2025-05-09
Por +Factos
Na última década, desde 2015, o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) e, mais recentemente, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), devido ao cessar de funções da primeira entidade, receberam a comunicação do arquivamento de 2.832 processos, relativos a eventuais crimes de corrupção e crimes conexos, nomeadamente peculato, prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio e outros crimes relacionados com o exercício de funções públicas. Concretizaram-se apenas 103 condenações, pouco mais de 3% do número de comunicações relativas a condenações, absolvições e arquivamentos, e apenas 19 absolvições, menos de 1% das comunicações analisadas. Por cada 4 condenações, há 100 processos que são arquivados.
O MENAC refere que este número de arquivamentos “está em linha com as tendências que se têm registado nas análises sobre este tipo de criminalidade, que se mostra de investigação particularmente complexa e difícil, decorrente sobretudo das competências de grande racionalidade e frieza associadas a quem geralmente pratica este tipo de crimes, que se traduzem por exemplo em grandes cuidados na dissimulação dos seus atos e na ocultação ou destruição das provas, precisamente para que uma eventual denúncia e investigação tenha como desfecho o insucesso e a correspondente decisão de arquivamento”. Para além disso, o MENAC aponta para algumas denúncias anónimas que não se associam a qualquer tipo de crime e que apenas pretendem criar suspeita.
O fenómeno da corrupção é complexo e difícil de medir com rigor. Os próprios dados disponíveis o demonstram. Talvez por isso, um dos poucos indicadores acompanhados internacionalmente seja o índice de perceção da corrupção da Transparency International — que, como o nome indica, mede perceções, não factos. Estas perceções não são irrelevantes. Pelo contrário: ajudam a identificar sinais de alerta. A falta de transparência no Estado e nos processos de decisão políticos alimenta a desconfiança. E a baixa taxa de condenações por corrupção reforça a ideia de que reina a impunidade — mesmo quando muitos casos são arquivados por falta de matéria. O sentimento está espelhado nos números: 91% dos portugueses acredita que há corrupção nas instituições públicas, segundo o Eurobarómetro de 2023. É a segunda taxa mais alta da União Europeia, apenas atrás da Grécia.
Em relatórios anteriores, o CPC referia um problema adicional, "as dificuldades da ação do Ministério Público e dos Órgãos de Polícia Criminal no acesso e recolha de indícios e elementos probatórios relativamente a este tipo de crimes”.
A lentidão da justiça também não ajuda. Um dado claro: Portugal é o 3.º país da UE onde os processos administrativos mais demoram a ser resolvidos em tribunais de 1.ª instância — em média, 792 dias, quase o dobro da média europeia (400 dias). A mediana da UE fica-se pelos 296 dias. E os dados internacionais reforçam o diagnóstico: no Rule of Law Index do World Justice Project, Portugal surge entre os piores países europeus em justiça criminal. A pior nota é precisamente na capacidade do sistema penal ser eficaz e atempado — onde ocupamos o 28.º lugar. No relatório de 2024, o MENAC destaca que houve o despacho de arquivamento de um processo (encerramento de inquérito) que corria há 12 anos. Um despacho de acusação demorou 10 anos a ser emitido.
Tudo isto abre espaço a uma cultura de impunidade que se banaliza. Muitas vezes, sem darmos por isso, também somos parte do problema: num inquérito da Transparency International, metade dos portugueses admitia ter usado cunhas ou favores pessoais para aceder a serviços públicos. Novamente, Portugal ficou em 2.º lugar na UE. Mesmo sendo “pequena corrupção”, essas práticas prejudicam os outros e enfraquecem a confiança no sistema.
Se nos restringirmos apenas a 2024, houve 504 comunicações judiciais de crimes de corrupção e crimes conexos, sendo que desse número 405 são despachos de arquivamento, 81 despachos de acusação, 16 acórdãos condenatórios e 2 acórdãos absolutórios. A corrupção corresponde a 34% destas comunicações, sendo as restantes relacionadas com crimes conexos. Mais de metade (52%) das comunicações deste ano estão associadas à Administração Pública Local, 23% à Administração Pública Central, 12% a outros sob tutela pública e 2% à Administração Regional Autónoma. As entidades do setor privado estão associadas a 11% das comunicações de crimes de corrupção e crimes conexos.
No ano passado o MENAC fez quatro recomendações. A primeira no sentido de adotar instrumentos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, “nomeadamente código de conduta e plano de prevenção de riscos, adequados à sua dimensão, à natureza da respetiva missão e ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu programa”. Na segunda, o MENAC recomendou às entidades abrangidas o envio de reporte mensal, “com referência ao cumprimento normativo, se houve regularidade no seu cumprimento ou se houve falhas e irregularidades, identificando-as”. Noutra recomendação, solicita ao Governo que “consiga aprovar, em conformidade com o seu Programa no domínio da Educação, os documentos referenciais e conteúdos curriculares para as disciplinas de educação para a cidadania onde constem as temáticas da transparência, da integridade e da luta contra a corrupção”. A última recomendação, dirigida às entidades abrangidas pelo Regime Geral da Prevenção da Corrupção, que os relatórios de avaliação intercalar e os relatórios de avaliação anual enviados ao MENAC sejam assinados pelo dirigente da instituição.
Este trabalho foi publicado, primeiramente, em exclusivo no Jornal de Notícias, que inclui também declarações do Diretor Executivo do Instituto +Liberdade, André Pinção Lucas.
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