2022-01-06
Por Juan Ramón Rallo
Neste breve artigo, o economista espanhol Juan Ramón Rallo analisa um recente estudo sobre os impactos da pandemia e das medidas de confinamento no que diz respeito às desigualdades de rendimento na Índia, retirando daí algumas considerações sobre como devemos encarar este tema fraturante. [Ouvir aqui]
Maior igualdade é sempre preferível a maior desigualdade? Muitas pessoas estarão tentadas a responder a esta questão com um convicto sim. Como é que a igualdade aumentar poderia ser mau, ou como é que poderia ser bom um aumento da desigualdade? Não obstante, também deveria ser óbvio que existem boas e más maneiras de aumentar a igualdade. Por exemplo, se a igualdade aumentar graças a que os pobres se tornem mais ricos, isso é uma boa forma de aumentar a igualdade (salvo para quem tenha preferências profundamente “desigualitárias”); por outro lado, se a desigualdade aumentar porque os ricos se tornam mais ricos sem que outras pessoas fiquem mais pobres, essa deveria ser uma forma benigna de aumento da desigualdade (salvo para quem tenha preferências profundamente igualitárias).
De igual modo, se a desigualdade aumenta porque os pobres se tornam mais pobres, estaremos perante uma má forma de aumentar a desigualdade (salvo para quem tenha preferências profundamente desigualitárias). E, por sua vez, se a igualdade aumenta porque os ricos ficam mais pobres sem que ninguém se torne mais rico, isso deveria ser visto como uma má forma de aumentar a igualdade (salvo para quem tenha preferências profundamente igualitárias). De facto, em filosofia costuma repudiar-se o igualitarismo empobrecedor através da objeção a um nivelamento por baixo: alcançar a igualdade empobrecendo uns sem enriquecer outros é considerado absurdo, salvo para os profundamente invejosos.
Todavia, será que no mundo real nos deparamos de facto com situações que se enquadrem nesse nivelamento por baixo? Sim, e de facto são bastante frequentes: por exemplo, a tese fundamental do historiador Walter Scheidel no seu aclamado livro A violência e a história da desigualdade é que, historicamente, as grandes reduções na desigualdade só se alcançaram através da violência massiva e das catástrofes naturais, isto é, através de um empobrecimento generalizado da sociedade que diminuiu as desigualdades de riqueza entre os indivíduos à custa de que todos ficassem pior e, inclusivamente, de que muitos desses indivíduos desaparecessem da face da Terra.
Neste sentido, a Covid-19 representou uma dessas catástrofes naturais que pode ter aumentado de forma maligna tanto a desigualdade como também a igualdade. No Ocidente, sabemos que a pandemia aumentou em muitos casos a desigualdade ao empobrecer desproporcionalmente os que já eram mais pobres: como havia uma certa correlação entre as profissões não digitalizáveis e a baixa remuneração, a pandemia atingiu de maneira mais intensa aqueles que já ganhavam relativamente menos. Porém, noutras zonas do planeta, a pandemia reduziu a desigualdade ao multiplicar a pobreza.
Esse é o caso da Índia, segundo a recente investigação dos economistas Arpit Gupta, Anup Malani e Bartosz Woda. Por um lado, a pobreza de rendimentos (que inclui quem obtém menos de 1,9 dólares diários) aumentou de 40% da população urbana antes da pandemia para 70% durante os confinamentos, e de 60% da população rural para 80%. Porém, em paralelo, a desigualdade de rendimentos (medida como a diferença relativa entre o quarto quartil e o primeiro quartil) diminuiu intensamente durante o confinamento… mesmo sem considerar as transferências estatais para a manutenção dos rendimentos dos mais pobres. Há que clarificar, contudo, que depois do confinamento a desigualdade voltou a aumentar e que, para além disso, a desigualdade medida pelo índice Gini nem sequer chegou a diminuir durante o confinamento (por não tomar em consideração as mudanças na posição relativa de cada cidadão).
Mas por que razão a desigualdade caiu em paralelo com o disparo da pobreza durante o confinamento? Precisamente porque a menor desigualdade foi motivada não só por uma redução dos rendimentos de capital, os quais afluem maioritariamente aos cidadãos com altos rendimentos que, como muitas empresas entraram em prejuízo, tiveram uma redução de rendimentos desproporcional face à média; mas também pela diminuição da procura de trabalho qualificado durante a pandemia, o que atingiu especialmente os rendimentos altos (o emprego caiu mais entre os rendimentos baixos, mas o salário por hora contraiu muito mais entre os rendimentos altos). Não é que os pobres tenham melhorado a sua situação durante o confinamento: simplesmente os ricos pioraram mais do que o resto. Será que alguém consegue dizer convictamente que tal redução da desigualdade valeu a pena?
[Artigo original publicado em espanhol no jornal El Confidencial. Tradução: Pedro Almeida Jorge. Narração: Mariana Durão. Imagem: Anton Polyakov]
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