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Os impostos são aquela parte do produto da terra e do trabalho de um país que é colocada à disposição do Estado e, em última análise, são sempre pagos ou pelo capital ou pelo rendimento do país.
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Quando a produção anual de um país é superior ao consumo anual diz-se que o seu capital aumenta; quando o consumo anual não é pelo menos reconstituído pela produção anual diz-se que o seu capital diminui. Portanto, o aumento do capital pode ser devido a um aumento da produção ou a uma diminuição do consumo improdutivo.
Se o consumo do Estado aumentar graças ao lançamento de impostos adicionais mas se ele for satisfeito quer por um aumento da produção quer por uma diminuição do consumo da nação, os impostos vão recair sobre o rendimento e o capital nacional permanecerá intacto; mas se a produção não aumentar ou se o consumo da nação não diminuir, os impostos devem necessariamente recair sobre o capital, isto é, reduzem os fundos destinados ao consumo produtivo.[1]
À medida que o capital de um pais diminui, a sua produção necessariamente diminuirá e, portanto, se os particulares e o governo continuarem a fazer as mesmas despesas improdutivas enquanto a produção anual continuar a diminuir constantemente, os rendimentos da nação e do Estado vão diminuindo a um ritmo crescente e a miséria e a ruína instalar-se-ão.
Apesar das imensas despesas que o governo inglês tem feito durante os últimos vinte anos, parece não haver dúvida que foram mais do que compensadas pelo aumento da produção nacional. O capital nacional não só permaneceu intacto como foi enormemente acrescentado e o rendimento nacional, mesmo depois do pagamento dos impostos, é provavelmente maior actualmente do que em qualquer outro período anterior da nossa História.
Como prova disto podíamos citar o aumento da população, a extensão da agricultura, o desenvolvimento da marinha mercante e das indústrias, a construção de docas, a abertura de numerosos canais assim como muitos outros empreendimentos dispendiosos, todos demonstrando um aumento tanto do capital como da produção anual.
Todavia, é bem certo que este aumento do capital seria muito maior se não fossem os impostos. Não há imposto que não tenda a diminuir a acumulação. Todos os impostos incidem sobre o capital ou sobre o rendimento. Se recaem sobre o capital, têm que reduzir proporcionalmente o fundo cujo volume regula o desenvolvimento das indústrias de um país e se incidem sobre o rendimento devem fazer diminuir a acumulação ou forçar os contribuintes a poupar o montante do imposto, obrigando-se eles a uma correspondente redução no seu anterior consumo improdutivo de bens necessários e de luxo. Alguns impostos produzem estes efeitos em maior grau do que outros, mas o grande defeito dos impostos não consiste tanto na seleção da matéria coletável como na importância total dos seus efeitos considerados colectivamente.
Um imposto não é necessariamente um imposto sobre o capital por incidir sobre ele, nem sobre o rendimento por incidir sobre este. Se sou obrigado a pagar 100 £ sobre o meu rendimento anual de 1 000 £, tratar-se-á, com efeito, de um imposto sobre o meu rendimento se eu só gastar as restantes 900 £; mas será um imposto sobre o capital se eu continuar a gastar 1 000 £.
O capital donde retiro o rendimento de 1 000 £ pode valer 10 000 £. Um imposto de 1% sobre esse capital representaria 100 £; mas o meu capital não seria afectado se, depois de pagar este imposto, me satisfizesse com uma despesa de 900 £.
O desejo que todo o homem tem de conservar a sua posição social e de manter a sua fortuna em estado próspero faz com que a maioria dos impostos sejam pagos com os rendimentos quer eles sejam lançados sobre o capital quer sobre o rendimento. Por conseguinte, à medida que aumentem os impostos ou que cresçam as despesas do Estado, a despesa anual da nação deve diminuir salvo se lhe for possível aumentar o rendimento e o capital na mesma proporção. Os governos deviam fomentar uma tal atitude da parte do povo e nunca deviam lançar impostos que atinjam inevitavelmente o capital porque, se o fizerem, vão amputar o fundo destinado à manutenção do trabalho e, portanto, diminuir a produção futura do país.
Em Inglaterra tem-se negligenciado esta política no imposto sobre as legitimações de testamentos, no imposto sobre as heranças e em todos os impostos que afectam a transferência de propriedade dos mortos para os vivos. Se uma herança de 1 000 £ for sujeita a um imposto de 100 £, o herdeiro considerará a sua herança como valendo somente 900 £ e não encontrará algum motivo particular para poupar as 100 £ de imposto; deste modo, o capital nacional diminui. Mas se ele tivesse realmente recebido 1 000 £ e lhe mandassem pagar 100 £ de imposto sobre o rendimento, o vinho, os cavalos ou os criados, a sua despesa provavelmente diminuiria, ou antes, não aumentaria nesse montante e o capital nacional não seria afectado.
«Os impostos sobre a transferência de propriedade dos mortos para os vivos», diz Adam Smith, «recaem, em última análise, assim como imediatamente, sobre as pessoas para quem se transfere a propriedade. Os impostos sobre a venda das terras recaem totalmente sobre o vendedor. Este tem quase sempre necessidade de vender e, portanto, deve aceitar o preço que lhe fazem. O comprador quase nunca tem necessidade de comprar e, portanto, só concordará com o preço que entender. Faz o cálculo de quanto a terra lhe custará conjuntamente com o imposto e o preço de compra. Quanto mais for obrigado a pagar de imposto menos estará disposto a dar no preço. Portanto, tais impostos incidem quase sempre sobre uma pessoa necessitada e, por conseguinte, devem ser cruéis e opressivos». «Os direitos de selo e os direitos de registo das obrigações e dos contratos sobre empréstimos incidem na totalidade sobre o devedor e, de facto, são sempre pagos por ele. Os impostos da mesma espécie sobre as acções legais recaem sobre os litigantes. Eles reduzem para ambas as partes o valor do capital em litígio. Quanto mais elevados forem os impostos sobre a compra de propriedades menor será o seu valor líquido depois de adquiridas. Como todos os impostos sobre a transferência de qualquer espécie de propriedade diminuem o valor do capital dessa propriedade, eles tendem a diminuir os fundos destinados à manutenção do trabalho. São todos impostos mais ou menos antieconómicos que aumentam o rendimento do soberano, o qual raramente dispõe de trabalhadores cujo trabalho seja produtivo em detrimento do capital do povo, o qual só dispõe de trabalhadores produtivos.»
Mas isto não é a única objecção contra os impostos sobre a transmissão de propriedade. Estes impedem ainda que o capital nacional seja distribuído de maneira mais benéfica para a sociedade. Para o desenvolvimento da prosperidade geral nunca são demasiadas as facilidades dadas à transmissão e troca de todas as espécies de propriedade porque é dessa maneira que todas as espécies de capital podem chegar às mãos dos que o sabem aplicar melhor no aumento da produção do país. «Porque é que», pergunta Say, «uma pessoa deseja vender a sua terra? É porque tem em vista outra aplicação na qual o seu capital renderá mais. Porque é que outra pessoa deseja comprar a mesma terra? É para empregar um capital que lhe rende muito pouco ou que estava sem aplicação ou que ela crê susceptível de melhor aplicação. Esta transmissão aumentará o rendimento geral visto aumentar o rendimento das partes. Mas se os encargos forem tão elevados que impeçam a transmissão, eles tornam-se um obstáculo a este aumento do rendimento nacional.». Porém, estes impostos são facilmente colectáveis e muitas pessoas parecem crer que isso compensa, até certo ponto, os prejuízos que eles provocam.
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Os impostos lançados num país com o propósito de financiarem a guerra ou as despesas correntes do Estado e cujo produto é principalmente destinado a manter trabalhadores improdutivos são retirados ao trabalho produtivo do país. Tudo o que se puder poupar nessas despesas vai geralmente aumentar o rendimento ou mesmo o capital dos contribuintes. Quando se cobram vinte milhões através dum empréstimo para fazer face às despesas dum ano de guerra são vinte milhões que se subtraem ao capital produtivo da nação. O milhão anual que é cobrado através dos impostos para pagar o juro deste empréstimo é simplesmente transferido daqueles que o pagam para aqueles que o recebem, do contribuinte para o credor do Estado. A despesa real é constituída pelos vinte milhões e não pelo juro que é preciso pagar por eles. Quer o juro seja ou não pago, o país não ficará nem mais rico nem mais pobre. O Estado podia obter imediatamente os vinte milhões através dos impostos e nesse caso não seria necessário cobrar um milhão de impostos anuais. Todavia, este facto não teria alterado a natureza da operação. Um indivíduo poderia ser obrigado a pagar 2 000 £ duma só vez, em lugar de pagar 100 £ anualmente. Também poderia ter mais interesse em pedir estas 2 000 £ emprestadas e pagar anualmente 100 £ de juro ao credor do que retirar o maior destes dois montantes do seu próprio capital. Num caso, trata-se duma transacção particular entre A e B, no outro é o Estado que garante a B o pagamento dos juros que devem ser igualmente pagos por A. Se a transacção tivesse sido realizada entre particulares, não se guardaria nenhum registo público dela e seria quase indiferente para o país que A cumprisse fielmente o seu contrato com B ou que ficasse indevidamente com as 100 £ anuais em seu poder. O país poderia ter um interesse geral no fiel cumprimento do contrato mas, no que diz respeito à prosperidade nacional, só lhe interessaria saber se era A ou B que era capaz de tornar estas 100 £, mais produtivas; porém, em relação a esta questão, o país não tinha nem o direito nem o poder de decidir. Podia acontecer que, se A guardasse esta soma para si, a dissipasse improdutivamente e, se ela fosse paga a B, este podia adicioná-la ao seu capital, e empregá-la produtivamente. E o inverso é também possível. B podia dissipá-la e A empregá-la duma maneira produtiva. Do ponto de vista da prosperidade nacional, poderia ser mais ou menos de desejar que A pagasse ou não a soma, mas os princípios de justiça e de boa fé ou duma maior utilidade não devem ceder a considerações de menor interesse e, por conseguinte, se se reclamasse a interferência do Estado, os tribunais obrigariam A a executar o seu contrato. Uma dívida garantida pela nação em nada difere da transacção mencionada. A justiça e a boa fé exigem que os juros da dívida nacional continuem a ser pagos e que os que entregaram os seus capitais para benefício de todos não sejam privados das suas justas pretensões por razões de utilidade geral.
Mas, independentemente desta consideração, não é de modo algum certo que a utilidade pública ganhe alguma coisa com o sacrifício da integridade política; não pode afirmar-se que os indivíduos libertos do pagamento dos juros da dívida nacional os empregariam mais produtivamente do que aqueles a quem é incontestavelmente devido. Cancelando a dívida nacional, o rendimento dum indivíduo pode aumentar de 1 000 £ para 1 500 £, mas o de outro pode descer de 1 500 £ para 1 000 £. Os rendimentos destes dois indivíduos, em conjunto, elevam-se actualmente a 2 500 £, mas não valeriam mais depois disso. Se o objectivo do Estado é cobrar impostos, tanto num caso como no outro haveria o mesmo capital e rendimentos colectáveis.
Não é o pagamento dos juros da dívida nacional que põe um país em dificuldades nem a exoneração do seu pagamento que o alivia. É só poupando o rendimento e reduzindo as despesas que o capital nacional pode crescer, e nem o rendimento pode aumentar nem a despesa diminuir com o desaparecimento da dívida nacional. É a profusão de despesas do Estado e dos indivíduos e os empréstimos que empobrecem um país; portanto, todas as medidas destinadas a incentivar a economia pública e privada aliviam o mal-estar público. Mas é um erro e uma ilusão acreditar que se pode aliviar uma acção dum pesado fardo tirando-o a uma classe social que o devia justamente suportar para o entregar a outra que, de acordo com todos os princípios equitativos, não devia suportar mais do que a parte que lhe compete.
Do que acabo de dizer não deve concluir-se que considero o sistema dos empréstimos como o melhor meio de fazer face às despesas extraordinárias do Estado. É um sistema que tende a tornar-nos menos económicos; cega-nos sobre a nossa situação real. Se as despesas de guerra forem de 40 milhões por ano e a contribuição individual para essas despesas de 100 £, os contribuintes serão levados a poupar rapidamente as 100 £ no seu rendimento quando lhes é exigido o pagamento da sua parte. Com o sistema dos empréstimos, são só obrigados a pagar o juro destas 100 £, ou seja, 5 £ por ano, e consideram que lhes basta poupar 5 £ na sua despesa, enganando-se a si próprios com a ideia de que são tão ricos como dantes. A nação, racionando e agindo desta maneira, só poupa o juro de 40 milhões, ou seja, dois milhões; e, desta maneira, não só perde todo o juro ou lucro que os 40 milhões de capital proporcionam quando utilizados produtivamente, mas também perde 38 milhões, isto é, a diferença entre as suas poupanças e despesas. Se, como já antes observei, cada indivíduo tivesse que fazer um empréstimo particular e contribuir com a totalidade da sua parte nas despesas do Estado logo que a guerra terminasse, o imposto cessaria e imediatamente voltaríamos a uma situação normal dos preços. É possível que A tenha de pagar a B com os seus próprios capitais os juros do dinheiro que este lhe emprestou durante a guerra para que ele possa pagar a sua quota-parte nas despesas públicas, mas a nação não tem nada a ver com isto.
Um país que acumule uma grande dívida vê-se colocado numa situação muito artificial e, embora o montante dos seus impostos e o aumento do preço do trabalho possam não lhe trazer, e creio bem que não, outro inconveniente em relação aos países estrangeiros além do pagamento inevitável desses impostos, todavia todos os contribuintes têm interesse em se subtraírem a este encargo, fazendo-o recair sobre os outros. A tentação de emigrar com o seu capital para outro país onde se esteja isento de tais encargos torna-se, por fim, irresistível e supera a resistência natural que todo o homem sente de deixar o lugar do seu nascimento e o cenário das suas primeiras afeições. Um país que se veja envolvido nas dificuldades que este sistema artificial acarreta faria bem em se livrar delas, mesmo com o sacrifício duma parcela do seu capital suficiente para resgatar a sua dívida. A conduta que convém a um indivíduo também convém a uma nação. Um indivíduo que possui 10 000 £ que lhe rendem 500 £, das quais tem de tirar 100 £ todos os anos para pagamento do juro, só dispõe realmente de 8000 £ e seria igualmente rico continuando a pagar 100 £ por ano ou sacrificando imediata e definitivamente as 2 000 £. Mas pergunta-se, onde estaria o comprador da propriedade que ele deve vender para obter estas 2 000 £? A resposta é simples: o credor do Estado que vai receber estas 2 000 £ quer investir o seu dinheiro e está disposto o a emprestá-lo aos proprietários da terra ou aos industriais ou a comprar-lhes uma parte das propriedades que eles têm para vender. Os próprios accionistas contribuiriam em larga medida para este pagamento. Este programa tem sido frequentemente recomendado, mas temo que não tenhamos nem prudência nem capacidade suficientes para o adoptar. Todavia, tem que se admitir que, em tempo de paz, os nossos esforços se devem orientar para o pagamento da parte da dívida que se contraiu durante a guerra e nenhum desejo de aliviar esse fardo nem de escapar às calamidades presentes, que creio passageiras, nos deve induzir a desviar a nossa atenção desse grande objectivo.
Nenhum fundo de amortização pode contribuir de maneira eficaz para diminuir a dívida se não provém do excedente de rendimento sobre a despesa pública. É de lamentar que o fundo de amortização na Inglaterra só o seja nominalmente, pois não existe excesso de rendimento sobre a despesa. Através de economias podia fazer-se dele o que ele deve ser: um fundo realmente eficaz para pagamento da dívida. Se no momento em que uma nova guerra rebentar não tivermos reduzido consideravelmente a nossa dívida, pode verificar-se uma de duas hipóteses: ou a totalidade das despesas dessa guerra tem de ser coberta com impostos arrecadados anualmente ou, ao findar a guerra, se não mesmo antes, estaremos a braços com uma bancarrota nacional. Não que nos seja impossível suportar ainda uma dívida maior: seria difícil estabelecer limites aos recursos duma grande nação; mas certamente que há limites para o preço que, sob a forma de impostos perpétuos, os contribuintes estão dispostos a pagar pelo simples privilégio de viver no seu país natal.
[1] Subentende-se que toda a produção do país é consumida; mas há uma enorme diferença entre a produção ser consumida por aqueles que reproduzem o seu valor ou pelos que não o reproduzem. Quando dizemos que o rendimento é poupado e acrescentado ao capital queremos significar que a parte do rendimento que vai aumentar o capital é consumida pelos trabalhadores produtivos e não pelos improdutivos. É um grande erro supor que o capital aumenta com a abstenção do consumo. Se o preço do trabalho aumentar tanto que, apesar do aumento do capital, não se possa empregar mais trabalho, eu diria que esse aumento de capital seria consumido improdutivamente.
Excertos dos capítulos VIII e XVII dos influentes Princípios de Economia Política e de Tributação (1817), do economista e político britânico David Ricardo (1772-1823), de ascendência portuguesa.
A presente tradução, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, esteve a cargo de Maria Adelaide Ferreira, e pode ser consultada através da nossa biblioteca.
Seleção de excertos: Pedro Almeida Jorge.
Narração: Mário Redondo.
Transcrição: Laura Félix e Ricardo Oliveira.
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