Nível Introdutório, Economia, Governo, Finanças Públicas e Tributação, Moeda, Banca e Mercados Financeiros, História
Não há meio mais subtil, mais seguro de derrubar a base existente da Sociedade do que adulterar a moeda. O processo arregimenta para o lado da destruição todas as forças ocultas das leis económicas, e fá-lo de tal forma que nem um num milhão de homens é capaz de o diagnosticar.
John Maynard Keynes (1920, p. 236)
Até há poucas décadas, todas as hiperinflações de que tenho conhecimento foram fruto de guerras ou de revoluções. Mas actualmente já não é assim. A Bolívia, o Brasil, a Argentina, Israel, todos eles sofreram hiperinflação em tempo de paz. E pode bem haver outras situações de que eu não tenha conhecimento. A razão, como veremos, é que a guerra e a revolução já não são as únicas nem sequer as mais importantes razões pelas quais os governos recorrem à impressora para financiar as suas actividades.
Seja qual for a sua causa imediata, a inflação é uma doença, uma doença perigosa e por vezes fatal, uma doença que, se não for tratada a tempo, pode destruir uma sociedade. A hiperinflação na Rússia e na Alemanha depois da primeira guerra mundial preparou o caminho para o comunismo num dos países e para o nazismo no outro. Quando a inflação no Brasil atingiu 100% ao ano em 1954, trouxe com ela um governo militar. Inflações mais extremas também levaram governos militares para o Chile e para a Argentina, contribuindo para derrubar Salvador Allende no Chile em 1973 e Isabel Perón na Argentina em 1976. Repetidas inflações no Brasil e na Argentina nos anos 80 conduziram a repetidas “reformas” mal sucedidas, à substituição de Governos, à fuga de capitais, e aumentaram a instabilidade económica.
Nenhum Governo aceita de boa vontade a responsabilidade de ter provocado inflação, ainda que num grau moderado, e muito menos a taxas hiperinflacionárias. Os dirigentes governamentais encontram sempre alguma desculpa – empresários gananciosos, sindicatos impacientes, consumidores esbanjadores, xeiques árabes, mau tempo, ou qualquer outra coisa que pareça remotamente plausível. Não há dúvida de que os empresários são gananciosos, os sindicatos são impacientes, os consumidores são esbanjadores, os xeiques árabes subiram o preço do petróleo e o tempo está muitas vezes mau. Qualquer um destes factores pode provocar preços elevados para bens específicos; mas não consegue provocar subidas dos preços dos bens em geral. Pode provocar subidas e descidas temporárias da taxa de inflação. Mas não consegue provocar inflação continuada, por uma razão muito simples: nenhum dos alegados culpados possui uma impressora com que possa legalmente produzir esses bocados de papel que trazemos nos bolsos e a que chamamos dinheiro; nenhum pode legalmente autorizar um contabilista a fazer movimentos de balanço que sejam equivalentes a esses bocados de papel.
O reconhecimento de que uma inflação substancial é sempre e em todo o lado um fenómeno monetário é apenas o primeiro passo para compreender a causa e a cura da inflação. As questões mais básicas são: Porque é que os Governos aumentam excessivamente a quantidade de dinheiro? Porque é que eles provocam inflação, mesmo sabendo dos seus potenciais malefícios?
A causa próxima da inflação
Antes de nos debruçarmos sobre estas questões, vale a pena ponderarmos um pouco sobre a afirmação de que a inflação é um fenómeno monetário. Apesar da importância dessa afirmação, apesar da grande quantidade de provas históricas que a suportam, ela ainda é geralmente negada – em grande medida por causa da cortina de fumo com que os Governos tentam esconder a sua própria responsabilidade pela inflação.
Se a quantidade de bens e serviços disponíveis aumentasse tão rapidamente como a quantidade de dinheiro, os preços teriam tendência para se manterem estáveis. Os preços poderiam até descer gradualmente na medida em que rendimentos mais elevados levariam as pessoas a quererem guardar uma fracção maior da sua riqueza sob a forma de dinheiro. A inflação ocorre quando a quantidade de dinheiro aumenta de forma apreciavelmente mais rápida do que o produto, e quanto mais rápido for o aumento da quantidade de dinheiro por unidade de produto, tanto mais elevada é a taxa de inflação. Não existe provavelmente nenhuma outra afirmação em economia que esteja tão bem sustentada como esta.
O produto encontra-se limitado pelos recursos físicos e humanos existentes e pelo grau de conhecimento e de capacidade para utilizar esses recursos. Na melhor das hipóteses, o produto vai crescer mas de forma algo lenta. Durante o século XIX, o produto dos Estados Unidos cresceu a uma taxa média de cerca de 3% ao ano. Mesmo pico do crescimento mais rápido do Japão depois da Segunda Guerra Mundial, a sua produção nunca chegou a crescer mais de 10% ao ano. A quantidade de dinheiro-mercadoria está sujeita a limites físicos semelhantes, embora tenha por vezes crescido mais rapidamente do que a produção em geral, como demonstram os exemplos do afluxo de metais preciosos vindos do Novo Mundo nos séculos XVI e XVII e de ouro no século XIX. As formas modernas de dinheiro – papel e registos contabilísticos – não estão sujeitas a tais limites físicos.
Durante a hiperinflação alemã que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o dinheiro em circulação aumentou à taxa média de mais de 300% ao mês durante mais de um ano e o mesmo aconteceu aos preços. Durante a hiperinflação húngara após a Segunda Guerra Mundial, o dinheiro em circulação aumentou a uma taxa média superior a 12 000% ao mês durante um ano e os preços a uma taxa ainda mais elevada de quase 20 000% ao mês (ver Cagan, "The Monetary Dynamics of Hyperinflation", 1956).
Durante a inflação moderada nos Estados Unidos entre 1969 e 1979, a quantidade de dinheiro aumentou à taxa média de 9% por ano e os preços à taxa média anual de 7%. A diferença de 2 pontos percentuais reflecte a taxa média de crescimento da produção de 2,8% ao longo da mesma década.
Como estes exemplos demonstram, o que acontece à quantidade de dinheiro tende a menorizar o que acontece ao produto; daí a nossa referência à inflação como um fenómeno monetário, sem acrescentarmos qualquer qualificativo acerca da produção. Estes exemplos demonstram também que a taxa de crescimento monetário não tem uma correspondência rigorosa de um para um com a taxa de inflação. Contudo, não conheço nenhum exemplo histórico de uma inflação substancial que tenha durado mais do que um breve período de tempo e que não tenha sido acompanhada por um rápido aumento mais ou menos correspondente na quantidade de dinheiro; nem nenhum exemplo de um rápido aumento na quantidade de dinheiro que não fosse acompanhado por uma inflação substancial mais ou menos correspondente.
Mas isto deixa em aberto a questão do que é que causa o quê. Os preços sobem por causa dos aumentos da quantidade de dinheiro, ou vice-versa? Uma grande quantidade de episódios históricos torna claro como água qual é a causa e qual é o efeito.
Um exemplo dramático chega-nos da Guerra Civil Americana. O Sul financiou a guerra em grande medida através da impressora, provocando, com este processo, uma inflação que andou pela média de 10% ao mês desde Outubro de 1861 até Março de 1864. Numa tentativa de refrear a inflação, os Estados Confederados levaram a cabo uma reforma monetária: «Em Maio de 1864, a reforma monetária entrou em vigor e o stock de dinheiro foi reduzido. O índice geral de preços desceu dramaticamente [...] apesar da invasão pelos exércitos da União, da derrota militar iminente, da diminuição do comércio externo, da desorganização do Governo e do baixo moral do exército confederado. A redução do stock de dinheiro teve um efeito mais significativo sobre os preços do que todas aquelas forças poderosas» (Lerner, "Inflation in the Confederacy, 1861-1865", 1956). Tais exemplos podem ser multiplicados vezes sem conta. Nas inflações substanciais, o dinheiro é a causa (ou a causa próxima), e a subida de preços o efeito.
Esta conclusão desfaz muitas explicações da inflação geralmente veiculadas. Os sindicatos são um dos bodes expiatórios preferidos. São acusados de usar o seu poder monopolista para forçar a subida dos salários, que fazem subir os custos, que fazem subir os preços. Então como é que se explica que o Japão, onde os sindicatos têm uma importância mínima, e o Brasil, onde existem apenas com a tolerância e sob controlo apertado do Governo, apresentem a mesma relação entre preços e dinheiro que o Reino Unido, onde os sindicatos são mais fortes que em qualquer dos outros países, e da Alemanha e dos Estados Unidos, onde os sindicatos têm [em 1991] uma força considerável? Os sindicatos podem fornecer serviços úteis aos seus membros e podem também fazer muito mal, limitando as oportunidades de emprego a outros. Mas não provocam inflação. Os aumentos de salários para lá dos aumentos da produtividade são resultado da inflação e não a sua causa.
De forma semelhante, os empresários não provocam inflação. Os empresários não são certamente mais gananciosos em países com muita inflação do que em países que têm pouca inflação, não são mais gananciosos num período do que noutro. Então, como pode a inflação ser tão mais elevada nalguns locais e nalguns períodos do que noutros locais e noutros períodos?
Outra explicação muito apreciada para a inflação, especialmente entre dirigentes governamentais que tentam passar as culpas, é que é importada do estrangeiro. Essa explicação foi muitas vezes acertada quando as moedas dos países mais importantes estavam ligadas umas às outras por um padrão-ouro. A inflação era então um fenómeno internacional porque muitos outros países usavam o mesmo bem como dinheiro e tudo o que fizesse com que a quantidade desse dinheiro-mercadoria crescesse mais rapidamente afectava-os a todos. Mas é evidente que a explicação não é correcta para anos recentes. Se fosse, como podiam as taxas de inflação ser tão diferentes nos diversos países? O Japão e o Reino Unido sofreram inflação a uma taxa de 30% ou mais por ano no início dos anos 70, enquanto a inflação nos Estados Unidos era de cerca de 10% e na Alemanha de menos de 5%. A inflação é um fenómeno mundial no sentido de que ocorre em muitos países ao mesmo tempo – tal como os gastos e os défices governamentais elevados são fenómenos mundiais. Mas a inflação não é um fenómeno internacional se com isto se pretender dizer que cada país não dispõe da capacidade de controlar separadamente a sua própria inflação – da mesma forma que os gastos elevados dos Governos e os grandes défices governamentais não são provocados por forças fora do controlo de cada país.
A baixa produtividade é outra explicação favorita para a inflação. Contudo, veja-se o Brasil. Durante as décadas de 60 e 70, apresentou uma das mais rápidas taxas de crescimento do produto a nível mundial, e também uma das mais elevadas taxas de inflação. Nada é mais importante para o bem-estar económico a longo prazo de um país que o aumento da produtividade. Se a produtividade crescer 3,5% ao ano, o produto duplica em vinte anos; com 5% ao ano, duplica em catorze anos – uma diferença considerável. Mas a produtividade é um actor secundário na história da inflação; o papel principal é o do dinheiro.
E então os xeiques árabes e a OPEP? Eles impuseram pesados custos à maioria do mundo. A brusca subida dos preços do petróleo nos anos 70 baixou a quantidade de bens e serviços disponíveis para as pessoas utilizarem, porque toda a gente tinha de exportar mais para pagar o petróleo. Esta diminuição do produto aumentou o nível de preços. Mas esse foi um efeito único e pontual. Não provocou nenhum efeito mais permanente na taxa de inflação. Nos cinco anos que se seguiram à crise do petróleo de 1973, tanto na Alemanha como no Japão a inflação desceu; na Alemanha de cerca de 7% ao ano para menos de 5%, no Japão de mais de 30% para menos de 5%. Nos Estados Unidos, a inflação atingiu o seu máximo de cerca de 12% um ano depois da crise do petróleo, desceu para 5% em 1976 e voltou a subir acima dos 13% em 1979. Como podem estas experiências tão diferentes ser explicadas por uma crise do petróleo que foi comum a todos os países? A Alemanha e o Japão dependem em 100% do petróleo importado, contudo obtiveram melhores resultados no controlo da inflação do que os Estados Unidos, que estão dependentes em apenas 50% do petróleo importado, ou que a Grã-Bretanha, que se tornou um importante produtor de petróleo.
Voltamos à nossa afirmação elementar. A inflação é fundamentalmente um fenómeno monetário que é provocado por um aumento mais rápido da quantidade de dinheiro do que da produção. O comportamento da quantidade de dinheiro é o factor mais importante; o comportamento da produção, o factor menos importante. Muitos fenómenos podem provocar flutuações temporárias na taxa de inflação, mas apenas podem ter efeitos duradouros na medida em que afectem a taxa de crescimento monetário.
Porquê o crescimento monetário excessivo?
A afirmação de que a inflação é um fenómeno monetário é importante; porém, é apenas o princípio de uma resposta sobre a causa e a cura da inflação. É importante porque orienta a investigação sobre as causas fundamentais e delimita as possíveis curas. Mas é apenas o princípio de uma resposta porque o âmago da questão é saber porque ocorre o crescimento monetário excessivo.
Fosse qual fosse a verdade para o dinheiro ligado à prata ou ao ouro, com o papel-moeda actual são os Governos e somente os Governos que podem provocar o crescimento monetário excessivo, e portanto a inflação.
Nos Estados Unidos, o crescimento monetário acelerado desde meados dos anos 60 até aos finais dos anos 70 – o período mais recente de inflação acelerada – ocorreu por três razões interligadas: primeiro, o rápido crescimento da despesa governamental; segundo, a política governamental de pleno emprego; terceiro, uma política errada seguida pela Reserva Federal.
Uma maior despesa governamental não conduz a um crescimento monetário mais rápido nem à inflação se a despesa adicional for financiada por impostos ou por empréstimos da população. Em ambos os casos, o Governo fica com mais para gastar e a população com menos. Contudo, os impostos são politicamente impopulares. Embora muitos de nós possamos gostar de despesa pública adicional, poucos gostam de mais impostos. Os empréstimos da população ao Governo também são politicamente impopulares, ao provocarem um clamor contra a crescente dívida pública e desviarem a poupança privada para o financiamento do défice público em vez do investimento privado.
A única outra forma de financiar uma maior despesa pública é aumentando a quantidade de dinheiro. O Governo dos Estados Unidos pode fazê-lo, ordenando ao Tesouro dos Estados Unidos, uma divisão do Governo, que venda obrigações à Reserva Federal, outra divisão do Governo. A Reserva Federal compra as obrigações com notas impressas de fresco ou contabilizando no seu balanço um depósito a crédito do Tesouro dos Estados Unidos. O Tesouro pode então pagar as facturas do Governo com essas notas ou através da movimentação da conta do Tesouro na Reserva Federal. Quando este dinheiro adicional é depositado em bancos comerciais pelos seus recebedores iniciais, serve então de reserva para os bancos aumentarem ainda mais a quantidade de dinheiro.
Legalmente, o Tesouro está limitado no número de obrigações que pode vender directamente à Reserva Federal. Mas o limite é facilmente ultrapassável: o Tesouro pode vender obrigações ao público; e a Reserva Federal pode comprar obrigações ao público. O resultado é o mesmo de uma venda directa, excepção feita à comissão cobrada pelos intermediários – o seu pagamento por proporcionarem a cortina de fumo.
O financiamento dos gastos do Governo através do aumento da quantidade de dinheiro costuma ser o método politicamente mais atraente, tanto para o presidente como para os membros do Congresso. Podem aumentar a despesa e distribuir benesses aos seus apoiantes e eleitores, sem terem de propor ou aprovar novos impostos para pagar esses gastos e sem terem de contrair empréstimos junto do público.
Uma segunda fonte de crescimento monetário mais elevado nos Estados Unidos foi a tentativa de alcançar o pleno emprego. À semelhança de muitos outros programas governamentais, o objectivo é admirável, mas os resultados não o foram. O pleno emprego é um conceito muito mais complexo e ambíguo do que parece à primeira vista.
Além disso, existe uma assimetria que gera na política governamental uma tendência para adoptar objectivos de pleno emprego indevidamente ambiciosos. Qualquer medida que possa ser apresentada como aumentando o emprego é politicamente atraente. Qualquer medida que possa ser apresentada como aumentando o desemprego é politicamente desagradável.
A relação entre o emprego e a inflação é dupla. Por um lado, a despesa pública pode ser vista como contribuindo para um aumento do emprego, e os impostos como contribuindo para um aumento do desemprego, por reduzirem os gastos privados. Portanto, a política de pleno emprego reforça a tendência do Governo para aumentar os gastos sem aumentar os impostos, ou até mesmo baixando-os, financiando qualquer défice daí resultante através do aumento da quantidade de dinheiro. Por outro lado, a Reserva Federal pode aumentar a quantidade de dinheiro de outras formas que não o financiamento da despesa pública. Uma das formas de o fazer é comprando obrigações do Tesouro em mercado secundário e pagando-as com dinheiro recém-criado. Isso permite aos bancos fazerem um maior volume de empréstimos privados, que podem também ser apresentados como aumentando o emprego. A pressão para promover o pleno emprego dá à política monetária da Reserva Federal o mesmo enviesamento inflacionário que tem dado à política orçamental do Governo.
Estas políticas não conseguiram produzir pleno emprego, mas provocaram inflação. Como o Primeiro-Ministro James Callaghan corajosamente afirmou numa conferência do Partido Trabalhista britânico em Setembro de 1976: «Costumávamos pensar que se podia sair de uma recessão através de mais despesa e que se conseguia aumentar o emprego reduzindo os impostos e aumentando os gastos do Governo. Digo-vos, com toda a franqueza, que essa opção já não existe; e que, se ela alguma vez existiu, só funcionou injectando doses cada vez mais elevadas de inflação na economia, seguidas de níveis mais elevados de desemprego na fase seguinte. Esta é a história dos últimos vinte anos.»
A terceira fonte de maior crescimento monetário nos Estados Unidos foi uma política errada da parte da Reserva Federal. A Reserva Federal tem o poder de controlar a quantidade de dinheiro e consagra muita retórica a esse objectivo. Porém, actua um pouco como Demétrio da peça “Sonho de uma Noite de Verão” de Shakespeare, quando rejeita Helena, que está apaixonada por ele, para perseguir Hermia, que ama outro. A Reserva Federal entregou-se de alma e coração, não ao controlo da quantidade de dinheiro, que está ao seu alcance, mas ao controlo das taxas de juro, que é algo que não tem o poder de fazer. O resultado tem sido um falhanço em ambas as frentes: grandes oscilações tanto no dinheiro como nas taxas de juro. Estas oscilações também têm um viés inflacionário. Ao lembrar-se do seu erro desastroso entre 1929 e 1933, quando permitiu que a quantidade de dinheiro descesse um terço, transformando assim uma recessão severa numa depressão desastrosa, a Reserva Federal tem sido muito mais rápida a corrigir as oscilações de baixa no crescimento monetário do que a corrigir as oscilações de alta.
O público financeiro também acredita que a Reserva Federal pode controlar as taxas de juro e esta crença chegou ao Tesouro e ao Congresso. Em consequência, qualquer recessão provoca pedidos do Tesouro, da Casa Branca, do Congresso e da Wall Street para a Reserva Federal «baixar as taxas de juro». Já pedidos em sentido contrário, nos períodos de expansão, para que a Reserva Federal suba as taxas de juro, são notórios pela ausência.
O resultado final do aumento da despesa pública, da política do pleno emprego e da obsessão da Reserva Federal pela taxas de juro tem sido uma montanha-russa de tendência ascendente desde o fim da Segunda Guerra Mundial – embora talvez tenha parado um pouco nos anos 80. A inflacão tem subido e descido. Até 1980, cada subida levava a inflação para um nível mais elevado que o máximo anterior. Cada descida deixava a inflação acima do seu precedente ponto mais baixo. Enquanto isso, a despesa pública ia sempre aumentando em proporção do rendimento; as receitas fiscais também subiam em proporção do rendimento, mas não tão rapidamente como os gastos, e por isso também o défice subia em proporção do rendimento.
Estes desenvolvimentos não são exclusivos dos Estados Unidos nem das décadas mais recentes. Desde tempos imemoriais, os soberanos – sejam eles reis, imperadores ou parlamentos – têm sido tentados a recorrer ao aumento da quantidade de dinheiro como forma de adquirir recursos para pagar guerras, para construir monumentos ou para outras finalidades. E sucumbiram frequentemente à tentação. Sempre que tal sucedeu, a inflação apareceu pouco depois.
As receitas do Governo com a inflação
Financiar a despesa pública aumentando a quantidade de dinheiro parece magia; é como tirar alguma coisa do nada. Para dar um exemplo simples, o Governo constrói uma estrada e paga-a com notas novinhas em folha. Parece que toda a gente fica melhor. Os trabalhadores que construíram a estrada recebem os seus salários e podem comprar comida, vestuário e alojamento; ninguém pagou mais impostos; e, contudo, existe agora uma estrada onde antes não havia nenhuma. Quem é que, na realidade, a pagou?
A resposta é que todos os detentores de dinheiro pagaram pela estrada. O dinheiro adicional que é impresso faz subir os preços quando é utilizado para induzir os trabalhadores a construírem a estrada em vez de se empenharem noutra actividade produtiva. Esses preços elevados mantêm-se à medida que o dinheiro extra circula na corrente de despesas, dos trabalhadores para os vendedores daquilo que eles compram, desses vendedores para outros, e assim por diante. Os preços mais elevados significam que o dinheiro que as pessoas têm no bolso ou em cofres ou depositado nos bancos vai agora poder comprar menos do que teria comprado antes. Para terem na mão a quantidade de dinheiro necessária para poderem comprar o mesmo que antes, terão de se abster de gastar todo o seu rendimento e usar uma parte dele para aumentar os seus saldos em dinheiro. O dinheiro adicional que foi impresso equivale a um imposto sobre os saldos em dinheiro. As notas acabadas de imprimir pela Reserva Federal são na realidade recibos de impostos acabados de pagar.
A contrapartida física destes impostos são os bens e serviços que poderiam ter sido produzidos com os recursos com que foi construída a estrada. As pessoas que gastaram menos do que o seu rendimento para manterem o poder de compra dos seus saldos em dinheiro desistiram desses bens e serviços para que o Governo pudesse obter os recursos para construir a estrada.
A inflação também pode produzir receita indirectamente, ao aumentar de forma automática as taxas efectivas de imposto. Até 1985, conforme os rendimentos pessoais em dólares aumentavam com a inflação, o rendimento era empurrado para escalões cada vez mais altos e ficava sujeito a taxas de imposto mais elevadas. Este «deslizamento de escalões» foi fortemente reduzido pela Lei Fiscal Federal de 1981, que previa que os escalões dos impostos sobre o rendimento fossem indexados à inflação a partir de 1985, mas algum efeito ainda se mantém porque a indexação não foi alargada a todos os elementos da estrutura do imposto sobre os rendimentos individuais. De forma semelhante, o rendimento das empresas é artificialmente inflacionado por provisões inadequadas para depreciações e outros custos. Em média, antes de meados dos anos 80, se o rendimento aumentasse 10%, meramente para acompanhar uma inflação de 10%, a receita fiscal federal tinha tendência para subir mais de 15% – pelo que o contribuinte tinha de correr cada vez mais para ficar na mesma posição. Esse processo permitia que o presidente, o Congresso, os governadores e as legislaturas estatais se apresentassem como redutores de impostos, quando tudo o que tinham feito era impedir que os impostos subissem tanto como teriam subido de outra forma. Todos os anos se falava de redução de impostos. Contudo, não houve qualquer redução de impostos. Pelo contrário, os impostos, correctamente medidos, até aumentaram – a nível federal, de 22% do rendimento nacional em 1964 para 26% em 1978 e 28% em 1989, e apesar dos cortes fiscais de Reagan em 1981 e da Lei da Reforma Fiscal de 1986; a nível estatal e local, de 11% em 1964 para 12% em 1978 e 14% em 1989.
Uma terceira forma de a inflação trazer receitas ao Governo é amortizando – ou repudiando, se se quiser – uma parte da dívida pública. O Governo contrai empréstimos em dólares e paga os empréstimos em dólares. Contudo, graças à inflação, os dólares com que paga compram menos do que os dólares que recebeu emprestados. Isto não representaria um ganho líquido para o Governo se, entretanto, ele tivesse de pagar juros suficientemente altos para compensar o credor pela inflação. Mas isso quase nunca se tem verificado.
A cura da inflação
A cura de inflação é fácil de expressar mas difícil de implementar. Tal como um aumento excessivo da quantidade de dinheiro é a única causa importante da inflação, também uma redução da taxa de crescimento monetário é a única cura para a inflação. O problema não é saber o que fazer. Isso é bastante fácil – o Governo tem de aumentar a quantidade de dinheiro mais lentamente. O problema é ter a vontade política de tomar as medidas necessárias. Quando a doença inflacionária chega a um estado avançado, o tratamento demora muito e tem efeitos colaterais dolorosos.
Duas analogias médicas ilustram a natureza do problema. Uma analogia é acerca de um jovem com a doença de Buerger, uma doença que interrompe o fornecimento de sangue e pode levar à gangrena. O jovem estava a ficar sem os dedos das mãos e dos pés. A cura era simples de declarar: deixar de fumar. Mas o jovem não tinha a vontade necessária para o fazer; o seu vício do tabaco era demasiado forte. A sua doença era curável num sentido, mas noutro não.
Uma analogia mais instrutiva é entre a inflação e o alcoolismo. Quando o alcoólico começa a beber, os efeitos bons vêm primeiro; os maus efeitos só chegam no dia seguinte, quando acorda com uma ressaca – e muitas vezes não resiste a tratar da ressaca com o «pêlo do cão que o mordeu».
O paralelismo com a inflação é exacto. Quando um país inicia um episódio inflacionário, os efeitos iniciais parecem bons. A maior quantidade de dinheiro permite a quem quer que tenha acesso a ele – hoje em dia, principalmente os Governos – gastar mais, sem que mais ninguém tenha de gastar menos. O emprego torna-se mais abundante, os negócios aceleram, quase toda a gente está feliz – no início. Estes são os efeitos bons. Mas depois o aumento dos gastos começa a fazer subir os preços. Os trabalhadores descobrem que os seus salários, mesmo sendo mais elevados em dólares, compram menos; os empresários descobrem que os seus custos subiram, pelo que as vendas mais elevadas não são tão rentáveis como se previa, a menos que os preços possam ser aumentados ainda mais rapidamente. Os maus efeitos começam a vir à superfície: preços mais elevados, procura menos animada, inflação combinada com estagnação. Tal como com o alcoólico, a tentação é de aumentar a quantidade de dinheiro ainda mais rapidamente, o que provoca o tipo de montanha-russa em que os Estados Unidos têm andado. Em ambos os casos, é necessária uma quantidade cada vez maior, de álcool ou de dinheiro, para dar ao alcoólico ou à economia o mesmo “chuto”.
O paralelismo entre o alcoolismo e a inflação aplica-se também à cura. A cura para o alcoolismo é fácil de estabelecer: é parar de beber. Mas o tratamento é difícil de aceitar porque, desta vez, os maus efeitos chegam primeiro, os bons efeitos mais tarde. O alcoólico que embarca nessa viagem sofre fortes dores com o desmame antes de chegar à felicidade de já não ter aquele desejo quase irresistível de tomar outra bebida. O mesmo acontece com a inflação. Os efeitos colaterais iniciais de um ritmo mais lento de crescimento monetário são dolorosos: crescimento económico mais baixo e temporariamente mais desemprego sem que se verifique, durante algum tempo, grande redução da inflação. Os benefícios começam a surgir apenas um ou dois anos depois, sob a forma de menor inflação, uma economia mais saudável e potencial para um rápido crescimento não inflacionário.
Os anos 80 oferecem um exemplo claro desta sequência. Em 1980, a Reserva Federal carregou a fundo nos travões monetários. O resultado foi uma forte recessão e em seguida uma rápida descida da inflação. No fim de 1982, a Reserva Federal alterou a sua política e aumentou o crescimento monetário. A economia recuperou pouco depois e embarcou na sua maior expansão desde a Segunda Guerra Mundial. Os maus efeitos vieram primeiro, os bons mais tarde. E o país beneficiou enormemente por ter feito o tratamento.
Os efeitos secundários dolorosos são uma das razões por que tanto os alcoólicos como os países em inflação acham difícil acabar com os seus vícios. Mas outra razão, pelo menos na fase inicial da doença, pode ser ainda ser mais importante: a ausência de uma vontade real de acabar com o vício. Quem bebe gosta da sua bebida; acha difícil admitir, mesmo perante si próprio, que é na realidade um alcoólico, e não tem a certeza de querer tratar-se. A nação inflacionária está na mesma posição. É tentador acreditar que a inflação é uma questão temporária e moderada, provocada por circunstâncias inusitadas ou extrínsecas e que se irá embora por si própria – uma coisa que nunca acontece.
Além disso, muitos de nós não ficam infelizes com a inflação. Naturalmente, gostaríamos de ver os preços das coisas que compramos descerem, ou pelo menos pararem de subir. Mas ficamos satisfeitos por ver subir os preços das coisas que vendemos – quer sejam os bens que produzimos, o nosso trabalho, ou as casas e outros bens que possuímos. Recentemente, os agricultores queixaram-se da inflação, mas reuniram-se em Washington para fazer lóbi por preços mais elevados para os seus próprios produtos. A maioria de nós faz o mesmo de uma forma ou de outra. É por isso que a nossa «farra» de inflação durou tanto tempo, desde o princípio dos anos 60 até ao princípio dos anos 80, e essa é também a razão para a inflação continuar a ser uma ameaça permanente.
Uma das razões para a inflação ser tão destrutiva é porque algumas pessoas beneficiam muito enquanto outras sofrem; a sociedade divide-se entre ganhadores e perdedores. Os ganhadores consideram as coisas boas que lhes acontecem como o resultado natural da sua própria perspicácia, prudência e iniciativa. Consideram as coisas más – a subida dos preços das coisas que compram – como resultado de forças fora do seu controlo. Quase todos nós dizemos que somos contra a inflação; o que geralmente queremos dizer é que somos contra as coisas más que ela traz consigo e que nos afectaram.
Por exemplo, quase todas as pessoas que tinham uma casa durante os anos 60 e 70 beneficiaram com a inflação. O valor das casas subiu em flecha. Se o proprietário tinha um empréstimo, os juros eram geralmente inferiores à taxa da inflação. Consequentemente, os pagamentos denominados juros, para lá dos denominados capital, na realidade pagavam o empréstimo. Para apresentarmos um caso simples, suponhamos que tanto a taxa de juro como a taxa de inflação eram de 7% num ano. Se o proprietário de uma casa tivesse um empréstimo de 10 000 dólares, do qual pagasse apenas os juros, um ano depois, o empréstimo corresponderia ao mesmo poder de compra que teriam, um ano antes, 9300 dólares. Em termos reais, estaria devedor de menos 700 dólares – exactamente o que tinha pago de juros. Em termos reais, não teria pago nada pela utilização dos 10 000 dólares. (Na realidade, dado que o juro era dedutível ao seu rendimento para efeito de impostos, acabaria por ter beneficiado – estaria a ser pago por contrair um empréstimo.) Este efeito tornou-se evidente para os proprietários de casas, que viam o valor do seu património líquido aumentar rapidamente. A contrapartida era o prejuízo dos pequenos aforradores, que proporcionavam os fundos que permitiam às associações financeiras, aos bancos mutualistas e a outras instituições financiarem os empréstimos para compra de casa. Os pequenos aforradores não tinham nenhuma boa alternativa, porque o Governo limitava severamente a taxa máxima de juro que tais instituições podiam pagar aos seus depositantes – supostamente para os proteger. O prejuízo acabou por se tornar finalmente evidente a nível nacional, com o colapso das Savings and Loans e o correspondente fardo sobre os contribuintes.
Da mesma forma que uma despesa pública mais elevada pode contribuir para um crescimento monetário excessivo, também os gastos governamentais mais reduzidos podem contribuir para a redução do crescimento monetário. Neste ponto, mais uma vez, temos tendência para sermos esquizofrénicos. Todos nós gostaríamos de ver a despesa pública baixar, desde que não se trate de despesa que nos beneficie. Todos nós gostaríamos de ver os défices reduzidos, desde que este objectivo seja conseguido à custa de impostos sobre outras pessoas.
À medida que a inflação acelera, mais cedo ou mais tarde acaba por danificar tanto os alicerces da sociedade, por criar tanta injustiça e sofrimento, que surge uma vontade pública genuína de fazer alguma coisa a este respeito – como vimos acontecer nos Estados Unidos em 1980. O nível de inflação em que tal vontade pode surgir depende fundamentalmente do país em questão e da sua história. Na Alemanha, a vontade de fazer alguma coisa surgiu com um baixo nível de inflação, devido às terríveis experiências da Alemanha depois das Primeira e Segunda Guerras Mundiais; a vontade surgiu num nível de inflação muito mais elevado no Reino Unido, no Japão e nos Estados Unidos.
Efeitos colaterais de uma cura
Antes de os Estados Unidos fazerem o tratamento, e também mais recentemente, disseram-nos vezes sem conta que as alternativas reais que enfrentamos são mais inflação ou mais desemprego e que temos de aceitar um crescimento indefinidamente mais lento e mais desemprego se quisermos curar a inflação e mantê-la em baixo. Contudo, durante os anos 60 e 70, o crescimento da economia nos Estados Unidos baixava, o nível médio de desemprego subia e, enquanto isso, a taxa de inflação aumentava cada vez mais. Tivemos simultaneamente mais inflação e mais desemprego. Outros países passaram pela mesma experiência. Como é que era possível?
A resposta é que o crescimento baixo e o desemprego elevado não são curas para a inflação. São efeitos colaterais de um tratamento levado a cabo – como descobrimos em 1980-83. Muitas políticas que limitam o crescimento económico e aumentam o desemprego podem simultaneamente aumentar a taxa de inflação. Tal tem sido verdade com algumas políticas que os Estados Unidos adoptaram – controlo esporádico de preços e salários, maior intervenção do Governo na economia, acompanhada por despesa pública cada vez mais elevada e por um rápido aumento da quantidade de dinheiro.
Outro exemplo médico talvez possa tornar mais clara a diferença entre uma cura e um efeito colateral. Uma pessoa tem apendicite aguda. O médico recomenda uma apendicectomia mas avisa que, depois da operação, a pessoa terá de ficar de cama durante algum tempo. A pessoa recusa a operação mais vai para a cama durante o período indicado, desejando uma cura menos dolorosa. É patetice, obviamente, mas corresponde, em todo o detalhe, à confusão entre desemprego como efeito colateral e como cura.
Os efeitos colaterais de um tratamento da inflação são dolorosos, por isso é importante compreender a razão por que ocorrem e procurar formas de os mitigar. A razão fundamental decorre do facto de os vários ritmos de crescimento monetário introduzirem ruído nas informações transmitidas pelo sistema de preços. Este ruído leva a reacções inadequadas por parte dos actores económicos e demora algum tempo até que essas reacções sejam ultrapassadas.
Consideremos, em primeiro lugar, o que acontece quando se inicia um crescimento monetário inflacionário. Um vendedor de bens ou de mão-de-obra ou de outros serviços não consegue distinguir entre os gastos mais elevados financiados pelo dinheiro recém-criado e quaisquer outros gastos. Os vendedores a retalho, por exemplo, acham que estão a vender mais bens ao preço antigo. A reacção inicial é encomendar mais bens ao grossista, que, por sua vez, encomenda mais bens ao fabricante, e assim por diante. Se a procura de bens tivesse aumentado à custa de qualquer outro segmento da procura – por exemplo, à custa de despesa pública e não como consequência de crescimento monetário inflacionário – o aumento do fluxo de encomendas de um conjunto de bens seria acompanhado por um fluxo decrescente de outras. Alguns preços teriam tendência para subir, outros para descer; mas não haveria razão para que os preços, em média, fossem alterados.
A situação é completamente diferente quando o aumento da procura tem a sua origem em dinheiro recém-criado. A procura de mais bens e serviços pode aí subir como um todo. O gasto total (em dólares) torna-se mais elevado. Contudo, os vendedores a retalho não sabem disso. Actuam como foi acima referido, mantendo inicialmente o preço de venda constante, satisfeitos por venderem mais até conseguirem, julgam eles, repor o seu stock. Mas neste caso o maior fluxo de encomendas no canal de retalho não é compensado por um fluxo decrescente no canal governamental. À medida que o maior fluxo de encomendas dá origem a uma maior procura de mão-de-obra e matérias-primas para produzir mais, a reacção inicial dos trabalhadores e dos produtores de matérias-primas será semelhante à dos vendedores a retalho – trabalhar mais tempo e produzir mais, mas também cobrar mais caro, na crença de que a procura dos seus fornecimentos aumentou. Mas desta vez não há compensação, não há redução de outras procuras que corresponda mais ou menos ao aumento desta procura, não há descidas de preços a compensar os aumentos. Esta situação não é óbvia à primeira vista. Num mundo dinâmico, a procura está sempre a mudar, com preços a subir e outros a descer. O sinal geral de aumento da procura será confundido com os sinais específicos que reflectem as alterações das procuras relativas. Esta é a razão por que o efeito colateral inicial de um crescimento monetário mais acelerado parece reflectir prosperidade e mais emprego. Mas, mais cedo ou mais tarde, o sinal acabará por atravessar o ruído provocado pela alteração do ritmo de crescimento monetário.
Quando tal acontece, os trabalhadores, os fabricantes, os retalhistas, todos descobrem que foram enganados. Reagiram à maior procura do pequeno número de coisas que vendem individualmente na crença errada de que essa maior procura lhes era especialmente direccionada e de que, portanto, ela não afectaria muito os preços das muitas coisas que compram. Quando descobrem o seu erro, aumentam ainda mais os salários e os preços – não só para responder à maior procura, mas também para corresponder ao aumento dos preços das coisas que compram. A economia lança-se numa espiral de preços e salários que é, na verdade, um efeito da inflação e não uma causa. Se o crescimento monetário não aumentar ainda mais rapidamente, o estímulo inicial ao emprego e à produção será substituído pela reacção contrária; ambos abrandarão em resposta aos preços e salários mais elevados. Uma ressaca seguir-se-á à euforia inicial.
Estas reacções levam tempo a ocorrer. Durante os séculos XIX e XX, nos Estados Unidos, no Reino Unido e em alguns outros países ocidentais, foram precisos, em média, cerca de seis a nove meses até que o maior crescimento monetário atravessasse a economia e produzisse um aumento do crescimento económico e do emprego. Mais doze a dezoito meses tiveram de passar até que o maior crescimento monetário afectasse de forma apreciável o nível de preços e a inflação surgisse ou acelerasse. Os períodos de tempo foram tão prolongados nestes países porque, excepto em tempos de guerra, foram normalmente poupados a taxas muito variáveis de crescimento monetário e de inflação. Os preços grossistas no Reino Unido eram, em média, mais ou menos os mesmos nas vésperas da Segunda Guerra Mundial que duzentos anos antes, e nos Estados Unidos eram sensivelmente os mesmos que cem anos antes. A inflação do pós-Segunda Guerra Mundial foi um fenómeno novo nesses países. Já tinham experimentado muitos altos e baixos, mas não um longo movimento na mesma direcção.
Muitos países da América do Sul receberam uma herança menos feliz. Experimentaram períodos de tempo muito mais curtos – no máximo de alguns meses. Se os Estados Unidos não tivessem tratado (pelo menos durante algum tempo, e esperemos que por muito tempo) a sua recente tendência para se permitirem taxas de inflação com grandes variações, os prazos de tempo também teriam diminuído neste país. Até agora parece tal não aconteceu.
A sequência de acontecimentos que se segue a uma redução do crescimento monetário é a mesma que acabámos de delinear, só que se verifica na direcção oposta. A redução de gastos inicial é interpretada como uma diminuição da procura de produtos específicos, e, algum tempo depois, conduz a uma redução da produção e do emprego. Após outro intervalo de tempo, a inflação desacelera, por sua vez acompanhada por uma expansão do emprego e da produção. O alcoólico atravessa o pior das suas dores de desmame e está a caminho de uma feliz abstinência.
Todos estes ajustamentos são iniciados por alterações das taxas de crescimento monetário e de inflação. Se o crescimento monetário fosse elevado mas regular, de forma que, digamos, os preços tivessem tendência para subir 10% ano após ano, a economia ter-se-ia ajustado a ele. Toda a gente acabava por contar com uma inflação de 10%. Os salários aumentariam anualmente mais 10% do que normalmente teriam aumentado; as taxas de juro seriam 10 pontos percentuais mais elevadas do que seriam de outra forma, para compensar o mutuante pela inflação; as taxas de imposto seriam ajustadas à inflação; e assim por diante.
Tal inflação não seria muito prejudicial, mas também não desempenharia qualquer função. Introduziria simplesmente complexidades desnecessárias na organização económica. Mas, mais importante, se essa situação alguma vez se desenvolvesse, não seria provavelmente estável. Se fosse politicamente proveitoso e possível gerar uma inflação de 10%, a tentação seria grande, quando e se a inflação não saísse daí, de levar a inflação aos 11% ou 12% ou 15%. Inflação zero é um objectivo politicamente alcançável; uma inflação de 10% não é. Este é o veredicto da experiência.
A mitigação dos efeitos colaterais
Não conheço nenhum exemplo de uma inflação que tenha acabado sem um período intermédio de baixo crescimento económico e de desemprego mais elevado do que o habitual. É com esta base de experiência que emitimos o julgamento de que não há forma de evitar estes efeitos colaterais de uma cura da inflação.
Contudo, é possível mitigar os efeitos colaterais, torná-los mais suaves.
O dispositivo de mitigação mais importante é reduzir a inflação gradual mas firmemente, por meio de uma política anunciada com antecipação e que se siga efectivamente, de forma a que se torne credível. Tal é praticável com inflações moderadas. Não é praticável com grandes inflações e muito menos com hiperinflações. Em tais casos, só um tratamento de choque é praticável; o paciente está demasiado doente para suportar um tratamento prolongado.
A razão para o gradualismo e para o anúncio prévio é dar tempo às pessoas para reajustarem os seus planos e compromissos, e induzi-las a fazê-lo. Muitas pessoas assinam contratos a longo prazo com base em expectativas sobre a taxa provável de inflação. Estes contratos a longo prazo tornam difícil reduzir rapidamente a inflação, porque tentar fazê-lo impõe pesados custos a muita gente. Com tempo, os contratos vencerão ou serão renovados ou renegociados e podem então ser ajustados à nova situação. Contudo, a vantagem económica do gradualismo é contrabalançada, em parte ou na totalidade, por uma desvantagem política. Uma crise pode gerar a vontade política para apoiar um tratamento de choque. Mas a vontade política pode desvanecer num ajustamento a longo prazo.
Outro sistema que provou a sua eficiência na mitigação dos efeitos secundários adversos do tratamento da inflação é a inclusão nos contratos a prazo mais longo de um ajustamento automático baseado na inflação, aquilo a que se chama cláusula de correcção. O exemplo mais corrente é a cláusula de ajustamento do custo de vida que está incluída em muitos contratos salariais. Tais contratos especificam que o salário será aumentado, digamos, 2% mais a taxa de inflação ou mais uma fração da taxa de inflação. Desta forma, se a inflação for baixa, o aumento de salário em dólares é baixo; se a inflação for alta, o aumento de salário em dólares é elevado. Mas em qualquer dos casos o salário tem o mesmo poder de compra.
Outro exemplo diz respeito aos contratos de arrendamento de propriedades. Em vez de estabelecer como renda um número fixo em dólares, o contrato pode especificar que a renda será ajustada anualmente de acordo com a taxa de inflação. Os contratos de arrendamento para lojas de retalho especificam frequentemente a renda como uma percentagem das receitas brutas do armazém. Tais contratos não têm uma cláusula de correcção explícita, mas ela está implícita, visto que as receitas da loja têm tendência para subir com a inflação.
Outro exemplo ainda é um contrato de empréstimo. Um empréstimo é tipicamente de uma determinada quantia em dólares por um determinado período de tempo a uma determinada taxa de juro anual, digamos, 1000 dólares por um ano a 10%. Uma alternativa é especificar a taxa de juro não em 10% mas, digamos, em 4% mais a taxa de inflação, de forma que, se a taxa de inflação acabar por ser de 5%, a taxa de juro será de 9%, e, se a inflação acabar por ser de 10%, a taxa de juro será de 14%. Uma alternativa mais ou menos equivalente é especificar o montante a reembolsar não como um número fixo de dólares mas como um número de dólares ajustado de acordo com a inflação. No nosso exemplo simples, o tomador do empréstimo deverá 1000 dólares acrescidos da taxa de inflação mais um juro de 4%. Se a inflação acabou por ser de 5%, o montante devido será de 1050 dólares mais o juro de 4%; se a inflação foi de 10%, 1100 dólares mais o juro.
Com excepção dos contratos de trabalho, as cláusulas de correcção não têm sido habituais nos Estados Unidos. Contudo, começaram a espalhar-se durante os anos 70 e no início dos anos 80, especialmente sob a forma de empréstimos hipotecários a juros variáveis. E também têm sido comuns em quase todos os países que sofreram taxas de inflação tanto elevadas como variáveis durante um período muito longo.
As cláusulas de correcção reduzem o desfasamento temporal entre a redução do crescimento monetário e o subsequente ajustamento de salários e preços. Desta forma, encurtam o período de transição e reduzem os efeitos secundários intermédios. Contudo, as cláusulas de correcção estão longe de ser uma panaceia. É impossível ajustar todos os contratos (considere-se, por exemplo, o papel-moeda) e é dispendioso corrigir qualquer um deles. Uma vantagem importante da utilização do dinheiro é precisamente a capacidade de levar a cabo as transacções de forma económica e eficiente. As cláusulas de correcção reduzem esta vantagem. É muito melhor não ter nem inflação nem cláusulas de correcção.
Os controlos dos preços e dos salários são por vezes propostos como uma cura para a inflação. Recentemente, como se tornou evidente que tais controlos não são uma cura, têm sido recomendados como forma de mitigar os efeitos colaterais de uma cura. Afirma-se que serviriam tal função por persuadirem o público de que o Governo está a actuar com seriedade no ataque à inflação; isso, por sua vez, reduziria as expectativas de inflação futura incorporadas nos contratos a longo prazo.
Os controlos de preços e de salários são contraproducentes para esta finalidade. Distorcem a estrutura de preços, reduzindo a eficiência com que o sistema funciona. A produção mais baixa daí resultante aumenta os efeitos secundários adversos de um tratamento da inflação, em vez de os reduzir. Os controlos de preços e salários desperdiçam trabalho, tanto pelas distorções na estrutura de preços como pela imensa quantidade de trabalho desviada para o desenho, implementação e fuga aos controlos. Estes efeitos são os mesmos quer os controlos sejam obrigatórios quer sejam rotulados de voluntários.
Na prática, os controlos de preços e salários têm quase sempre sido usados como substitutos de uma austeridade monetária e orçamental, em vez de lhes servirem de complemento. Esta experiência levou os intervenientes no mercado a encarar a imposição de controlos de preços e salários como um sinal de que a inflação está a acelerar e não a desacelerar. Tem por isso levado à subida das expectativas inflacionárias em vez de à sua redução.
Os controlos de preços e salários parecem por vezes surtir efeito durante um curto período após a sua imposição. Os preços cotados, os preços em que se baseiam os índices, mantêm-se baixos porque há diversas formas indirectas de fazer subir os preços e os salários – baixando a qualidade dos produtos produzidos, eliminando serviços, promovendo os trabalhadores, etc. Mas depois, à medida que se esgotam as formas simples de evitar os controlos, as distorções acumulam-se, as pressões suprimidas pelos controlos atingem o ponto de ebulição, os efeitos adversos pioram cada vez mais e todo o programa se desfaz. O resultado final é mais inflação e não menos. À luz da experiência de quarenta séculos, só as vistas curtas dos políticos e dos eleitores podem explicar o repetido recurso aos controlos de preços e salários (Schuettinger e Butler, Forty Centuries of Wage and Price Controls: How Not to Fight Inflation, 1979).
Conclusões
Cinco simples verdades exprimem quase tudo o que sabemos acerca da inflação:
Fomos iludidos por uma falsa dicotomia: inflação ou desemprego. Essa escolha é uma ilusão. A verdadeira escolha é se temos mais desemprego em resultado de inflação mais elevada ou como efeito colateral temporário de uma cura da inflação.
Excertos do capítulo 8 do livro Money Mischief: Episodes in Monetary History (1991), editado em português como O Poder do Dinheiro pelas Publicações Europa América. Corresponde em grande medida ao capítulo 9 do clássico Liberdade para Escolher.
Tradução original: Maria da Graça Pinhão.
Revisão e seleção de excertos: Pedro Almeida Jorge.
Colaboração: Miguel Canas.
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