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Sobre as Lotarias e os Seguros

Adam Smith

Pobreza e Estado Social, Economia

Português

 

 

O conceito exageradamente favorável que a maior parte dos homens tem das suas próprias capacidades é um mal antigo que os filósofos e moralistas de todas épocas têm feito notar. A absurda presunção que mantêm no que respeita à sua boa sorte tem sido menos notada. É, todavia, se possível, ainda mais universal. Não existe nenhum homem que, achando-se de boa saúde e bem disposto, não compartilhe de algum modo desse sentimento. A possibilidade de ganho é mais ou menos sobreavaliada por todos os homens, e a possibilidade de perda é subavaliada pela maioria deles e praticamente nenhum homem que se encontre num estado de saúde e disposição razoáveis lhe atribuirá um valor superior ao real.

Que a possibilidade de ganho é naturalmente sobreavaliada é um facto que pode verificar-se pelo êxito universal das lotarias. O mundo nunca viu, e nunca verá, uma lotaria perfeitamente equitativa, ou seja, uma em que o ganho total compense a perda total, porque, num tal caso, o promotor nada ganharia com ela. Nas lotarias oficiais os bilhetes não valem, na realidade, o que por eles pagam os compradores originais e, no entanto, vendem-se normalmente no mercado por mais vinte, trinta ou quarenta por cento. A vã esperança de ganhar alguns dos prémios grandes é a única razão de ser desta procura. Mesmo as pessoas mais sensatas têm dificuldade em considerar uma loucura o pagamento de uma pequena soma em troca da possibilidade de ganhar dez ou vinte mil libras, mesmo que saibam que essa pequena soma é talvez vinte ou trinta por cento superior ao valor daquela possibilidade. Numa lotaria em que nenhum prémio excedesse as vinte libras, ainda que, em todos os outros aspectos, se aproximasse muito da mais perfeita equidade do que as lotarias oficiais correntes, não haveria tamanha procura de bilhetes. A fim de aumentar as probabilidades de obter um dos prémios grandes, muita gente compra vários bilhetes e outros compram pequenas parcelas em número ainda maior. Não há, contudo, em toda a matemática, proposição mais certa que a que afirma que, quanto mais bilhetes comprarmos, tanto mais certa será a perda. Comprem-se todos os bilhetes da lotaria e ter-se-á a certeza de perder; e quanto maior o número de bilhetes comprados, tanto mais nos aproximaremos dessa certeza.

Que a probabilidade de perda é frequentemente subavaliada, e que raramente lhe é atribuído um valor superior ao real, mostram-no os lucros muito reduzidos dos seguradores. Para que os seguros, quer contra o fogo, quer contra riscos marítimos, possam de algum modo constituir um negócio, o prémio médio deve ser suficiente para compensar as perdas médias, para pagar as despesas de administração e para proporcionar um lucro igual ao que poderia obter-se com o mesmo capital quando empregado em qualquer outro ramo de actividade. A pessoa que não paga mais do que isto, não paga evidentemente senão o real valor do risco, ou seja, o preço mais baixo a que, em condições razoáveis, pode esperar efectuar o seguro. Mas, embora muita gente tenha conseguido algum dinheiro nos seguros, muito poucos são os que conseguiram uma grande fortuna, e esta consideração basta para tornar suficientemente evidente que o equilíbrio que correntemente se estabelece entre os lucros e as perdas não é mais vantajoso nesta actividade do que em muitas outras em que tanta gente faz fortunas. E, no entanto, embora o prémio de seguro seja, em regra, moderado, muita gente despreza demasiado o risco para achar que valha a pena pagá-lo. Se considerarmos a média de todo o reino, dezanove casas em vinte, ou melhor, noventa e nove em cem, não estão seguras contra incêndio. Os riscos marítimos assustam mais a maior parte das pessoas, e a proporção de navios seguros para os que não estão é muito maior. Muitos navegam, contudo, em todas as estações, e até em tempo de guerra, sem qualquer seguro. Isto pode, por vezes, fazer-se talvez sem implicar qualquer imprudência. Quando uma grande companhia, ou mesmo um grande comerciante, tem vinte ou trinta barcos no mar, eles podem, por assim dizer, segurar-se uns aos outros. O prémio poupado relativamente a todos eles pode compensar largamente as perdas normais que têm probabilidade de sofrer. A razão por que se descura o seguro dos navios, tal como o das casas, não é, contudo, na maioria dos casos, o resultado de tão especiosos cálculos, mas de simples imprudência e do desprezo presunçoso do risco.

Excertos do Capítulo X, Livro I, do clássico Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), obra magna do pensador escocês Adam Smith (1723-1790), considerada por muitos o texto fundacional da ciência económica.

A presente tradução, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, esteve a cargo de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar, e baseou-se na edição levada a cabo pelo economista britânico Edwin Cannan (1861-1935), nascido no Funchal. Para uma leitura ainda mais completa, sugerimos a consulta das suas também famosas notas editoriais, acessíveis através da nossa biblioteca.

Narração: Mário Redondo.

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