a que valor a riqueza real e o rendimento do país poderiam, por esta altura, ter ascendido.

Todavia, ainda que a prodigalidade do governo tenha, sem dúvida, retardado o progresso natural da Inglaterra no sentido da riqueza e do desenvolvimento, não lhe foi possível impedi-lo. O produto anual da terra e do trabalho do país é agora, sem dúvida, muito superior ao registado ao tempo quer da restauração, quer da revolução. Deve, por conseguinte, ser também muito mais elevado o capital anualmente empregado no cultivo das suas terras e na manutenção do seu trabalho. No meio de todas as exigências do governo, esse capital foi silenciosa e gradualmente acumulado pela frugalidade e bom emprego dos capitais por parte dos particulares, pelo seu universal, contínuo e ininterrupto esforço para melhorar a situação de cada um. Foi este esforço, protegido pela lei e acompanhado da liberdade de exercer-se da forma mais proveitosa, que manteve a Inglaterra no caminho da riqueza e do progresso, em todos os tempos passados, e esperamos bem que o continue a conseguir em todos os tempos vindouros.

(...)

[C]onstitui a maior impertinência e presunção por parte dos reis e ministros o pretenderem fiscalizar a economia dos cidadãos e restringir os seus gastos, seja através de leis sumptuárias, seja pela proibição da importação de bens de luxo. Eles são sempre, e sem excepção, os maiores perdulários que existem na sociedade. Cuidem bem dos seus próprios gastos e poderão confiadamente deixar aos particulares o cuidado dos deles. Se a extravagância dos governantes não arruinar o Estado, poderemos estar certos de que a dos súbditos jamais o fará.

Excertos do Capítulo III, Livro II, do clássico Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), obra magna do pensador escocês Adam Smith (1723-1790), considerada por muitos o texto fundacional da ciência económica.

A presente tradução, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, esteve a cargo de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar, e baseou-se na edição levada a cabo pelo economista britânico Edwin Cannan (1861-1935), nascido no Funchal. Para uma leitura ainda mais completa, sugerimos a consulta das suas também famosas notas editoriais, acessíveis através da nossa biblioteca.

Seleção de excertos: Pedro Almeida Jorge.

Colaboração na edição: Nuno Quintão.

Narração: Mário Redondo.

Para mais obras e excertos de Adam Smith, consultar a sua página na nossa biblioteca.

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